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CPÍTULO 2. A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICA, A

2.1. A Terceira Revolução Industrial e Tecnológica

2.1.2. Um paradigma incompleto

A expressão Terceira Revolução Industrial e Tecnológica apresenta tanto controvérsias quanto consensos, sendo que no campo das controvérsias, alguns autores, entre eles Tavares, argumentam que a característica fundamental das duas revoluções anteriores ainda não se manifestou na presente, ou seja, a completa transformação das bases energética e de transportes.

Até prova em contrário, a Terceira Revolução Industrial ainda não dispensa o petróleo como base do sistema de transporte mundial. Um cluster de inovações que não modifica radicalmente a infra-estrutura de transportes nem a base energética do sistema industrial não tem o impacto transformador de uma verdadeira revolução industrial (TAVARES, 1992:

40).

Na Primeira Revolução Industrial a principal fonte energética foi o carvão mineral, enquanto que na Segunda, o petróleo e a eletricidade. Mas, ainda que a eletricidade seja uma das mais fantásticas descobertas, sua geração na maioria dos países de capitalismo avançado ainda demanda das usinas termelétricas26, o que provoca a sua dependência em relação aos

26Uma unidade de geração termelétrica é composta por um elemento de força motriz (que pode ser um motor Diesel ou uma turbina a gás ou a vapor), mais um gerador trifásico. O elemento motriz

combustíveis fósseis, especialmente o petróleo e o carvão mineral. Ademais, em razão do fato de ainda não ter-se conseguido armazená-la em grandes quantidades, a eletricidade não conseguiu provocar uma terceira revolução nos transportes, que continuam a depender essencialmente do petróleo.

A tentativa da ciência em resgatar o setor de transportes, especialmente o automobilístico, da dependência dos combustíveis do ciclo do carbono, introduzindo o combustível do ciclo da água ainda não se materializou em razão do principal processo de produção de hidrogênio (eletrólise) depender de grandes quantidades da escassa eletricidade. Com efeito, o horizonte tecnológico visível para o setor automobilístico ainda é a redução do consumo dos elementos do ciclo do carbono, o que pode ocorrer ainda na presente década com a disseminação das células de combustível27.

De concreto até o presente momento, o Brasil constitui a única experiência mundial relativamente bem-sucedida na tentativa de substituição parcial dos combustíveis fósseis no setor de transportes, através dos programas Pró-Álcool e BioDiesel. Mas, um possível sucesso brasileiro dever-se-ia muito mais às vantagens comparativas possibilitadas pelas suas características geográficas, que a um profundo domínio tecnológico; pois, a produção dos combustíveis oriundos da biomassa não requer nenhum processo mais sofisticado. Entretanto, há que ressaltar dois aspectos (i) trata-se de uma importante estratégia de política macroeconômica nacional, tomada no (caso do Pró-Ácool) ainda durante o II PND de Geisel, objetivando diminuir a sobrecarga da Conta Petróleo na balança comercial e conquistar a soberania energética e (ii) caso haja uma demora na introdução de novos combustíveis e um rebaixamento geral das reservas mundiais, consubstanciando uma crise profunda como aponta Rifkim (2003), o país poderá tonar-se grande exportador desta energia para os mercados mais dinâmicos ou com elevado grau de consciência preservacionista.

aciona mecanicamente o gerador que produz eletricidade. Portanto, uma tecnologia que demanda combustíveis fósseis.

27As células de combustível são uma promessa do setor automotivo para a primeira década do Século XXI. Produzem eletricidade pela ação da decomposição de moléculas de hirogênio e de combustíveis convencionais. Sua introdução possibilitaria a disseminação de automóveis de tração elétrica, porém alimentados por hidrogênio ou combustíveis convencionais, obviamente, com consumo infinitamente menor.

A entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, em Fevereiro de 2005, deve acelerar a corrida por novas fontes energéticas, pois, a taxação sobre as emissões de dióxido e monóxido de carbono deve aumentar os custos operacionais das empresas, fazendo com que a busca pela competitividade também se desloque para a esfera ambiental. Paralelamente, a constituição de um mercado mundial de carbono poderá promover alguma inversão dos fluxos de riquezas entre Centro e Periferia, uma vez que os países em desenvolvimento, além de estarem isentos de cotas de emissões, também poderão receber aportes pela preservação das suas florestas.

Até os mais longínquos horizontes em que a ciência possa especular, não se vislumbra uma fonte energética substituta da eletricidade, sendo que sua supremacia, ainda em afirmação, dentre as demais fontes deve, ao que tudo indica, perdurar indefinidamente. Da eletricidade ainda espera-se inúmeros aperfeiçoamentos nas formas de geração, transmissão e emprego, sendo que as possíveis novas descobertas neste campo se consubstanciariam num dos principais aspectos da transformação da base energética e, possivelmente, dos transportes do terceiro paradigma.

No campo da geração de eletricidade, dentre as fontes limpas – eólica, solar, geotermal e das marés – ainda não se conseguiu a produção em escala para emprego na economia capitalista, enquanto que a ciência ainda engatinha na captura da tecnologia do plasma28, sendo que até o presente momento, tal possibilidade existe, apenas, enquanto teoria. Por outro lado, no campo das energias sujas, o emprego da fissão de núcleos de materiais radioativos29 mostrou-se impraticável em razão dos riscos de acidentes e, principalmente, em razão do amadurecimento de uma consciência preservacionista universal. Já no campo da transmissão e

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Formado através da fusão de núcleos de hidrogênio, o Plasma é o quarto estado da matéria, além do sólido, do líquido e do gasoso e produz altíssimas temperaturas que podem ser empregadas na geração de eletricidade. Entretanto, sua produção demanda grandes quantidades de energia, o que o torna economicamente inviável. O grande desafio da física é diminuir a quantidade de energia necessária à sua produção, tornando-o economicamente viável. Em 1989, os cientistas Stanley Pons e Martin Fleichmann da Universidade de Utah em Salt Lake City – Utah - EUA, anunciaram ter descoberto um processo de produção de Plasma a baixo emprego de energia (fusão a frio), fato que foi dado como uma fraude pela comunidade científica internacional (ver MEDEIROS, 1999).

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A fissão de núcleos de materiais radioativos constitui o princípio básico de funcionamento das atuais usinas nucleares. A fissão produz altas temperaturas, que são convertidas em vapor d’água, que aciona as turbinas, gerando corrente elétrica. Após o trágico acidente de Chernobyl – Ucrânia - URSS, em 1986, levantou-se uma forte opinião internacional contra esta tecnologia.

emprego de eletricidade, a grande esperança neste momento reside na possibilidade do aperfeiçoamento, produção e emprego em escala dos materiais supercondutores, o que possibilitaria uma substancial redução do consumo e das perdas30.

Por outro lado, a exploração espacial provocou uma fantástica revolução nas telecomunicações e, com efeito, um grande impacto na economia capitalista. Impulsionada nos anos cinqüenta e sessenta por razões militares da Guerra Fria, a ciência espacial ganhou contornos comerciais nos anos oitenta e noventa, com a redução dos custos de orbitação de satélites. A associação entre as telecomunicações e a informática resultou no surgimento da telemática, possibilitando uma brutal expansão do comércio internacional, o surgimento da Era do Acesso através da disseminação da Internet e uma profunda transformação na economia, com a transição dos mercados convencionais para networks (RIFKIN, 2003). Da ciência espacial ainda espera-se grandes avanços na área farmacêutica, em razão da possibilidade de produção de novos medicamentos através de combinações moleculares no ambiente de gravidade zero.

