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O adolescente e o direito à liberdade: considerações sobre a legitimidade do toque de recolher

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Academic year: 2021

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LUANA MILANESI PRESTES

O ADOLESCENTE E O DIREITO À LIBERDADE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGITIMIDADE DO TOQUE DE RECOLHER

Ijuí (RS) 2011

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LUANA MILANESI PRESTES

O ADOLESCENTE E O DIREITO À LIBERDADE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGITIMIDADE DO TOQUE DE RECOLHER

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ – Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

IJUÍ (RS) 2011

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Aos meus pais, Ana Maria e Edson Geraldo, com muito amor.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais Ana Maria e Edson Geraldo pela confiança, apoio e amor a mim dedicados, que me fizeram seguir sempre em frente, superando as dificuldades que surgiram em meu caminho. Obrigada pela compreensão nos momentos de ausência, e pelo abraço apertado a cada despedida. Amo vocês!

À minha irmã Betina, pelo amor, carinho e principalmente pela amizade sincera que sempre me dedicou.

À minha querida orientadora Ester, pela dedicação e disponibilidade, não só neste trabalho, mas em toda minha trajetória acadêmica.

Por fim, a todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de

construção deste trabalho, meu muito

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“Que destino tem os joões-ninguém, os donos de nada, em países onde o direito de propriedade já se torna o único direito? E os filhos dos joões-ninguém? Muitos deles, cada vez mais numerosos, são compelidos pela fome ao roubo, à mendicidade e à prostituição. A sociedade de consumo os insulta oferecendo o que nega. E eles se lançam aos assaltos, bandos de desesperados unidos na certeza de que a morte os espera.”

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, da doutrina da situação irregular à proteção integral, e do princípio da prioridade absoluta. Discute o direito à liberdade sob o ponto de vista histórico, bem como o seu exercício nas Declarações de Direito, na Constituição, e especialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente. Por fim, o presente trabalho tece considerações sobre a legitimidade da medida restritiva de direitos intitulada toque de recolher, suas maneiras de aplicação e da sua real função diante das normas vigentes no país.

Palavras-Chave: Direito da Criança e do Adolescente. Direito à Liberdade. Toque de Recolher. Recolhimento Obrigatório.

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ABSTRACT

The present research monograph provides an analysis of the Child and Adolescent, the doctrine of irregular situation to full protection, and the principle of absolute priority. Discusses the right to liberty under the historical point of view, and its exercise in the Declarations of Rights in the Constitution, and especially in the Statute for Children and Adolescents. Finally, this study reflects on the legitimacy of the measure restricting rights entitled curfew, their ways of application and its real function in the face of norms in the country.

Keywords: Right of the Child and Adolescent. Right to Freedom. Curfew. Collection Required.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 10

1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ... 13

1.1 Os direitos da criança e do adolescente na Constituição Federal de 1988 ... 13

1.2 A doutrina da situação irregular ... 16

1.2.1 Contexto histórico ... 16

1.2.2 O código de menores e a doutrina da situação irregular ... 17

1.3 O Estatuto da Criança e Adolescente e a doutrina da proteção integral ... 21

1.3.1 A doutrina das Nações Unidas de proteção integral à criança ... 21

1.3.2 A criança sujeito e a criança objeto ... 22

1.3.3 Da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento ... 23

1.3.4 Do princípio da prioridade absoluta ... 24

1.3.5 Das medidas protetivas ... 25

2 O DIREITO À LIBERDADE E SEU EXERCÍCIO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ... 27

2.1 A liberdade como direito fundamental de primeira geração ... 28

2.2 O conceito de direito à liberdade ... 29

2.3 O direito à liberdade e as declarações de direito ... 30

2.4 O direito à liberdade na Constituição Federal de 1988 ... 31

2.5 O direito à liberdade no Estatuto da Criança e do Adolescente ... 34

3 O TOQUE DE RECOLHER E A PROTEÇÃO DO ADOLESCENTE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGITIMIDADE DA MEDIDA ... 38

3.1 O toque de recolher: origem e conceito histórico ... 38

3.2 A restauração da doutrina da situação irregular ... 39

3.3 Uma medida restritivo-preventiva de direitos ... 41

3.4 Os argumentos em prol do toque de recolher ... 43

3.5 O toque de recolher e o princípio da legalidade ... 44

3.6 A ilegitimidade do toque de recolher ... 46

CONCLUSÃO ... 50

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa de conclusão de curso visa a discutir a legitimidade do toque de recolher, enquanto medida restritiva do direito de liberdade, considerando a violação dos direitos das crianças e adolescentes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Constituição Federal de 1988.

