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Um retrato acadêmico

No documento Download/Open (páginas 104-109)

A revisão feita por Diniz (2002) aponta os anos 90 como um marco importante para o empresariado brasileiro, assim como o período dos anos 30 aos anos 70 é referência em termos da estratégia de industrialização brasileira. O modelo de industrialização iniciado por Getúlio Vargas se estendeu por 50 anos, e durante esse período a produção industrial

brasileira chegou a crescer a uma taxa média de 9% ao ano, porém o autoritarismo que caracterizou a política durante a maior parte desse período fez pouco em termos do avanço na prática social e institucional de apoio ao empreendedorismo.

Os anos 80, conhecidos como a década perdida, viram as taxas de crescimento econômico caírem para em torno de 1%, e marcam o abandono das políticas de desenvolvimento, na tentativa de se administrar uma economia em crise, sob impacto de altos índices de inflação e de endividamento externo devido ao aumento dos juros, ocasionados pela crise internacional.

A preocupação com a industrialização e o planejamento econômico foi substituída por políticas de estabilização econômica e de controles das contas públicas, com a crise macroeconômica assumindo o primeiro plano. O setor industrial voltou-se para o aumento da competitividade. O setor político, para a instauração da democracia e a ruptura com o legado do regime autoritário.

O compromisso com a meta de conciliar crescimento econômico com o combate à pobreza e à desigualdade social tornou-se, segundo Diniz, hegemônico entre as forças políticas que comandaram a transição democrática, que passaram a incorporar no discurso o “resgate da dívida social”, legado pelo período de crescimento econômico. O slogan político do governo Sarney que proclamava: Tudo pelo social; marcou o período.

Não havia consenso acerca das diretrizes que deveriam nortear o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, e com relação ao esgotamento do antigo modelo de desenvolvimento – com sua “matriz estadocêntrica” (cf. Diniz, 2002) – quer em seus aspectos econômicos, quer em seus suportes institucionais, ainda se acreditando nas suas virtudes, caso fossem conseguidas algumas reformas.

A meta do desmonte desse legado só se tornaria prioritária e assumiria o primeiro plano da agenda pública com a ascensão do presidente Fernando Collor, no limiar dos anos 90.

Com o mote político da “guerra aos marajás” e da redenção dos “descamisados”, o então candidato, segundo Diniz, estigmatizaria o capitalismo autárquico brasileiro. Essa visão seria resumida no adjetivo dado aos carros produzidos pelas montadoras brasileiras, carros- chefe do modelo de desenvolvimento anterior – carroças. Esse discurso teve plena aderência ao sentimento da população que o elegeu em primeiro turno. A guerra com o funcionalismo

movimentos oposicionistas ao seu programa de modernização que acabaram ganhando massa crítica com os indícios de corrupção em seu governo e levando ao seu impeachment.

Os anos 90, no entanto, tornaram-se, no mundo todo, símbolo de radicalização do corte com o passado, definitivamente “premente” pelo surgimento de uma nova economia. No Brasil, o plano de estabilização da moeda, iniciado na presidência de Itamar Franco começou a surtir efeitos positivos, enquanto, no discurso mundial a quebra dos paradigmas da era industrial, com o advento da era do conhecimento, passou a ocupar o primeiro plano. No Brasil, a articulação de uma nova coalização política levou à posse de Fernando Henrique Cardoso, como presidente. A sua agenda de governo dava ênfase, não só, às reformas econômicas – privatização das estatais, a liberalização comercial e a abertura do mercado brasileiro –, como ao processo de reformas constitucionais. De acordo com Diniz, teve início então uma fase de desconstrução legal e institucional, que ficaria conhecida como o “desmonte da Era Vargas”. O final da década é marcado pela intensificação da busca de alternativas ao modelo anterior de desenvolvimento e de novas estratégias.

Nas palavras de Diniz, “as possibilidades de inovação passam pela política e requerem uma ação política.” e, “ao se posicionarem sobre tais questões, as lideranças empresariais contribuíram para definir os contornos desse debate.” (cf. Diniz, 2002, p.4)

A conjugação de fatores externos e internos – globalização, nova ordem mundial, novas diretrizes neoliberais - fizeram com que o segmento industrial passasse, de acordo com Diniz, por um profundo processo de desarticulação e reestruturação, imprimindo um novo rumo à economia brasileira. Setores inteiros – têxtil, calçados, bens de capital, eletrodomésticos, autopeças, produtos de higiene e limpeza, entre outros - foram desativados ou desnacionalizados. Inúmeras falências, fusões e aquisições provocaram o desaparecimento de empresas tradicionais e a sobrevivência de outras associadas, na qualidade de sócio menor, a grandes corporações multinacionais. Isso tudo acabou por repercutir no padrão de representação de interesses da classe empresarial.

