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6 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E CONFORMAÇÃO DE

6.2 UM PROJETO (DES)INTEGRADOR DE IDENTIDADES

No percurso formativo, os educandos do PROEJA no Ifes cursam diversas disciplinas de conhecimentos gerais e da área técnica, destacando algumas que contribuíram de modo especial, porque mediaram os conhecimentos escolares com a dinâmica do mundo do trabalho: Noções de Didática, ofertada no curso de Segurança do Trabalho, e o Projeto Integrador, ofertado para os dois cursos. De acordo com os estudantes, essas disciplinas atribuíram um sentido aos cursos, pois conseguiram aproximar saberes escolares e mundo do trabalho. Uma delas se destaca nos grupos de discussão: o Projeto Integrador.53

Os educandos chegaram a esse tema quando relatavam as diferenças do Ifes e do PROEJA em relação a outras redes em que estudaram, já que essa disciplina apresenta organização diferenciada, focada na construção coletiva da pesquisa. Assim surgiu a fala: “outra coisa que tem diferente é o projeto integrador” e a pronta resposta: “desintegrador”, seguida de risos compartilhados.

De acordo com os estudantes, “a escolha dos temas é complicada”. Dada a dificuldade de chegar a um tema a ser desenvolvido por todos, o primeiro desafio é o consenso. Eles relatam mesmo casos em que as discussões verbais oriundas das discordâncias deram lugar a agressões físicas. Vencida essa etapa inicial de

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O Projeto Integrador se constituiu em um componente curricular diferente dos demais por não apresentar na estrutura um conteúdo prescrito ou a priori. Eles nascem e são desenvolvidos a partir das vivências, experiências e saberes dos educandos e professores motivados pela necessidade de escolher o tema gerador do projeto.

escolha do tema, superando o individualismo pelo espírito coletivo e pelo trabalho em grupo, a turma dedica-se à organização e à apresentação da pesquisa:

Ai começa a gente pensa, vamos fazer assim, vamos fazer um grupinho, [...] vamos fazer uma peça, aí começa ensaiar aí, aí começa todo mundo

(gestos com as mãos indicando separação) porque é uma briga, porque tem

que fazer certo e é muita cabeça e ninguém quer chegar ao consenso, mas no final deu certo, não deu?! (volta-se para o colega ao lado).

Destacam também o processo de estudo voltado à pesquisa, com inúmeras visitas à biblioteca em busca de livros e as várias reescritas do projeto, sempre mediadas pelo professor. O momento seguinte do projeto consiste em apresentá-lo (sob a forma de palestra, teatro, seminário, maquete ou vídeo) para um público que pode ser formado por trabalhadores e/ou estudantes do Ifes e de outras instituições, como escolas e sindicatos. Essa etapa movimenta os educandos e o professor da disciplina para organização, busca de patrocínios, locais de apresentação e divulgação. A fala a seguir demonstra o processo de organização de um desses trabalhos.

O nosso projeto era sobre acessibilidade aqui no Ifes [...]. A gente chegava na porta pra pedir as coisas, ai falavam assim: “pô tem seminário ali que deu 50 pessoas, 100 pessoas, acho que o seminário do PROEJA não vai ser assim, vai chegar no máximo a 25 pessoas”. [...] No dia do seminário mesmo, aí começou a chegar gente, e o Vanderlei ficou doido, tinha uma mesa de fora a fora, botaram as meninas e ele (aponta para o colega ao lado) pra fazer a inscrição do pessoal, fora as pessoas que vieram de Colatina, São Mateus, tudo pra cá, veio um cara da Bahia pra assistir ao seminário aqui com a gente. [...] O Vanderlei falava assim: “Será que vai dar muita gente?” “Professor, espero que sim, né?!” Aí foi chegando 300 pessoas, depois 400. [...] Quem a gente procurou e falou que não ia ajudar, aí foi pra lá, botou o paletó e foi pra lá e o pessoal ficou revoltado.

