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Os contextos amazônico e comunicacional

2.2.2 Uma experiência comunicativa híbrida

A discussão que estes autores nos proporcionam sobre a tradição e a modernidade, mais do que pensá-la de maneira dualista e antagônica, nos indica a complementaridade e entrelaçamento entre essas duas experiências. Quando pensamos essa relação no âmbito da festividade, ela nos remete à uma experiência comunicativa que poderíamos chamar de híbrida, de acordo com a proposição de García-Canclini (2008). Isso porque, na festividade, tanto o que é tradição, enquanto experiência de mundo e transmissão de saberes, como o que é moderno, no sentido de presença dos meios e a transformações que isso traz no contexto da festa, se configuram de forma articulada e não conflitante.

García-Canclini foca seus esforços de compreensão, em fins dos anos 1980, para além das “estruturas e práticas discretas” que vimos no primeiro capítulo, no que ele conceitua como culturas híbridas, nos processos de hibridação, que ocorrem na

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contemporaneidade entre o popular e o massivo, o urbano e o rural, o tradicional e o moderno, na medida em que: “Os processos constitutivos da modernidade são encarados como cadeias de oposições confrontadas de um modo maniqueísta: Moderno = culto = hegemônico/Tradicional = popular = subalterno” (GARCIA-CANCLINI, 2008, p. 205-206).

[...] resisti a considerar a pós-modernidade como uma etapa que substituiria a época moderna. Preferi concebê-la como um modo de problematizar as articulações que a modernidade estabeleceu com as tradições que tentou excluir ou superar (GARCIA-CANCLINI, 2008, p. XXX).

O autor considera que a hibridação é um processo que se dá ao longo da história desde a Antiguidade, no entanto seria na década final do século XX que as análises mais ocorreram.

[...] a hibridação não é sinônimo de fusão sem contradições, mas, sim, que pode ajudar a dar conta de formas particulares de conflitos gerados na interculturalidade recente em meio à decadência de projetos nacionais de modernização na América Latina (GARCÍA-CANCLINI, 2008, p. XVIII). Assim, García-Canclini amplia a ideia de hibridez, por ele considerada estática e limitada à função de “descrever misturas interculturais”, para aplicar o termo “processos de hibridação”, evidenciando o seu “poder explicativo”, que teria como vantagem a possibilidade de “estudar os processos de hibridação situando-os em relações estruturais de causalidade”.

Se falamos da hibridação como um processo ao qual é possível ter acesso e que se pode abandonar, do qual podemos ser excluídos ou ao qual nos podem subordinar, entenderemos as posições dos sujeitos a respeito das relações interculturais. Assim se trabalhariam os processos de hibridação em relação à desigualdade entre as culturas, com as possibilidades de apropriar-se de várias simultaneamente em classes e grupos diferentes e, por tanto, a respeito das assimetrias do poder e o do prestígio (GARCÍA- CANCLINI, 2008, p. 25-26).

A partir desta compreensão seria possível observar, segundo García-Canclini (2008, p. 24), como “dentro da crise da modernidade ocidental – da qual a América Latina é parte – são transformadas as relações entre tradição, modernismo cultural e modernização socioeconômica”. Assim, o autor concebe o contexto da chamada pós- modernidade, quando encarada

[...] não como uma etapa ou tendência que substituiria o mundo moderno, mas como uma maneira de problematizar os vínculos equívocos que ela armou com as tradições que quis excluir ou superar para constituir-se. A relativização pós-moderna de todo fundamentalismo ou evolucionismo facilita revisar a separação entre o culto, o popular e o massivo, sobre a qual ainda simula assentar-se a modernidade, elaborar um

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pensamento mais aberto para abarcar as interações e integrações entre os níveis, gêneros e formas da sensibilidade coletiva (GARCÍA-CANCLINI, 2008, p. 28).

García-Canclini distingue os processos de hibridação da mestiçagem, noção utilizada para designar os cruzamentos entre raças, do sincretismo, mais voltado para intercâmbios entre as religiões, e da crioulização, que designa as variações de língua e cultura surgidas no contexto da escravidão, por acreditar que estas formas não conseguem mais explicar a hibridações que ocorrem na (pós-) modernidade latino- americana. “A palavra hibridação aparece mais dúctil para nomear não só as combinações de elementos étnicos ou religiosos, mas também a de produtos das tecnologias avançadas e processos sociais modernos e pós-modernos” (GARCIA- CANCLINI, 2008, p. XXIX).

Tais processos de hibridação se dão, principalmente, no ambiente pós-moderno, no qual nem a modernidade se consolidou nos países latino-americanos, nem as tradições deixaram de existir com sua inacabada chegada. Assim, “[...] na América Latina, onde as tradições ainda não se foram, e a modernidade não terminou de chegar, não estamos convictos de que modernizar-nos deva ser o principal objetivo, como apregoam políticos, economistas e publicidade de novas tecnologias” (GARCIA- CANCLINI, 2008, p. 17).

