• Nenhum resultado encontrado

A proibição da livre locomoção de crianças e adolescentes após determinado horário é uma medida restritiva de direitos, isto é fato. Além disso, “[...] o cerceamento do direito à liberdade fere os princípios da dignidade, do respeito, e do desenvolvimento da pessoa humana.” (FERREIRA; BATALHA, 2009, p. 01).

Conforme o já amplamente discutido nos demais capítulos, crianças e adolescentes são portadores de direitos fundamentais, e através do Estatuto da Criança e do Adolescente, amparados pela doutrina da proteção integral. Segundo Saraiva (2002) devem ser tratados como sujeitos de direitos e pessoas que estão desenvolvendo as suas opiniões, sua idéias, bem como o seu caráter.

Neste sentido, respeitado o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, a Constituição Federal de 1988 garante em seu artigo 227 o direito à liberdade infanto-juvenil. Da mesma forma, tal direito encontra proteção nos artigos 4º, 15, 16 e 17 do ECA, conforme o já destacado no item 2.5.

Em especial, o inciso I do artigo 16 do ECA assim expressa: “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos. I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais.”

Aí está o dispositivo principal à que se deve a ilegalidade do toque de recolher, pois muito embora este direito seja posteriormente restringido no próprio Estatuto, não há previsão legal ao toque de recolher. Há sim outras proibições, tais como o respeito à faixa etária dos locais públicos e espetáculos que freqüentarem, ou a autorização para viajar fora da comarca

onde residem. Enfim, sabe-se que esta liberdade não é absoluta, e sim limitada, justamente por conta da condição de pessoas em desenvolvimento que se encontram.

Novamente importa citar parte do parecer do CONANDA que assim determinou:

As portarias judiciais não podem contrariar princípios constitucionais e legais, como o direito à liberdade, previsto nos artigos 5 e 227 da Constituição Federal Brasileira, e nos artigos 4 e 16 do ECA - direito à liberdade, incluindo o direito de ir, vir e estar em espaços comunitários. (CONANDA, 2011, p. 1).

Vale dizer, ainda, que outro princípio fundamental é restringido por essa proibição, qual seja, o princípio da dignidade humana (artigo 1°, inciso III da CF/88). Isto porque se está a restringir a liberdade do ser humano mediante uma medida policial (LOPES; VASCONCELOS; YOSHIURA, 2010).

Sendo assim, percebe- se que esta medida restritiva de direitos vem sendo aplicada sob a premissa de ser uma forma de prevenção, ou seja, de evitar que crianças e adolescentes estejam em situação de risco. Entretanto, este direito punitivo emergencial, acaba restringindo um direito fundamental de toda uma camada de jovens para diminuir a delinquência juvenil, o vandalismo, o consumo de bebidas alcoólicas de alguns (FERREIRA; BATALHA, 2009).

É dever do Estado prevenir as situações de riscos à que crianças e adolescentes podem ser submetidas, assim como é seu dever garantir que os direitos fundamentais não sejam violados. Segundo Sposato (2009, p. 02)

Incumbe às políticas públicas a atenção necessária para prevenir e coibir situações de violência que possam vir a expor ou lesar crianças e adolescentes, não sendo lógico nem tampouco legítimo que direitos fundamentais, como o direito de ir e vir, sofram restrições em nome de tal suposta proteção.

Vale lembrar, ainda, que na sociedade violenta e desigual em que vivemos, muitos jovens talvez vão as ruas como forma de refúgio à violência doméstica. As famílias desestruturadas e emanadas na miséria, infelizmente são propícias ao desenvolvimento da violência no interior da casa. Então,

[...] por que não instituir o toque de recolher em relação aos pais que ficam nos bares ao invés de dar atenção à educação dos filhos? Por que não instituir um toque de recolher contra estabelecimentos comerciais que pouco contribuem para uma cultura de paz? (FERREIRA; BATALHA, 2009, p. 2).

Nesta senda, cabe analisar se tal medida que visa a uma suposta proteção e prevenção, não se trata de uma espécie de limpeza social, que lembra a política higienista adotada ao tempo do Código Mello Mattos, redutora da prática de atos infracionais que restringe os direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

3.4 Os argumentos em prol do toque de recolher

Não são poucas as cidades brasileiras que têm adotado esta medida por meio de portarias expedidas pelos juízes da Vara da Infância e Juventude. Tem-se conhecimento de que tal medida já existe nos estados de São Paulo, Paraná, Paraíba e mais outros seis Estados. Em 2009, segundo Clarindo (2011) o toque de recolher vigorava em vinte e um municípios brasileiros.

Em Fernandópolis/SP, os menores de 18 anos são recolhidos das ruas após determinado horário, pela viatura do Conselho Tutelar, e levados até a sede do Conselho ou à Delegacia, e após seus pais são notificados para buscá-los. (PELARIN, 2009).

As portarias, expedidas geralmente pelos juízes da infância e juventude, costumam ser justificadas basicamente pelo apelo da comunidade ao combate da criminalidade.

Em todos os casos, os magistrados fundamentam suas decisões no argumento de que a comunidade destas localidades clamava por uma medida urgente que contribuísse para a redução dos casos de atos infracionais e envolvimento de menores com álcool e drogas ilícitas, situações normalmente verificadas após nove ou dez horas da noite. (CLARINDO, 2011, p. 5).

Dentre os principais argumentos para aplicação do “toque” diz-se que tal medida serve apenas para tirar das ruas os jovens que se encontram em situação de risco, fazendo uso de bebida alcoólica, de drogas ou então se prostituindo.

Há quem fale ainda em “ócio noturno”, como justificou o juiz da Vara da Infância da Ilha Solteira/SP. Também da portaria expedida na Comarca de Fernandópolis/SP, em que o

Documentos relacionados