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PARTE II – DE LUGARES: O ATOR NA COMPOSIÇÃO DE ESPAÇOS

CAPÍTULO 3 OS ESPAÇOS QUE NOS DANÇAM: A EXPERIÊNCIA SANJOANENSE

3. Uma geometria para agir o não visto

[…] estava no canto da sala, lá batia sol e me emocionei percebendo que dançava com e para ele, e quando ensaiava em casa assistia o [sic] nascer da lua, por isso em minha partitura individual ofereço flores para eles. Esse modo de dançar com os elementos e com o espaço adquiri também com o contato-improvisação. A dança é sincera, espontânea e nos integra com o todo, achei um privilégio poder, na apresentação, estar ali, dançando com o jardim.

(Janaína Trindade, Relatório de processo)

Ouvimos, cantamos e falamos com todo o nosso corpo, com todo o nosso ser. Assim como pensamos, imaginamos e percebemos. Como fazê-lo em relação ao espaço? Um ponto de partida para nos acercarmos disso no NAPI foi abrir a escuta para o silêncio, começar a enxergar seu vazio, suas possibilidades e aprender a estabelecer e expressar as conexões que ocorrem.

Com o intuito de criar um ambiente de concentração com tempo de dedicação maior à série de objetivos que permeavam o trabalho do núcleo, como as percepções de um fluxo entre treino e cena, defini um roteiro de atividades que foram repetidas a cada encontro e cujos princípios seriam empregados, por analogia, do começo ao final do dia, incluindo o momento de preparação do ambiente de trabalho. A começar pelo reconhecimento dos múltiplos espaços habitados pelo grupo e por uma ideia de ritmo presente em nossa respiração, que transita pelo balanço constante entre dentro e fora; abrir e fechar; expandir, transformar e recolher; começar, suspender e finalizar; ir do espaço individual ao coletivo e de volta ao individual.

Assim, foram adotados alguns padrões: o esclarecimento das regras do e no espaço, com suas tensões e forma, iniciando com a limpeza e organização da sala de trabalho e com a escolha de permanecermos num mesmo local durante todo o processo. Os objetos pessoais foram guardados num espaço contíguo ao nosso; foi reservado um lugar para a plateia e delimitada a frente da sala. Com um pano umidecido, as maneiras de limpar o espaço pressupunham maneiras diferentes de se relacionar com ele e com a

velocidade dos deslocamentos. Partindo dos fundos para a porta de entrada da sala, podia-se estar em pé sobre o pano, a passos curtos; ou em quatro apoios, com as mãos sobre o pano e os quadris levantados – o que possibilitava uma leve “corrida” -, ou ainda com os quadris baixos, demandando um tempo maior de deslocamento.

Fig. 45 – Roda de Trabalho NAPI: Janaína Trindade, Sabrina Mendes, Luciana Oliver, Grabriel Carneiro, lesson, a autora, Priscila Moraes. Fotografia de Priscila Seixas.

Em cometário sobre atividades similares, Ivaldo Bertazzo (2004, p. 59) destaca o auxílio que a permanência num mesmo local oferece para “acalmar os sentidos e elaborar sensações” e completa que “[…] a limpeza exterior observada, acelera a interiorização e a construção das sensações motoras”.

Concomitantemente, deveriam ser observadas outras regras de ocupação do espaço, como a percepção de entre espaços (intervalos entre um ator e outro, entre atores e objetos e assim sucessivamente), dos desenhos e das linhas das trajetórias dos deslocamentos do grupo e quando a força centrípeta do local nos chamava para ocupá- lo. Em seguida, nos reuníamos em roda, momento de nos aquietarmos, nos reconhecermos e nos cumprimentarmos. Esse mesmo gesto era repetido ao final do dia.

Fig. 46 - Peça coreográfica para uma paisagem em branco. Apresentação no coreto da cidade. Atores NAPI: Helena Contente, Zilvan Lima, Janaína Trindade, Romíria Turcheti, lesson, Sabrina Mendes (primeiro plano), Gabriel Carneiro. Fotografia de Marcius Barcelos.

