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FÍSICA: A GINÁSTICA EM QUESTÃO

1. O profissional de Educação Física e a construção histórica da identidade da área

1.1 Um pouco de Ginástica, ou será de Educação Física?

A Educação Física nasce com a modernidade e sofre influência do pensamento científico desde seu início. Devido à nova ordem social que se apresenta nos séculos XVIII e XIX, surge um “quadro social em que a racionalidade científica se afirma como a forma correta de ler a realidade, em que o Estado burguês se afirma como a forma legítima de organização do poder e a economia capitalista baseada na indústria emerge e se consolida” (BRACHT, 1999, p.28).

Os novos contornos que a sociedade européia da época assume vão contribuir para a inserção da Educação Física (então métodos ginásticos) como componente curricular na escola moderna, já que o exercício físico ganha cada vez mais importância por parte dos médicos e passa a ser o novo “remédio” para os “males necessários” advindos dessa nova ordem social. Isso porque as jornadas de trabalho são tão exaustivas que se tornam nocivas para o corpo.

Em linhas gerais, o que levou a Educação Física até as escolas foi o discurso médico do século XVIII38, que estava impregnado pela racionalidade científica. Este fundamentava a importância da Educação Física como forma de promover saúde em contradição ao pensamento anterior de que provocaria desgaste corporal.

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Discurso que se faz presente ainda hoje para legitimar a área tanto no espaço escolar como em outros espaços.

A medicina tinha como objetivo a educação do povo e, por isso, a promoção da saúde foi pedagogizada. As verdades das ciências biológicas são interpretadas pedagogicamente e traduzidas em exercícios ginásticos. Os pedagogos compram a idéia e, de um determinado ponto de vista, a nova atenção aos exercícios físicos é louvável, já que o corpo deixou de ser proibido pelo obscurantismo religioso, mesmo que apenas nos moldes biológicos. Porém se, de um lado, permitiu que as causas das doenças não fossem mais vistas como castigo de Deus, por outro, limitou o entendimento do ser humano como um ser social.

A racionalidade do sistema de produção presente na escola torna o sujeito um “homem máquina” e a compreensão e a reflexão, que são inerentes a ele e determinada por um mundo social, quase desaparecem. Nessa dimensão, o exercício físico tem caráter higienista, disciplinador e de eugenia.

Os exercícios físicos, ao compor o conhecimento curricular permitido, recebem o nome de “Ginástica” (métodos ginásticos), constituindo-se em elemento laico na educação escolar. Esta forma de manifestação do ser humano, que não surgiu de uma hora para outra e esteve sempre ligada à sua própria história, sofreu modificações porque acompanhou as necessidades de transformação da sociedade e procurou atender aos anseios daquele momento histórico. Com o nascimento do capitalismo e a ascensão de uma classe industrial e comercial que começou a reger a cultura e a arte, a Ginástica (Educação Física da época) passou a fazer parte dos “cuidados com o corpo”, tornando-se um problema de Estado.

De acordo com Ayoub (2003, p. 32), tem início “a configuração de uma gestualidade própria da Ginástica ... cujos significados estão apoiados na ciência e na técnica, assim como nos princípios de ordem e disciplina ditados pela burguesia”.

Para entender melhor os métodos ginásticos (Ginástica científica) e o que representaram para a Educação Física brasileira, acreditamos ser importante um breve resgate de como

eles surgiram e no que influenciaram a área, principalmente porque a inclusão destes como conhecimento curricular na Europa e posteriormente na escola brasileira, deu início à profissão de Educação Física. A sua influência na área fica mais evidente quando percebemos que ainda hoje existe uma confusão epistemológica no entendimento de Ginástica e Educação Física. Isto se deve ao fato de que a primeira denominação para a “educação do corpo na escola” foi ginástica e, só depois dela, Educação Física.

A educação do corpo começa a acontecer na sociedade burguesa por meio da Ginástica que é sistematizada entre os anos de 1800 e 1900. Langlade e Langlade (1986) consideram que esta seria a época indicada como marco do nascimento da Ginástica atual, devido a uma série de circunstâncias históricas que propiciaram o aparecimento das primeiras sistematizações ginásticas devido ao surgimento das Escolas Inglesa, Alemã, Sueca e Francesa39. As últimas três escolas citadas foram grandes responsáveis pela sistematização dos métodos ginásticos europeus.