Diniz salienta que o caráter multidimensional do processo de globalização abrangeria muito mais do que aspectos simplesmente econômicos. Se por um lado, a globalização e a pressão das agências multinacionais exerciam forte influência, por outro, “não o faz[iam] de modo mecânico e determinista. Segundo ela, as opções das elites dirigentes nacionais, suas coalizões de apoio político não só tiveram e têm um papel importante na escolha das formas de inserção no sistema internacional e na definição de políticas a serem implementadas.[como] o pressuposto do automatismo cego do mercado globalizado

conduz[iram] a estratégias de acomodação e mesmo à paralisia.[...] anulando-se a ação política como contrapartida da supervalorização dos mecanismos econômicos e esvazia[ndo] – se a responsabilidade dos governantes pelos erros e descaminhos das políticas executadas.” (Ibid, 2002, p.5)56

Essas decisões (cf. DINIZ, 2002) teriam sido tomadas levando em conta condicionantes internos, tais como: fatores estruturais que, segundo ela, corresponderiam a

tendências de longo prazo, responsáveis por um processo espontâneo de mudança e ação

deliberada do Estado, convergindo ambos para a definição de novas estratégias empresariais e novos padrões de comportamento.

Após esse período de profundas mudanças, a falta de experiência e traquejo de nossos políticos e empresários dentro de padrões democráticos ainda se evidencia quando vemos, como ressalta Diniz, que em termos institucionais:

− a classe empresarial brasileira ainda demonstra fragilidade como ator coletivo devido à ausência de uma instância superior dotada de alta capacidade de aglutinação, capaz de articular interesses transpondo as clivagens setoriais. − a relação entre os setores público e privado é marcada – desde sempre – pela

institucionalização do estilo tecnocrático de gestão paralelamente à prevalência de formas não institucionais de acesso aos núcleos decisórios centrais. Nos anos 90, no entanto, houve um aumento do poder despótico do Estado, devido a convergência de três mecanismos: concentração do poder decisório na alta tecnocracia governamental, o uso exacerbado de Medidas Provisórias (permitidas pela constituição de 1988), controle de informações relevantes que circulavam nas instâncias internacionais. A essa concentração de poder e à maior discricionariedade da burocracia estatal correspondem o aprofundamento da tendência historicamente consolidada à utilização de vínculos informais e do contato pessoal como forma de acesso às instâncias governamentais e à falta de

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Essa visão é corroborada pelo senador Cristovam Buarque (BUARQUE, 1991) ao afirmar que “a falta de lucidez para um projeto alternativo fez com que a elite político-econômica (grifo meu), sem querer romper com seus interesses, busca[sse] no mercado o fio condutor que impediria mudanças sociais e conduziria aos mesmos resultados para os quais o Estado já não era capaz. O liberalismo, que tinha sido abandonado para viabilizar a modernização - entendida como industrialização, entre os anos 30 e 80, transform[ou]-se em símbolo de modernidade nos anos 90 e a liberação do comércio como forma de aumentar a eficiência é vista como sinônimo de modernização. O fato de o Estado já não conseguir convencer nem legitimar a definição dos objetivos, fez com que a figura do mercado passasse a ser o elemento definidor e legitimador para que a situação sócio-

transparência das decisões das elites burocráticas sobre: legislação antidumping, da definição de subsídios, direitos compensatórios e salvaguardas, entre outras. − a relação entre os poderes executivo e legislativo é marcada pelo clientelismo,

onde o loteamento dos principais cargos da administração pública, torna-se fundamental para garantir o intercâmbio político, ao mesmo tempo, que contribui para a deterioração da capacidade de implementação das políticas governamentais. A criação das chamadas ilhas de excelência, como forma de contornar a paralisia provocada pelo adiamento das reformas necessárias, favorecem o fortalecimento do insulamento burocrático e reproduzem um círculo vicioso de efeitos perversos.

E, por último, mas talvez o mais importante, os mecanismos de accountability, ou prestação de contas, ainda são bastante insuficientes.

Para Diniz a estratégia de criar uma “burguesia” nacional forte57 – adotada no período compreendido entre 1930 e o final da década de 70 – fez com que fosse conferido às empresas nacionais um espaço bem demarcado entre os demais agentes dinâmicos da economia na qualidade de integrante da coalizão desenvolvimentista, mas deixou como legado hábitos e convenções que caracterizam o comportamento empresarial brasileiro até os dias de hoje. Nosso empresariado, na visão de Diniz, demonstraria baixa capacidade de ação conjunta, falta de organização de cúpula de caráter multisetorial, incapacidade histórica no sentido de formular plataformas de teor abrangente incorporando demandas de outros setores – sobretudo da classe trabalhadora, baixa tradição de acordos interclasse, e, finalmente, dependência do papel do Estado como formulador/executor das políticas econômicas e como indutor do padrão de ação coletiva da classe empresarial. (Diniz, 2002, p.16)

Após os anos 90, no entanto, o empresariado (das grandes e médias empresas) perdeu esse papel de protagonista, destituído que foi da parceria que lhe fora concedida e do papel que lhe fora concedido pelas estratégias desenvolvimentistas no modelo anterior.

As mudanças ocorridas nos anos 90 representaram, portanto, um ponto de inflexão na trajetória da sociedade brasileira e da classe empresarial brasileira. Entretanto, como assinala Diniz:

[...] se estas mudanças tiveram eficácia no desmonte dos alicerces da antiga ordem, tornando anacrônica qualquer perspectiva de retorno à situação anterior, bem como à utilização de antigos paradigmas, por outro lado, não foram eficientes para sustentar uma nova estratégia de desenvolvimento. [e afirma] Quaisquer que sejam as repostas a tais perguntas, as possibilidades de inovação passam pela política. (Ibid, 2002, p. 16)

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