Em seiza, de olhos fechados, pousar a atenção dos apoios do corpo no chão. Perceber as partes do corpo que apoiam o ar. Pousar a atenção no ar que nos toca. Perceber as linhas de movimentos que perpassam e atravessam os contornos do corpo: pela coluna; de um cotovelo a outro; da frente para trás e as torções. Respirar. Respirar pelas narinas. Respirar por todos os poros. Perceber por onde o ar passeia internamente. Pousar a atenção no vazio entre o final da inspiração e o começo da expiração seguinte. Pousar a atenção no vazio entre o final da expiração e o começo da inspiração seguinte.

Fig. 47 - Peça coreográfica para uma paisagem em branco. Apresentação no coreto da cidade. Atores NAPI: Helena Contente, Zilvan Lima, Janaína Trindade, Romíria Turcheti, Gabriel Carniro, Sabrina Mendes, Priscila Moraes, Luciana

Oliver. Fotografia de Marcius Barcelos.

Percorrer o espaço que existe entre o(s) centro(s) do(s) pé(s) e o(s) centro(s) do(s) joelho(s); entre o(s) joelho(s) e o(s) ísquio(s); entre o(s) ísquio(s) e o topo da cabeça. Encontrar espaços mais distantes. Pousar a atenção em sons longínquos. Em sons mais próximos. Em sons dentro da sala. Em sons do seu corpo.

Em seguida, passávamos a um aquecimento com a mobilização da coluna vertebral e, então, cumpríamos o circuito do SMAT, cuja porta de entrada foram a especulação dos estados de permanência, os momentos de pausa ou de frenagem, assumidos pelos atores: verificar o Ma entre o movimento e o não movimento e imitar as formas de cada disciplina. Além de repeti-las, como senti-las internamente a partir da percepção do posicionamento dos ossos, dos apoios e da respiração? Como ver-se de fora, como perceber as formas que o corpo assume no espaço e como imprimir-lhes sentido ou deixá-las reverberar como se fossem um campo de ressonância? Dar vazão às

“[…] diferentes texturas que se organizam no corpo e que modificam seu ritmo internamente”; que avivam cada uma delas (STEELE apud SANTOS, Mai./2016). Pois, ao se detalhar, por exemplo, a disciplina n. 3, Básico 2, tem-se: um eixo vertical quando da batida do pé no chão. Em seguida, ao deslizá-lo à frente, é configurado um eixo horizontal. Este Básico é feito em apneia e a intenção/dinâmica de seus movimentos são, respectivamente: pausar, inspirar, friccionar rapidamente, estender/recolher de golpe, bater, deslizar com calma, elevar/pontuar; pausar, expirar, inspirar.

Fig. 48 - Peça coreográfica para uma paisagem em branco. Apresentação no Largo do Carmo. Atores NAPI: lesson, Janaína Trindade, Gabriel Carneiro, Ana Flor, Sabrina Mendes.

Fotografia de Bruna Capanema.

Na etapa inicial de trabalho com o núcleo, foi recorrente a percepção dos atores de uma sensibilidade maior para o entorno; de sentirem partes do corpo que antes pareciam dormir; de que a descoberta e a clareza corporal ajudam a esclarecer ideias e a modificar um jeito de se posicionar no mundo, agora, com mais segurança; de o trabalho no núcleo ajudar em outros projetos e no dia a dia; de um “estar aqui!” sem que isso se

constuísse numa força de embate.

Fig. 49 - Peça coreográfica para uma paisagem em branco. Mostra de Processo. Jardim da Paróquia D. Bosco. Ator NAPI: lesson. Fotografia da autora.

Após a primeira sessão aberta do treinamento, apresentada aos colegas do curso de Teatro, foram colhidas as seguintes impressões: a clara “ideia de conjunto”, presente na organização e nos modos que as relações se construíram visivelmente.

Luís Firmato (Feedback da plateia, 2016) reforçou esta sensação ao declarar que: ao ver “[…] um único corpo. Não pensava se era esse ou aquele ator... e eu conheço todos vocês”. Por outro lado, “[…] na hora da fala, mesmo em coro, eu ouvia com clareza a voz de cada um” (idem).