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2 A LEI 10.639/003: uma luz no fim do túnel

2.3 Material Didático

2.3.1 Uma análise comparada: qual o modelo ideal?

Após anos de luta por experiências que valorizem a identidade afro-brasileira e com avanços, como a Lei 10.639/2003, já é possível encontrar ações que falem de outra forma dessa história. Não basta ter o espaço de direito, é preciso, sobretudo, saber utilizá-lo, e, infelizmente, ainda nota-se uma frequente tentativa de desmotivação da influência dos povos africanos para o Brasil. Também é muito comum encontrar referências superficiais sobre a chegada dos negros no país, como aquelas que reduzem a história da população afro-brasileira à marginalidade sofrida desde a colonização.

Entre os profissionais da educação escolar, ainda são frequentes as reclamações acerca da ausência de material didático suficiente para a execução eficaz da lei. Nesse sentido, elencamos experiências que deram certo no que tange a abordagem diferenciada em torno da aplicação da Lei em sala de aula.

2.3.1.1 Ilê Aiyê

Um exemplo é o bloco afro mais antigo da Bahia carrega consigo uma historicidade que vai além do lado carnavalesco. A referência política, cultural, educacional e estética do Bloco Afro Ilê Aiyê, que em 2014 completou 40 anos, é inerente ao processo de formação dos jovens que ingressam à instituição tanto como estudantes como percussionistas. A didática utilizada, muito baseada naquela do Movimento Negro em geral, conseguiu tornar-se conhecida dogrande público, o que é notório nos trabalhos desenvolvidos junto aos jovens do bairro do Curuzu em Salvador-Bahia.

O método criativo de desenvolver e estimular os jovens a valorizar a sua cor e identidade negra, é incentivado pelo reconhecimento e motivação dos idealizadores do projeto que desenvolvem inúmeras formas de colocar os jovens em uma discussão que vai além da arte. No ano de 1992, o bloco criou uma banda voltada para crianças e jovens do bairro da

36 Liberdade, chamada Banda Erê. A intenção era envolver esses meninos e meninas com aulas de percussão inserindo-os na cultura negra.

Desde a sua primeira aparição, no carnaval de 1975, o Ilê vem trabalhando e difundindo um pensamento de ação política na arte e cultura. O ideal de poder negro a partir da autovalorização e da criaçãode subsídios de combate à exclusão social, coloca os jovens numa posição de conhecimento e multiplicação. Eles ingressam na Banda e ganham a oportunidade de passar por vários ciclos artísticos, sempre colocando em evidencia a sua identidade.

A relação com o sagrado é outra característica inerente ao Bloco. A escolha das músicas, bem como os temas de cada ano, segue uma lógica que corresponde também à questão religiosa, sob influência da Yalorixá Hilda Jitolu, principal referência e idealizadora dos projetos educacionais do Ilê Aiyê. Contudo, a principal assimilação do bloco são os valores, princípios, o toque, as cores, a indumentária e, sobretudo, o respeito ao sagrado, experiências que poderia servir de espelho para o desenvolvimento de ações na Escola Municipal Ana Judite de Araújo Melo.

2.3.1.2 Outras Áfricas

Destaco também oProjeto “Outras Áfricas”, de 2006, foi iniciado em resposta a uma demanda das escolas de Salvador que encontravam entraves para a execução da Lei 10.639 de 2003. A ideia era montar um espetáculo para esse fim, e também reunir professores e alunos na pesquisa sobre uma história tão pouco contada, e engajá-los em um discurso para a construção de textos e cenas, criando novas formas de pensar a África através das artes cênicas.

O projeto aconteceu em três etapas. Primeiro envolveu sete instituições culturais e educativas realizando um seminário sobre a História da África e o seu ensino nas escolas para 160 professores; apresentações seguidas de debate, do espetáculo Áfricas para 1.700 alunos e professores; realização de oficinas do Bando de Teatro Olodum em escolas da cidade, finalizando com uma grande mostra cênica no Teatro Vila Velha. Logo após, o espetáculo

Áfricas percorreu cidades do interior da Bahia, apresentado para mais de 2300 pessoas e

realizando 10 oficinas de teatro, dança, música, memória e identidade. Por fim, houve a transposição do espetáculo Áfricas para a linguagem audiovisual, para distribuição em escolas públicas do interior do Estado, e na capital como material didático.

37 2.3.1.3 Atividade Curricular em Comunidade (ACC) Memória Social: audiovisual e identidades

A atividade intitulada Memória Social: audiovisual e identidades, com coordenação do Professor José Roberto Severino da Faculdade de Comunicação da UFBA, é uma das formas mais próximas da academia de estudo de identidade e memória em territórios quilombolas do Estado da Bahia. Trata-se de uma forma etnográfica de desvendar histórias e relatos quilombolas por pessoas que vivem nessas localidades e ainda são persistentes naquilo que acreditam enquanto cultura e modo ideal de vida. A atividade, que se iniciou em 2010 na Comunidade de Acupe localizada no município de Santo Amaro- Bahia vem realizando oficinas de formação em Comunicação, Fotografia e Cinema com jovens estudantes da comunidade, além da produção de vídeos sobre o lugar, realizado com estudantes de comunicação.

O que chama atenção para a importância da atividade é por ela se destacar enquanto iniciativa única de trabalho com Comunidades Negras Rurais da Bahia dentro da Faculdade de Comunicação. Com isso, a ação vem criando laços de trabalho em conjunto com outras instituições vinculadas às Políticas de Ação Afirmativa, considerando o interesse entre os alunos em falar do tema.

O ACC Memória e Audiovisual tem subsidiado uma pesquisa mais abrangente sobre a identidade quilombola por meio das expressões culturais de cada comunidade. Com isso, pode-se não ouvir falar sobre ser Quilombola, mas nota-se um sentimento de pertença quando da auto declaração dos moradores de Acupe, assim comoos integrantes de samba de roda e de samba chula, principal iniciativa cultural da comunidade.

O estudo sobre a Lei 10.639 é primordial para o norteamento da produção audiovisual, já que as atividades ocorrem principalmente na Escola Estadual Castro Alves, principal escola da comunidade. Com isso, o debate com os jovens perpassa sobre o seu auto reconhecimento de identidade quilombola, a história da formação da comunidade e uma análise das manifestações culturais locais, nem sempre isentas de tensões, vide a crescente evangelização que vem ocorrendo na região.

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