Embora o direito à liberdade seja garantido pelo ECA e também pela Constituição Federal Brasileira, alguns municípios brasileiros vêm implementando uma medida conhecida como toque de recolher, ou recolhimento obrigatório. Tal medida consiste basicamente na imposição, por autoridade competente, de horários para o recolhimento dos menores de 18 anos, sob o argumento de que esta possa reduzir a violência e a prática de atos infracionais, visando o interesse público.

O trabalho pretende explanar a real função desta medida diante das normas vigentes no país. Ressalta até que ponto o direito fundamental à liberdade pode ser descumprido em prol da garantia da segurança pública e visando a reduzir a violência. E, ainda, se a restrição deste direito fundamental através do toque de recolher é legitima diante da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Este é um tema de extrema importância, haja vista que vem sendo amplamente divulgada pela mídia a implementação de tais medidas em diversas cidades brasileiras, através de portarias expedidas por juízes das Varas da Infância e Juventude, e executadas por autoridades policiais. Diante disso, importa analisar se o toque de recolher adéqua-se à doutrina de proteção integral consagrada no ECA, avaliando se tal medida, de caráter restritivo, não afronta o direito fundamental à liberdade de crianças e adolescentes.

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O presente trabalho foi estruturado em três capítulos. Primeiramente, faz uma abordagem sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e sobre a doutrina de proteção integral nele consagrada, sua contextualização histórica e surgimento, analisando suas principais características de forma comparativa a antiga doutrina da situação irregular. O segundo capítulo apresenta considerações sobre o direito à liberdade, desde o seu surgimento, conceito, até as especificações de tal direito no que tange aos menores de 18 anos. Por fim, faz uma análise do toque de recolher, trazendo informações sobre a sua origem, formas de aplicação e objetivos da medida, e especialmente, sobre a sua legitimidade.

No primeiro capitulo, faz-se breve consideração sobre a consagração dos direitos das crianças e adolescentes na Constituição de 1988, desde a construção dos direitos fundamentais dentro do Estado Democrático de Direito, até a consolidação desses direitos no Estatuto. Também analisa a antiga doutrina da situação irregular, oriunda do Código de Menores de 1979, que consiste basicamente no tratamento dos menores como objetos de intervenção do Estado, e não como sujeitos de direitos. Após, explana a atual doutrina da proteção integral, consagrada no Estatuto, e inspirada na Declaração Universal dos Direitos da Criança, salientando o seu garantismo ao instituir direitos à crianças e adolescentes, respeitando a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, bem como o Princípio da Prioridade Absoluta.

Em seguida, aborda o direito à liberdade, desde o seu surgimento como um direito de 1ª geração na Revolução Francesa, salientando de uma maneira geral também o surgimento dos direitos fundamentais. Disserta ainda sobre o seu conceito, e a relação histórica com as Declarações de Direito, que colaboraram significativamente para a sua consagração. E ainda, considera o direito à liberdade nos ditames da nossa atual Constituição e das peculiaridades desta garantida no Estatuto da Criança e do Adolescente.

E por fim, o terceiro capítulo é voltado para a abordagem específica do tema deste trabalho, qual seja, o toque de recolher, sobretudo da sua legitimidade. Disserta primeiramente sobre a sua origem histórica na Alemanha nazista, e do retrocesso à doutrina da situação irregular que implica tal medida. Salienta a restrição do direito à liberdade e o total desrespeito as normas do Estatuto, inclusive no que tange a sua instituição, analisando também os argumentos em prol da sua aplicação. E ainda, conclui discutindo a sua

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ilegitimidade perante as normas vigentes, a afronta ao princípio da legalidade e desumanização do sistema penal.

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1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

A “Doutrina da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente” foi norteada primeiramente pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) e veio a se consolidar com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990). O referido texto, na verdade, concretizou a doutrina já antecipada no texto da Constituição Federal de 1988.

