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Uma via de mão dupla: relação da classe operária com Muniz Falcão

1. ATUAÇÃO POLÍTICA DA CLASSE OPERÁRIA TÊXTIL (1945-1964)

1.3. Apoio popular e a vitória de Muniz Falcão

1.3.1. Uma via de mão dupla: relação da classe operária com Muniz Falcão

O governo de Muniz Falcão deu continuidade às transformações em Alagoas. Tenório afirma que podemos “entender a década de 1950 como um período de passagem de uma sociedade em vias de se inserir no esforço brasileiro de industrialização, com suas contradições e conflitos”.109 No governo Muniz Falcão, foi criada a Companhia de Eletricidade de Alagoas (CEAL), foi realizada a construção de estradas, acompanhando o movimento nacional rodoviário de JK, assistência social entre outras coisas. Nessa década, Alagoas estava com o setor industrial consolidado e essas mudanças aconteceram no sentido de modernizar e dinamizar as relações principalmente urbanas.

Esse novo governo foi “caso único na história do estado em que a oligarquia alagoana não esteve representada na chefia do executivo por um dos seus quadros”.110 A postura democrática de Muniz Falcão foi a forma de criar vínculo com os setores populares. Recebeu o apoio da classe trabalhadora em todos os momentos do seu conturbado governo, por assumir a política de não agressão aos trabalhadores e de não perseguição aos comunistas.111 Esse período favoreceu a elevação do nível de organização dentro dos sindicatos têxteis, a utilização cada vez maior da Justiça do Trabalho como mediadora nos problemas entre patrões e operários e permitiu uma maior aproximação entre trabalhadores e militantes comunistas.

Por outro lado, essa liberdade política estimulada pelo governador acirrou ainda mais a luta de classes em Alagoas. A postura oficial de não agressão aos trabalhadores não impediu a repressão das fábricas nem da oposição ao governo. Além disso, a antiga aliança entre os industriais do setor têxtil e o aparato repressor do estado não cessaria a violência aos operários têxteis. O que acreditamos ter ocorrido, foi uma diminuição das ações policiais contra as lideranças sindicais e, principalmente, contra os comunistas.

Apresentaremos brevemente os acontecimentos que levaram a embates altamente violentos na política alagoana e a postura dos trabalhadores, lutando ao lado do governador e apoiando sua conduta. O governo de Muniz Falcão foi conturbado devido à grande oposição política que sofreu, principalmente pela UDN, o que não classificamos uma singularidade alagoana, pois essa forte oposição udenista acontecia nacionalmente. Muniz Chegou a sofrer tentativa de impeachment.

109 TENÓRIO, Op. cit., p.28. 110 Ibid., p.169.

111

É no período do governo Muniz Falcão que encontramos o maior número de edições do jornal A Voz do Povo,

Houve uma grande aproximação entre o Estado e a classe trabalhadora, de forma poucas vezes vista na história alagoana. O trabalhismo varguista foi muito bem recebido pelo proletariado. Muniz foi a vários sindicatos a convite de operários para receber homenagens, escutar o clamor dos trabalhadores e reafirmar o compromisso com os direitos trabalhistas. A Delegacia Regional do Trabalho estava mais presente significando maior observação dos problemas dos operários, porém, maior controle de suas ações.

No dia 15 de abril de 1956, aconteceu uma manifestação em apoio ao governador que já era alvo da oposição. A partir da descrição da ata do dia 14/04/1956 do sindicato dos operários têxteis de Fernão Velho e Maceió, Osvaldo Veloso, delegado da Confederação dos Trabalhadores na Indústria, “convidou todos os trabalhadores para a manifestação de apoio ao governo do estado, no dia seguinte, que também tinha o objetivo de, junto ao governador, apresentar as reivindicações da classe”.112

Nessa mesma ata, com a presença do Delegado do Trabalho Edson Falcão, encontramos o novo presidente do sindicato Abelardo Lins e José Viana Filho, Presidente da Federação dos Trabalhadores na Indústria no Estado de Alagoas, confirmando o apoio tanto da nova direção do sindicato de Fernão Velho como dos operários das fábricas alagoanas ao governador Muniz Falcão e esperando a retribuição sob a forma de fiscalização e o cumprimento das leis trabalhistas.