A introdução de novos materiais, ainda que bem adiantada nas pesquisas e com muita tecnologia já capturada, ainda esbarra no problema da disseminação pelo rebaixamento dos custos de produção. Os novos materiais como a fibra de carbono e o composite tiveram emprego limitado na aviação e na indústria espacial; o kevlar tem sido empregado limitadamente nos serviços de segurança, enquanto que as experiências japonesas com motores de cerâmica fracassaram. Pelo atual estágio de desenvolvimento dos novos materiais, o aço e o plástico ainda reinarão absolutos na composição da maioria dos bens de consumo duráveis nas próximas décadas, imprimindo seu alto custo ambiental.

O aperfeiçoamento – e não a invenção – do computador constitui o aspecto mais impactante dentre as transformações tecno-científicas do presente paradigma. A ênfase colocada no aperfeiçoamento dá-se pelos seguintes motivos: (i) considerando que a sua lógica funcional - independentemente das modalidades de linguagem – estrutura-se na combinação matemática do código binário ou da lógica booleana com a finalidade de armazenar e

30 Os supercondutores são materiais que não opõem resistência alguma ao deslocamento da corrente elétrica. Sua vantagem consiste na eliminação das perdas que, hoje, ocorrem com os condutores convencionais como o cobre e o alumínio. Entretanto, eles só superconduzem a baixas temperaturas, o que os torna economicamente impraticáveis. Fazê-los superconduzir eletricidade a temperatura ambiente é um desafio que a ciência tateia desde o final da década de noventa.

reproduzir informações, sua invenção dataria de meados do segundo paradigma, ocasião em que as máquinas com tais características surgiram; (ii) sua disseminação na produção de bens e serviços e uso pessoal só ocorreu a partir dos anos setenta, com o desenvolvimento de softwares mais sofisticados e a captura da tecnologia de refino do silício - o que redundou em chips menores, mais velozes e com maior capacidade de armazenamento31. Entretanto, além de possibilitar a grande expansão do terciário em razão da sua associação às telecomunicações, o computador associado à mecânica fina também possibilitou uma fantástica transformação do secundário, com o surgimento da mecatrônica e da robótica, possibilitando o mais formidável salto de produtividade em toda a história.

Apesar do fantástico progresso do computador e das telecomunicações, tal fato não invalida o caráter incompleto da atual Revolução Industrial e Tecnológica, cujas limitações se evidenciam no comentário abaixo:

Hoje, ainda estamos na fase de pré-decolagem. Uma vez comecemos a combinar estas muitas novas tecnologias, o número de opções mais potentes aumentará exponencialmente, nós aceleraremos a construção de uma base energética da Terceira Onda (TOFLER, 1986: 144).

Portanto, há substancial relevância na afirmação de Tavares, em razão de não haver uma mudança revolucionária da matriz energética e dos transportes, sendo que a economia capitalista ainda demanda dos combustíveis fósseis e do centenário motor à combustão interna. De modo que o vetor mais prolongado das transformações paradigmáticas ainda repousa na mudança do sistema industrial, através da inflexão da produção em massa e o nascimento e a expansão da produção flexível. Com efeito, a despeito das inovações técnicas, ao que tudo indica, a presente transformação tem muito mais aspectos administrativo, gerencial e ideológico, que científico e tecnológico propriamente dito. Assim, a terminologia

31 O primeiro computador eletromecânico data de 1936 (os modelos anteriores eram estritamente mecânicos) e trouxe a inovação de relês elétricos fazendo a combinação binária. Durante a Segunda Guerra Mundial surgiram novos modelos em que válvulas substituíram os relês. Os modelos do pós-guerra (a partir de 1947) trouxeram a inovação dos transistores substituindo as válvulas. A introdução dos chips de silício, a partir do início da década de setenta, deu início a atual geração (ver GONICK, 1984). Portanto, o computador é uma tecnologia do segundo paradigma.

Terceira Revolução Industrial e Tecnológica é aqui empregada com a devida ressalva do seu caráter incompleto e transitório, quando confrontada ao debate sobre a ciência32.