A referida doutrina (proteção integral), segundo João Batista da Costa Saraiva (2002), parte do pressuposto do reconhecimento dos direitos e obrigações das crianças e adolescentes, sendo os mesmos considerados pela peculiar condição de pessoas em desenvolvimento. Este entendimento vem a substituir a antiga “Doutrina da Situação Irregular” onde os chamados “menores” eram tratados apenas como objetos de intervenção do Estado.

1.1 Os direitos da criança e do adolescente na Constituição Federal de 1988

A introdução dos direitos referente à infância no ordenamento jurídico brasileiro originou-se na confirmação da Convenção sobre os direitos da criança em 1989, na Campanha Criança e Constituinte, e por fim com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Nesta senda, o aludido processo popular de constitucionalização da democracia, no que tange aos direitos das crianças e adolescentes, foi sabidamente destacado por Karyna Batista Sposato (2009, p. 93), através de três aspectos:

O primeiro já externado por Luigi Ferrajoli de que não só a democracia garante a luta pelos direitos, mas também, e fundamentalmente, a luta pelos direitos garante a democracia. Em segundo, a capacidade do Direito de influenciar a política social, a partir da relação entre a condição jurídica e a condição material da infância. E por último, mas não menos importante, a descoberta de forma empírica de que os problemas da infância são problemas da democracia.

No entanto, importa ressaltar que este processo de constitucionalização, originou-se através de um longo processo de construção de um sistema de direitos fundamentais, os quais eram tratados inicialmente como instrumentos de proteção da cidadania frente à autoridade absoluta do Estado. Ou seja, a constitucionalização dos direitos fundamentais, surgiu em uma

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época de profundas mudanças, inclusive na trajetória deste direito na normativa internacional, na qual passou a reivindicar os direitos fundamentais não só dos menores, mas também das mulheres, do negro, ou seja, das minorias (SARAIVA, 2009).

Através deste entendimento, e sob estas condições de profundas transformações, a Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988, que adotou a roupagem do Estado de Bem Estar Social, substituiu o paradigma menorista pelo garantista, suprindo assim as necessidades de políticas especiais para a infância e a adolescência (SPOSATO, 2009).

Segundo Saraiva (2009), na América Latina, o Brasil foi o primeiro país a adequar sua legislação nacional nos termos da Convenção Internacional dos direitos da criança. Fato este que se concretizou com a inclusão dos primados da Convenção no Capítulo VII da CF/88, mais especificadamente nos artigos 227, inciso V e 228, nos termos que seguem:

Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no Art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.

Art. 228 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

O artigo 227 determina que os direitos das crianças e adolescentes devem ser reconhecidos como prioridade absoluta do Estado, da família e da sociedade. E ainda, o § 3º do aludido artigo define a proteção especial através da concretização do Princípio da Prioridade Absoluta.

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Na esteira do referido dispositivo legal entende-se basicamente os objetivos reais da proteção integral, partindo-se do pressuposto de que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes devem ser reconhecidos e respeitados, sendo que os mesmos devem ser considerados na peculiar condição de pessoas em desenvolvimento.

Sob tais aspectos, é que se consolidou o Estatuto da Criança e do Adolescente partindo da premissa de que “[...] todos os institutos, inclusive o infraconstitucional são reinterpretados na ótica constitucional com o objetivo de consagrar os valores enunciados pela Constituição.”, como preleciona José Joaquim Gomes Canotilho (apud SPOSATO, 2009, p. 90).

Desta forma, qualquer legislação infraconstitucional, deve estar devidamente enquadrada nos ditames constitucionais, respeitando inclusive princípios, diretrizes e valores do texto constitucional.

Sendo assim, é de suma importância enaltecer que esta ideia de proteção à crianças e adolescentes, inserida no texto constitucional, teve caráter norteador ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Nas palavras de Saraiva

A ideologia incorporada no Texto Constitucional irá nortear o Estatuto da Criança e Adolescente, legislação infraconstitucional que veio a regulamentar os dispositivos constitucionais que tratam da matéria, sendo, em última análise, a versão brasileira da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança. (SARAIVA, 2009, p. 84).

Em suma, o Estatuto veio a complementar e esclarecer os dispositivos legais que regulamentam os direitos da infância na Constituição Federal, de forma a enaltecer a proteção integral, bem como a condição de peculiar de pessoas em desenvolvimento a que deve ser tratado o adolescente.