Um dos principais motivos para a tentativa e impeachment por parte das oligarquias dentro de um processo altamente turbulento, devido as ações inspiradas no modos operandi do nacional-trabalhismo, foi, nos conta Tenório:

a intenção de equilibrar a receita com a despesa e gerar algum recurso para investimento em setores vitais, criando-se a taxa Pró-economia, Educação e Saúde, em 22 de outubro de 1956, que precipitou a ofensiva contra o governo por parte dos udenistas, conseguindo atrair os deputados pessedistas e a união das classes conservadoras.113

Muniz Falcão não fazia parte das oligarquias, mas tinha vários representantes dela como seus parceiros, que aos primeiros sinais de ações políticas que pudessem interferir de forma mais rígida na continuidade de velhas práticas dos grupos oligárquicos se voltaram

112

Sindicato dos Trabalhadores na Indústria têxtil de Fernão Velho. Maceió. Ata da Assembleia de 14 de abril de 1953.

113 TENÓRIO, op. cit., p. 202. A taxa Pró-Economia, Educação e Saúde, com o fim de fomentar atividades

econômicas e o desenvolvimento da educação e saúde pública no estado iria incidir sobre a produção de açúcar, tecidos, fumo, arroz, álcool, cana de açúcar e coco. Os industriais não aceitaram a nova lei e ao seu lado estavam os políticos que estavam ligados ao poder econômico de Alagoas.

contra seu governo. Muniz perdeu o apoio do PSD e começou a ficar com a minoria entre os deputados.

A maquinação golpista liderada pela UDN e absorvida pelo PSD vai aumentar a violência política no Estado, acirrando disputas familiares pelo poder político nas regiões alagoanas. A troca de acusações e assassinatos entre oposição e situação chegou ao limite e levou a UDN a liderar o pedido de impeachment, atropelando a legislação brasileira e tentando rasgar os votos da população que elegeram Muniz Falcão democraticamente. A denúncia feita no dia 09/02/1957 acusou Muniz de conivência com assassinatos de líderes políticos e de violência contra o legislativo, o que impossibilitava este de funcionar livremente. Douglas Apratto Tenório apurou que a maneira “incontinente como se efetivou a denúncia e a agilíssima tramitação do processo [...] suscitou suspeitas e interpretações maliciosas de que a oposição finalmente conseguira o mártir que desejava para atingir sua grande meta”.114

Depois de muitos conflitos entre defesa e acusação, no dia 13 de setembro de 1957, quando na Assembleia Legislativa seria votada a denúncia, aconteceu um importante fato político na história de Alagoas, quando as duas facções políticas travaram um intenso tiroteio ferindo vários deputados e vitimando o deputado Humberto Mendes (sogro de Muniz Falcão). Os deputados levaram para o plenário de votação pistolas e metralhadoras e antes que houvesse votação, se deu a tragédia. Uma das consequências imediatas foi a intervenção federal parcial, ficando o general Armando Âncora com o poder de polícia.

Muniz não aceitou e se licenciou do cargo que ficou com seu vice Sizenando Nabuco.115 Com a ausência de Muniz Falcão e de seus correligionários no dia 15 de setembro de 1957 foi aprovada a denúncia e escolhido o tribunal que praticou fraude no sorteio do tribunal misto, pois só havia oposicionistas sorteados. O STF anulou o processo e houve novo sorteio para julgar as acusações. Além dos desembargadores votaram quatro deputados da oposição e um da situação116. No dia 11 de dezembro de 1957, a decisão final do tribunal misto foi favorável a Muniz Falcão, que perdeu a votação por 06 votos a 04 votos, mas como a lei nº 1.079 exigia quorum mínimo de dois terços para a condenação, ele foi absolvido e seu mandato preservado. No dia 24 de janeiro de 1958, Muniz Falcão reassumiu o cargo de Governador do Estado.117

114 Ibid., p.65. A UDN tentou transformar em mártir o Deputado Estadual Marques da Silva, que foi morto em

Arapiraca, devido às disputas políticas e familiares no início de 1957.

