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Uma breve análise sobre a categoria trabalho a partir das experiências

4. A Organização do Trabalho Pedagógico do Professor em três escolas do Programa

4.5 Uma breve análise sobre a categoria trabalho a partir das experiências

Por tudo que foi possível identificar na pesquisa “trabalho” foi uma categoria que emergiu durante as análises do nosso objeto de estudo. Ao estudarmos a trajetória de luta dos movimentos sociais a respeito do direito à posse da terra e a permanecer nela com dignidade, identificamos o que movia o movimento: era a questão do trabalho, ou seja, a essência desta luta estava no direito de sobreviver naquele espaço através do trabalho. O trabalho na terra, no extrativismo, nas águas, quando se trata de populações ribeirinhas, é a essência do trabalhador rural, é através dele que se produz cultura, são recriados espaços relacionados uns com outros sujeitos e formam uma comunidade com cultura própria e demandas específicas. Por este motivo, não poderíamos começar nossas análises sem fazer uma leitura sobre qual a função do trabalho no sistema capitalista, e o que seria o trabalho na concepção marxista. E como consequência fazer uma abordagem do trabalho na escola capitalista, através da separação entre teoria e prática, trabalho manual e intelectual.

O trabalho é uma ação exclusiva do ser humano. Ele é o único ser capaz de refletir, produzir os meios e executar uma ação:

Pode-se referir a consciência, a religião e tudo o que se quiser como distinção entre os homens e os animais; porém, esta distinção só começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida, passo em frente que é conseqüência da sua organização corporal. Ao produzirem os seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material (MARX; ENGELS, 1996, p. 3)

Como produção material, o trabalho se constitui como condição de sobrevivência para o homem. O resultado deste trabalho é chamado por Cortella (2006) de cultura. Ele afirma que sendo a cultura o resultado da ação consciente do homem na natureza, é inadmissível conceber qualquer ser humano como desprovido de cultura. No seu entender qualquer afirmação contrária é fruto de pessoas que defendem a cultura como trabalho intelectual mais refinado, descartando as diferentes formas de relação do homem com o meio.

No entanto o sistema capitalista reconfigurou a ação humana e a transformou para beneficio próprio, dividindo o trabalho em intelectual e manual. Segundo Marx o grau de desenvolvimento de uma nação é facilmente reconhecido pela divisão do trabalho nas suas forças produtivas. Com o tempo o trabalho foi apropriado pelo capitalismo como forma de acumular riqueza e alienar o trabalhador sobre o domínio dos meios de produção, através da separação entre trabalho intelectual e manual. O trabalho, que antes era uma atividade que dava sentido à vida do homem, com a industrialização, passou a ser trabalho assalariado, visto de forma negativa, com o sentido apenas financeiro de sobrevivência. De acordo com Manacorda (2000): “Nesta fase, „o trabalho perdeu... toda aparência de manifestação pessoal‟ e apenas apropriando-se de uma totalidade de instrumentos de produção, ou das forças produtivas se pode alcançar a manifestação pessoal”. (MANACORDA, 2000, p. 49)

Nestas condições o trabalho passa a ser alienado do trabalhador porque ele não domina mais os meios da sua produção: “[...] tanto mais pobre se torna quanto mais produz riqueza” (MANACORDA, 2000, p. 69). Na nossa sociedade, em que a divisão do trabalho é tão intensa e a alienação do trabalho é condição para o progresso do capitalismo, a divisão entre trabalho intelectual e manual é uma consequência desta divisão:

A apropriação do conhecimento (por exemplo, a acumulação de tecnologia) constitui-se em momento importante para a continuidade da valorização e da acumulação do capital, que condena grandes massas de operários a uma instrução limitada e a trabalhos mecânicos (FREITAS, 1995, p. 98)

A mesma limitação é transferida para a concepção de conhecimento. Segundo Freitas (1995) o nosso momento histórico separa o sujeito que conhece do objeto a conhecer, ou seja, separa a teoria da prática. Teoria e prática na perspectiva marxista é a

separação entre o mundo do trabalho (prática) e a escola (teoria), e o autor afirma que a história da nossa escola cresceu separada do mundo do trabalho.

As razões para fazer esta afirmação decorrem da influência da nossa organização social. Ora, se para o progresso do capitalismo o trabalhador deve ser alienado dos meios de produção, não há e nunca houve a intenção de se construir uma escola capaz de possibilitar uma formação integral. Freitas (1995) afirma ainda que o grande entrave para a inovação de processos pedagógicos na escola é a nossa organização social. Muito embora ele afirme também que aquela não está totalmente determinada pela organização social, mas também não está totalmente livre: “Entender os limites existentes para a organização do trabalho pedagógico ajuda-nos a lutar contra eles; desconsiderá-los conduz à ingenuidade e ao romantismo” (FREITAS, 1995, p. 99).

Esta discussão visa à constatação de que a organização do trabalho pedagógico da escola é desvinculado da prática e isto se dá, em parte, pela nossa organização social. Neste sentido, continua Freitas (1995), na atual organização da escola, o trabalho aparece desvinculado da prática social mais ampla. Observamos isto no nosso estudo através da observação nas escolas, onde há uma total desvinculação do trabalho no dia a dia das atividades da metodologia. A atividade proposta (pelo Programa) que mais se aproxima, no sentido de introduzir o trabalho na escola, é a ação do colegiado estudantil. Este se configura numa oportunidade de promover a cooperação, a independência, a auto-organização, a participação no gerenciamento da escola. No entanto em nenhuma escola este instrumento funcionava na integralidade, até mesmo porque não há esta cultura no conjunto do sistema educacional das redes estadual e municipal. E se atentarmos para a função da educação no contexto neoliberal, as habilidades cognitivas, como estas acima, fazem parte do novo perfil do trabalhador. Os programas, os currículos devem se voltar para a formação que proporciona uma maior adaptação dos sujeitos aos ventos do mercado, inclusive para permanecerem num exército de reserva para vender, quando solicitados, sua força de trabalho )com menor custo para o empregador):

A organização do trabalho pedagógico da escola e da sala de aula é desvinculada da prática. Porque desvinculada do trabalho material. Portanto, neste contexto, só pode criar uma prática artificial, que não é trabalho vivo (FREITAS, 1995, p. 99)

Trabalho vivo é trabalho material que dá sentido à prática educativa. É a relação direta entre teoria e prática ao desenvolver uma ação. Esta aliança promove a interdisciplinaridade. De acordo com Freitas (1995) o fim da atividade pedagógica deve ser a produção de conhecimento, por meio do valor social do trabalho.

O trabalho “vivo” está de fora das nossas escolas rurais. O aprender a teoria junto com a prática foi substituída pelo verbalismo das aulas nas escolas. Isso acontece porque, segundo Freitas (1995), o professor deve ser amplificador dos interesses das classes dominantes e como temos um único modelo de escola para as duas classes, que se relacionam com o trabalho de forma diferente, já que as classes dominantes se preparam para o trabalho intelectual e as classes populares para o serviço manual, acabam por reproduzir a divisão do trabalho dentro da instituição, ou seja, a separação entre trabalho intelectual e manual.

Da mesma forma o Programa reforça determinada lógica na prática docente, quando cabe ao professor dominar metodologia e procedimentos de objetos de trabalhos não pensados por ele. O seu trabalho se torna subsumido de diferentes formas, principalmente pelo não reconhecimento de que todo professor produz conhecimento e não apenas é um mero repassador de procedimentos metodológicos.