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Um orientalista nos trópicos

No documento Dom Pedro II: Um Tradutor Imperial (páginas 97-100)

livro do Hitopadeśa

1. Um orientalista nos trópicos

D. Pedro II foi o primeiro chefe de estado brasileiro a visitar o Oriente Médio. Tal evento ocorreu no final do século XIX em decorrência de duas viagens do monarca para o exterior, mais precisamente nos anos de 1871 e 1876. O Imperador demonstrava grande predileção pelo Oriente, alimentando uma verdadeira curiosidade sobre tudo o que fosse referente àquela região do globo. Despendia algumas horas do dia estudando árabe, sânscrito, hebraico, siríaco e outras línguas consideradas orientais, lia obras de grandes estudiosos sobre o Oriente – como as do francês Ernest Renan –, discutia o assunto em cartas destinadas ao conde de Gobineau, ao arqueólogo e filólogo francês Olivier de Rougé, aos egiptólogos Auguste Mariette e Henrich Brougsch, ao próprio

Renan e também ao frei Leivin de Hamme, responsável por guiar a corte brasileira em terras do Oriente.

Muito antes de pisar pela primeira vez na Terra Santa, o jovem Pedro d’Alcântara já registrava o anseio em aprender a língua hebraica, o idioma da Bíblia. A motivação inicial, muito provavelmente, era a veneração pelas escrituras sagradas: “Amo a Bíblia, leio-a todos os dias, e quanto mais leio, mais a amo. Há pessoas que não gostam da Bíblia. Não compreendo tais pessoas; mas eu a amo. Amo sua simplicidade e amo suas retuações e repelições da verdade” (apud LOEWENSTAMM, 2002, p. 19). Iniciou os estudos em sua residência de verão em Petrópolis sob a tutela de Leonhard Akerbloom, então cônsul da Suécia no Rio de Janeiro. O empenho e a dedicação ao novo aprendizado garantiram ao Imperador consideráveis conhecimentos da língua hebraica, possibilitando a tradução de passagens bíblicas dos livros de Ruth, Isaías, Cântico dos Cânticos, Salmos, Geremias e Gênesis para o latim. Mais tarde, teve como mestre os orientalistas Dr. Koch e o alemão Karl Henning.

Durante suas viagens ao Oriente, D. Pedro mostrou-se um tradutor contumaz. Acompanhado de seu mestre de hebraico e sânscrito, Karl Henning, o Imperador sempre encontrava intervalos para dedicar-se à atividade de tradução. Os registros em seu diário apontam horários imprevisíveis e lugares históricos escolhidos por ele para realizar as traduções. A primeira tradução dos Atos dos apóstolos, por exemplo, teve início depois do almoço às margens do arroio Dhirani, sendo retomada logo após uma animada festa noturna (FAINGOLD, 2008).

Em terras do Oriente, D. Pedro trilhou o mesmo caminho percorrido por muitos peregrinos cristãos do século XIX, fazendo questão de visitar e conhecer melhor os lugares ligados a outros credos e personalidades judaicas e muçulmanas. A arqueologia e as línguas mortas, como era então o hebraico, figuravam entre os estudos preferidos pelo Imperador, e a viagem “serviu de oportunidade para exercitá-los, seja na companhia de seu

professor Karl Henning ou dos guias egiptólogos” (GOLDFELD, 2006, p. 20).

Em 1876, ano da segunda viagem ao exterior, D. Pedro II foi recebido na Universidade de São Petersburgo por ocasião do III Congresso de Orientalistas daquela instituição. Lá foi recepcionado pelo emérito orientalista Elie Nicolaevitch Berezine que o conduziu pelas salas vazias, bibliotecas, laboratórios, museus de história natural, zoologia, mineralogia, botânica, geologia, química e física. Com redobrada atenção, observava tudo, ouvindo pacientemente as explicações de seus anfitriões, revelando aos professores russos que o conduziam um profundo conhecimento de ciências. Em suas visitas, o Imperador encontrou- se com o químico Dimitri Ivanovitch Mendeleiev, criador da primeira versão da tabela periódica, e com o linguista Vasiliev, mostrando-se um filólogo erudito ao explanar longamente sobre as línguas chinesas.

No mesmo dia, D. Pedro levou quatro horas percorrendo a Biblioteca Imperial. Apaixonado por livros, o Imperador surpreendia a todos com seus conhecimentos. A facilidade com que lia os títulos das obras em russo, mesmo aqueles grafados em caracteres antigos, chamava a atenção dos docentes que o acompanhavam. Aliás, ele lia com a mesma perfeição os textos em latim, alemão, árabe, samaritano e hebraico pertencentes à divisão de manuscritos antigos da biblioteca. O desprendimento com que versava sobre importantes questões obrigava, muitas vezes, os especialistas que o acompanhavam a desistir das explicações, pois o monarca já estava bem sintonizado com os assuntos ministrados (FAINGOLD, 2008). Ainda na Biblioteca Imperial, D. Pedro teve contato com as principais obras dos ilustres nomes da literatura, história, ciências e belas artes da Rússia Czarista, finalizando sua visita com uma exaustiva análise da coleção de bíblias impressas em vários idiomas. A passagem do Imperador pela Universidade de São Petersburgo foi motivo de destaque na imprensa russa. De acordo com Faingold (2008),

em uma crônica publicada nos dias de sua visita, D. Pedro é tido como notável poliglota, linguista e filólogo. Sob esse prisma, ele conquistou um lugar de destaque entre os sábios orientalistas de São Petersburgo, sendo eleito membro de honra pelos docentes daquela instituição.

O interesse pelos assuntos do Oriente acompanhou o monarca durante seu exílio imposto pela proclamação da República. As traduções de obras orientais tornaram-se uma constante nesse período de dois anos de expatriação, findo com a morte de D. Pedro. Liberto dos compromissos de governante, o Imperador dividia-se entre a tradução das Mil e uma noites diretamente do árabe e do livro do HitopadeĞa, obra vertida do sânscrito para o vernáculo. Além disso, o hebraico ocupou grande parte de seus dias vividos na França. Lá foi publicado o livro Poésies Hebraïco- Provençales Du Rituel Israélite – Comtadin, único livro que traz seu nome e cuja edição o próprio Imperador supervisionou. Dessa vez, o monarca contava com a supervisão do alemão Christian Friedrich Seybold, seu quarto e último mestre orientalista. Esse professor de línguas semíticas morou no Rio de Janeiro e foi membro do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), acompanhando a família imperial até a morte do Imperador.

No documento Dom Pedro II: Um Tradutor Imperial (páginas 97-100)