Portanto, a constitucionalização dos direitos da criança e do adolescente teve papel decisivo para o surgimento do Estatuto, e a consequente introdução da doutrina da proteção integral, que veio a substituir a doutrina da situação irregular do Código de Menores.

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1.2 A doutrina da situação irregular

A chamada doutrina da situação irregular significa basicamente o tratamento de crianças e adolescentes como objetos de intervenção do Estado, e foi uma ideologia que amparou o surgimento do Código de Menores, Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979.

No entanto, referida doutrina nasceu já sob a vigência do Código de Menores de 1927, em meio a dura e autoritária repressão no governo brasileiro, e visava de certa forma proteger a sociedade dos riscos que os menores em situação irregular ofereciam.

1.2.1 Contexto histórico

O Código de Menores foi a primeira intervenção estatal voltada especificadamente para os menores, no ano de 1927. Segundo Etelma Tavares de Souza (2009), em tal legislação o juiz de menores realizava uma prática intervencionista, sendo que a internação era dotada de caráter coercitivo de acordo com as causas que geravam as situações de abandono e delinquência.

A referida legislação, também intitulada Código Mello Mattos, já denotava a doutrina da situação irregular, sendo propagado por meio desta o “direito do menor”. No entendimento de Alyrio Cavallieri (1978), segundo esta doutrina, o adolescente que se encontrava em situação irregular (abandono ou delinquência) era submetido a uma espécie de tratamento adequado. Ou seja, era dado ao menor primeiramente um diagnóstico, e por fim o mesmo era encaminhado ao tratamento, que abrangia até mesmo a internação.

Entretanto, a percepção um pouco mais humana por parte do Estado, mas ainda totalmente inadequada, diante dos menores ocorreu em meados da década de 60 e 1970. E esta maior importância com os mesmos se deu devido principalmente aos altos índices de abandono e violência que estavam sendo praticados contra aquela categoria.

No ano de 1964 criou-se a FUNABEM (Fundação Nacional de Bem Estar dos Menores) com o objetivo de proteger e amparar o menor delinquente e abandonado. Segundo Saraiva a FUNABEN, juntamente com os seus órgãos executores chamados FEBEMs (Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor)

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[...] não se dirigia ao conjunto da população infanto-juvenil brasileira. Movida pela Doutrina da Situação Irregular, tinha por destinatários apenas as crianças e jovens considerados em situação irregular, onde se incluíam aqueles menores em estado de necessidade em razão da manifesta incapacidade dos pais para mantê-los, colocando-os na condição de objeto potencial de intervenção do sistema de Justiça, os Juizados de Menores. (SARAIVA, 2009, p. 50).

Em suma, a Política Nacional do Bem-Estar do Menor, sistema adotados pelos órgãos da FEBEM e da FUNABEM, “[...] troca a idéia do menor ameaça social para a de menor carente e abandonado. Mas, reafirmando a lógica carcerária, ampliando o controle e o poder de tutela do Estado.” (SOUZA, 2009, p. 2).

Na verdade o Estado pretendia com esta política proteger a sociedade dos menores que se encontravam na chamada situação irregular, ou seja, os menores abandonados, tomados pela pobreza que assolava o país, e oriundos a viver na rua tornando-se delinquentes juvenis.

Como preleciona Andréa Rodrigues Amin (2009, p. 7) tratava-se de um “[...] instrumento de controle do regime político exercido pelos militares.”, ou seja, buscava-se reduzir ameaças em nome da segurança nacional.

Entretanto, este sistema de proteção não prosperou devido principalmente ao período ditatorial que a sociedade brasileira estava vivendo, que tinha como um dos alvos, os menores delinqüentes. Naquela época, a ditadura contrariava e controlava de forma desumana as minorias, sendo os menores delinqüentes parte significativa desta.

Diante da insatisfação da sociedade, e da ineficácia da política aplicada pelos órgãos do governo, e com a ampliação dos debates sobre as crianças e adolescentes no cenário internacional, foi promulgado o Novo “Velho” Código de Menores, em 10 de outubro de 1979, onde de fato implantou-se a doutrina da situação irregular.