Alguns autores, como Soares (1994), Soares et al. (1992), Castellani Filho (1994) Marinho (s/d), afirmam que diferentes métodos (Alemão, Sueco e Francês) foram introduzidos no Brasil e que sua inclusão se deu gradativamente em todo país. Porém, entre eles, alguns foram mais sedimentados no interior das escolas. Isto se explica em função da influência da Instituição Militar na escola, porque tanto os militares como as escolas brasileiras adotaram os mesmos Métodos Ginásticos. E, não só os métodos escolhidos pelos militares foram até as escolas, mas também os instrutores dos métodos eram militares.

O fato é que os Métodos Ginásticos que surgiram na Europa foram, de modo idêntico implantados no país, sem que a identidade cultural brasileira fosse levada em conta. Foram seguidas as mesmas orientações européias, vinculações com a saúde e educação moral,

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Os mesmos autores dividem as atividades na Europa em quatro zonas (isso), que caracterizaram diferentes formas de se definir o exercício físico. Essas zonas são representadas por ‘Escolas’: - a Escola Inglesa (primeira zona) representada por Thomas Arnold (1795-1842), que se ateve mais diretamente aos jogos e atividades atléticas com grande influência no esporte moderno, não tendo como objetivo principal as atividades Ginásticas; - a Escola Alemã (segunda zona) representada por Guts-Muths (1759-1839) e Friedrich-Ludwig Jahn (1778-1852); - A Escola Sueca (terceira zona) representada por Per Henrik Ling (1776-1839); e – Escola Francesa (quarta zona) representada por Francisco Amoros y Ondeano (1770-1848) e Georges Demeny (1850-1917).

além de seu conteúdo ter-se revelado marcadamente medicalizante e, com isso, revelar quais ciências lhe serviam de base. Nesse momento histórico, a legitimação da Educação Física brasileira, no âmbito escolar, dava-se pela sua contribuição à saúde, ou melhor, como função higiênica.

Um comentário importante é que, embora as Escolas européias (métodos ginásticos) mantivessem características diferentes entre as nações, de modo geral, o Movimento Ginástico Europeu possuía finalidades comuns, como regenerar a raça, desenvolver saúde, coragem, força e, principalmente, a moral, intervindo nas tradições e costumes dos povos. Para a ciência positivista da época, que se acreditava como única, o corpo era entendido como objeto submetido ao controle, à manipulação. Em nome da ciência, buscavam fundamentos na Física e na Biologia, tendo, desta forma, contribuído significativamente na análise mecânica do movimento, que permitiu a criação e construção de aparelhos ortopédicos para melhoria de posturas dos indivíduos. De acordo com Soares (1994), a Ginástica é considerada, a partir de então, científica e, mesmo buscando na Ginástica do povo, nos funâmbulos, no circo os movimentos que lhe serviram de base, rejeita o seu núcleo primordial que se localiza no campo dos divertimentos.

O que caracteriza a Ginástica Científica do século XIX é justamente a busca de melhor desempenho e produtividade, podendo-se observar, com clareza, a quem ela serviu e por quais motivos foi aceita pelos cientistas e pelas famílias burguesas. Nas palavras de Ayoub (2003, p. 34), a Ginástica Científica “proclama seu rompimento com a ‘arte de exercitar o corpo’ (como pretendiam os gregos), para casar-se com a ciência de exercitar o corpo, e porque não dizer, com a ciência de adestrar, domesticar, doutrinar o corpo”. Entendemos que ela rompe com a arte de exercitar o corpo porque não se fundamenta nos mesmos preceitos dos pensadores gregos, que “afirmavam estreita ligação entre o corporal e o espiritual” (RAMOS, 1982, p. 35). Isto porque acreditavam que não se podia demonstrar nada que seja exclusivamente corporal.

A Ginástica Científica vincula-se com a saúde, é desprovida de subjetividade, vê o ser humano como um ser biológico e não como ser social. Por ser eminentemente prática,

impede que haja reflexão teórica no interior da escola. Esta foi a Ginástica implantada nas escolas brasileiras e esta foi a herança40 européia que recebemos. As ciências que serviram de base aos métodos Ginásticos do século XIX legitimaram-na por décadas e, ainda hoje, estão presentes na Educação Física brasileira.

1.2 O profissional de Educação Física e o perfil histórico de intervenção