115 Ibid., p.81. 116

FALCÃO, 1980, PP. 88-89. Apud TENÓRIO, Op., cit., PP.81-82.

A participação popular no processo foi intensa. Os sindicatos e a população em geral ficaram unidos a Muniz Falcão e queriam a legitimação da eleição e que o voto do povo fosse respeitado. Houve diversas manifestações populares envolvendo várias categorias de trabalhadores e populares não vinculados a nenhum movimento que foi às ruas. No dia 13/09/1957, quando aconteceu a tragédia na assembleia, ocorreram manifestações, em muitos lugares da cidade, se concentrando na Praça Pedro II, contra a votação e a favor da manutenção da validade do voto dos trabalhadores. O jornal comunista A Voz do Povo vai publicar diversas matérias e entrevistas sobre o caso da tentativa de impeachment e a posição de muitos sindicatos.118

Foram feitas várias manifestações de apoio ao governador tanto no momento do impeachment como no seu retorno ao cargo de governador do estado. Comemorações com fogos de artifício, festas e manifestações como noticiou o jornal A Voz do Povo: “Apoteótica manifestação jamais vista em Alagoas – a maior homenagem já tributada a um homem público. Cerca de 40 mil pessoas ganharam as ruas na tarde de sexta-feira [...].”119 Milhares de pessoas acompanharam o cortejo, a partir do aeroporto Zumbi dos Palmares até o Palácio dos Martírios. Muniz Falcão recebeu grande apoio popular após o momento em que foi atacado e isso lhe rendeu certa proteção para conclusão do seu governo após o término da tentativa golpista. Os editores do jornal em vários momentos classificavam a permanência do governador Muniz Falcão como uma vitória popular de Alagoas.

Quando nos deparamos com a pergunta sobre qual nível do apoio popular que recebeu o governo Muniz Falcão, não queríamos decair no erro de mitificar uma figura realmente importante na história política de Alagoas, pois sabemos que se no passado quando da ditadura militar – iniciada em 1964 – e a vitória de seus opositores, seu nome esteve ligado à corrupção e violência. Após os anos 1980 e alguns trabalhos e principalmente a obra A

Tragédia do Populismo, de Douglas Apratto Tenório, foi modificada na história alagoana o

seu papel frente a classe trabalhadora e ao Estado. No entanto, o livro de Tenório, apesar de confirmar que a classe trabalhadora esteve presente ao lado de Muniz, percebemos que era essencial uma análise da política e, por isso, somente a partir do contato com as atas do sindicato dos operários têxteis de Fernão Velho e os registros do jornal A Voz do Povo compreendemos essa relação como muito poderosa e conflituosa. Em alguns momentos, quando os trabalhadores enxergavam que o governo se esquivava de compromissos referentes

118 A Voz do Povo, 29 de setembro de1957, ano XII, Nº 38, p.1-4. 119

“Acima de nós – governo e oposição – funciona uma entidade eterna que é o povo”. A Voz do Povo. Maceió: 26 de janeiro. 1958, ano XII, número 4, p. 1.

à manutenção de direitos, pois esse apoio, apesar de gigantesco, não era incondicional, demonstrando um amadurecimento nas suas relações a partir de suas experiências. A classe trabalhadora alagoana e, especificamente para nosso trabalho, os operários têxteis, deram apoio em todos os momentos do governo Muniz Falcão, mas não deixaram de manifestar seu desagrado principalmente na forma do governo mediar, de forma harmoniosa, os conflitos entre patrões e empregados.