Mais uma vez os educandos do PROEJA foram desacreditados, como evidenciado na fala. Não apenas os estudantes, mas os cursos do PROEJA são vistos como menores, voltados a gente menos capaz. Contudo, quando o fracasso iminente transformou-se em sucesso inesperado, até as pessoas que antes negaram ajuda (os educandos referem-se a alguns professores) contribuíram. Essa adesão de última hora não passou despercebida pelos estudantes, que questionaram tal atitude.

O Projeto Integrador referencia-se no trabalho como princípio educativo (FRIGOTTO, 2005), pois contribui para a formação omnilteral dos educandos, incentiva a atuação coletiva e o espírito de pesquisa, além de colaborar com o desenvolvimento de outros saberes, como a comunicação, “porque muitas vezes

você vai apresentar pra quem não tem nem a 8ª série direito. A apresentação pra um é de um jeito e pra outro, de outra”. Os educandos sentem-se protagonistas do

processo, afinal fizeram uma pesquisa e a apresentam na escola e em outros lugares, o que contribui sobremaneira para sua autoconfiança e o respeito às diferenças.

Se a gente for parar pra pensar, em todo lugar a gente sempre tem a mente diferente dos outros. Eu estou desempregada desde setembro e o que estou em mente é fazer o meu estágio, mas o pessoal lá de casa tudo quer que eu vá trabalhar: “vai trabalhar, se vira, vai trabalhar, deixa o estágio prá lá”, mas se eu não fizer meu estágio, vou perder meu curso, vou perder meu curso, quero fazer meu estágio, eu quero entrar na área, quero trabalhar, quero botar em prática tudo que aprendi. Então a gente sempre tem a mente diferente dos outros.

Assim, compreendemos, a partir das afirmativas de educandos, que o Projeto Integrador é um elemento (des)integrador porque desloca as construções sociais pré-estabelecidas pelos sujeitos sobre si próprios, internalizadas em suas identidades com a marca de que são incapazes, assim como o Projeto subverte a lógica da competição e do individualismo nos estudos, só acontecendo com a participação e empenho de todos. Afinal, ele não é trabalho do professor e nem para ele, mas produção coletiva dos educandos. O modelo conservador de educação com o professor no centro do processo, detentor do conhecimento, é desestruturado no Projeto.

Esqueci do Vanderlei também, defende muito a causa do PROEJA, aconselhava a gente, às vezes a gente chegava sem vontade nenhuma de pegar no Projeto. Nossa! Ele dava uma injeção de ânimo que a gente começava a pesquisar, buscar nosso conhecimento.

Paulo Freire (2011), ao afirmar que “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (p. 95), nos desperta para o fato de que o fazer pedagógico deve ser radical – no sentido de ser criador, crítico, libertador e revolucionário – e forjado com os oprimidos e não para eles.

O Projeto Integrador tem uma perspectiva freireana em sua práxis, pois relaciona os educandos com o mundo que os cerca. Por meio do exercício da pesquisa os sujeitos ressignificam seu modo de estar no mundo, de se relacionar com os outros e consigo. O homem e a mulher como seres sociais necessitam de comunicação com seus pares para fazerem-se humanos. Não se fazem sozinhos, mas com os outros mediados pelo mundo. Desse modo, os sujeitos do PROEJA fazem-se homens e mulheres, assumem-se como problema, reconstroem identidades e representações sobre si próprios. A “desintegração” no sentido atribuído ao Projeto Integrador é diversa daquela reproduzida pela escola que segrega e institui desigualdades.

As representações sociais de educandos do PROEJA sobre o Projeto Integrador contribuem para a (des)construção de si mesmos, de sua relação com a escola, com as formas cristalizadas do que é ser educando. Nesse sentido, colaboram com a afirmação de uma identidade não conformista e crítica.

6.3 AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E OS DESAFIOS DE (DES)CONSTRUÇÃO