Dessa forma, García-Canclini (2008) entende a pós-modernidade latino- americana:

[...] não como uma etapa ou tendência que substituiria o mundo moderno, mas como uma maneira de problematizar os vínculos equívocos que ele armou com as tradições que quis excluir ou superar para constituir-se. A relativização pós-moderna de todo o fundamentalismo ou evolucionismo facilita a separação entre o culto, o popular e o massivo, sobre a qual ainda simula assentar-se a modernidade, elaborar um pensamento mais aberto para abarcar as interações e integrações entre os níveis, gêneros e formas de sensibilidade coletiva (GARCIA-CANCLINI, 2008, p. 28).

Na Festividade de Carimbó de São Benedito, esses “vínculos” entre o tradicional e o moderno se dão em diversos momentos e aspectos, principalmente no que se refere ao uso que alguns integrantes fazem de tecnologias da comunicação. Como destacamos anteriormente, a própria Irmandade mantém uma página virtual em que são disponibilizados textos, fotos e vídeos sobre as movimentações em torno da Campanha pelo registro do carimbó.

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Há ainda, como destacamos no primeiro capítulo, a presença de uma aparelhagem sonora, chamada JC, que é uma das manifestações festivas e musicais massivas características do cenário urbano belenense25, com expressiva presença em boa parte do interior do estado do Pará. Na verdade, ela é usada apenas para redimensionar o som do grupo de carimbó que toca no palco, como vemos na figura 25 assumindo um papel quase secundário na festa, se comparamos seu destaque nas chamadas “festas de aparelhagem”, nas quais essas aparelhagens são o centro da festa.

Figura 25: A aparelhagem tem papel secundário no contexto da festividade

Foto: Gleidson Gomes (2012)

Outro momento no qual percebemos esses vínculos diz respeito a participação dos jovens durante a festividade, bem como a sua presença ligada às tecnologias digitais no contexto da festividade, principalmente o celular. Na verdade, o celular permeia parte das relações cotidianas da comunidade. Desde as ligações no dia a dia para saber de alguém, ou perguntar a um vizinho se tinha algo para emprestar, perguntar ao dono de uma mercearia se lá tinha um produto que se queria comprar. Ou mesmo em situações mais diretamente relacionadas à festividade como descreve a fala desse festeiro de 2012.

25“As aparelhagens são o elo fundamental entre lazer e empreendimento nas festas de brega. A definição mais

simples que se pode apresentar para a aparelhagem é a que considera a sua função: um equipamento de som autônomo que faz a sonorização de diversas festas, principalmente nas várias casas de brega de Belém. Fisicamente, a aparelhagem é composta por uma unidade de controle e dois ou três conjuntos de caixas com alto-falantes, formando torres de três metros normalmente” (COSTA, 2009, p. 79).

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Na verdade é assim, na época do Carimbó, todos já estão convidados. A cidade toda está convidada. Não tem aquela: “-A festa é de fulano, nós não vamos.” Que é de A ou B, de fulano ou sicrano. Não tem. Na verdade, todos estão convidados para festa, chegar, pode ir lá que você é bem recebido. Só que nós fazemos isso, vamos lá nas casas, fazemos os convites. Para as famílias levarem as crianças cedo. Leva o convite bocalmente, depois os mais próximos vão fazendo o convite. Levar nas casas e tal para incentivar melhor, tudo isso faz parte do marketing. Via mensagem SMS pedindo para convidar o amigo. Todo ano convida a gente via celular. Todo ano eles mandam: “- Hoje é nossa festa, não sei o quê.” Todo ano eu os convido via celular (ENTREVISTADO 16, dezembro de 2012)

Como percebemos nesta fala, a utilização do celular, neste caso, reconfigura um tipo de laço que antes se estabelecia entre os festeiros e os demais participantes. Por considerar que eram muitas pessoas para convidar indo de casa em casa, como a maioria dos festeiros fazia, resolveu convidar algumas famílias e amigos enviando mensagens por celular. Segundo ele, essa forma de convite via celular já ocorre há algum tempo.

Na figura 26 podemos observar o uso do celular como forma de registro de um momento da festa.

Figura 26: O celular como forma de registro dos momentos da festividade.

Foto: Gleidson Gomes, 2011.

Além da presença constante dos celulares e seus usos, o Facebook também é usado como forma de registro e compartilhamento das imagens feitas pelos participantes durante a festa. Na página pessoal de uma festeira do ano de 2012, no dia de sua festa ela disponibilizou imagens de alguns momentos da festa, como a ladainha e a festa no barracão.

102 Figura 27: A tradição da festa compartilhada no Facebook.

Nesta figura 27, consta um convite feito pela festeira para distribuir às pessoas e famílias do município de Santarém Novo, chamando-os para sua festa. O convite foi impresso e distribuído de casa em casa em casa. Mas também foi postado na página pessoal da festeira no Facebook, com o seguinte texto: “Dia 21, sexta, vai começar o nosso zimba! Eu serei a anfitriã do dia 30. TODOS estão convidados!! Aos dançarinos, não esquecer: paletó e gravatas para os homens e saia rodada e camisa com mangas para as mulheres”. A tradição da festa integrada ao moderno das tecnologias, bem como reforçando os laços afetivos da comunidade, como na figura 28.

103 Figura 28: Os laços afetivos e comunitários são reforçados no Facebook.

O que se destaca na fotografia é, ainda, o sentido do encontro com os amigos, o estar junto, o compartilhamento do momento vivido na festividade.