1.2.2 O código de menores e a doutrina da situação irregular

O Código de Menores de 1979 foi totalmente inspirado na doutrina da situação irregular, baseado em um direito assistencial, mas ao mesmo tempo autoritário, sendo este

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direcionado exclusivamente ao “menor”. Na verdade, foi dada uma nova roupagem ao antigo Código Mello Mattos, sem muitas inovações ou surpresas.

Importa constar que o próprio código separa o “menor” da criança, diferenciando-os de acordo com sua classe. Em resumo, “[...] o menor era o filho do pobre, enquanto o das classes mais abastadas era a criança, o adolescente, o jovem.” (SOUZA, 2009, p. 8).

Destarte, os chamados menores eram os portadores das chamadas patologias sociais, ou seja, os desvalidos, pobres, abandonados, que estavam mais propícios a infringirem as normas da sociedade. E por conta disso, eram o principal alvo do intervencionismo do Código de Menores, ou seja, eram simples objetos das medidas judiciais, no momento em que se encontravam na chamada “situação irregular”.

O art. 2º do Código de Menores (Lei 6.697/79) especificava o rol dos menores que supostamente estariam em situação irregular. Vejamos:

Art. 2º: Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:

I- privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:

a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;

II- vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;

III- em perigo moral, devido a:

a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração de atividade contrária aos bons costumes;

IV- privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;

V- com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;

VI- autor de infração penal.

Desse modo, neste rol estariam inclusos praticamente 70% da população infanto-juvenil. Sendo assim, quem realmente estaria na situação irregular seria o Estado brasileiro e não os “menores” (SARAIVA, 2009).

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O Código revogado não passava de um Código Penal do “Menor”, disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras sanções, ou seja, penas, disfarçadas em medidas de proteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele quanto a assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio â família; tratava da situação irregular da criança e do jovem, que, na realidade, eram seres privados de seus direitos.

No que tange a doutrina da situação irregular, percebe-se que a mesma era restrita, se limitando a enquadrar apenas os casos aludidos no art. 2º do Código de Menores. Sendo assim, o campo de atuação dos Juizados de Menores era restrito aos carentes e delinquentes, sendo que as demais questões referentes a crianças e adolescentes deveriam ser discutidas pelo regramento do Código Civil (AMIN, 2009).

Quanto ao papel do Juiz de Menores, importa ressaltar que o mesmo era visto como “um bom pai de família”, que podia adotar a medida que achasse mais adequada, por seu livre arbítrio, não havendo assim abuso ou desvio de poder, pois para ele quase tudo era permitido (SÊDA, 2009). Ou seja, o juiz menorista detinha amplo poder discricionário sobre a família e a criança.

Nesse aspecto, em seu artigo, Etelma Tavares de Souza (2009, p. 9) preleciona sobre a origem da referida doutrina:

A Doutrina da Situação Irregular tem raízes no contexto norte-americano de fins do séc. XIX e da Europa, no início do XX e está relacionada com a cultura da compaixão e repressão que se instalou e expandiu na América Latina. A ideologia da compaixão-repressão, aponta para uma cultura que não quis, não pôde ou não soube oferecer proteção aos setores mais vulneráveis da sociedade, a não ser declarando previamente algum tipo de segregação estigmatizante.

Segundo alguns doutrinadores (MENDEZ; COSTA, 1994), esta ideologia de “compaixão-repressão” era voltada basicamente à crianças e adolescentes abandonados, vitimados pelos maus-tratos e abuso, e que estariam predispostos a infringir a lei.

A partir deste aspecto se extrai uma das principais características da doutrina da situação irregular, qual seja, o tratamento dos menores como simples objetos, e não como sujeitos de direitos. Nesta esteira, resumidamente João Batista Costa Saraiva (2002, p. 14) observa que a referida doutrina

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[...] parte do pressuposto que haveria uma situação regular, padrão, e que a criança e o adolescente tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma “patologia social”, a chamada situação irregular, ou seja, quando não se ajusta ao padrão estabelecido. A declaração de situação irregular tanto pode derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de “desvio de conduta”), como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono).

Desse modo, crianças e adolescentes eram tratados como objetos de intervenção do Estado, sendo reconhecidos como incapazes, e portando, sendo as regras voltadas especificadamente para os “menores”. Por conseguinte, eram as condições que os cercavam que o tornavam um menor em situação irregular, sejam elas a sua família ou sua condição social. Em suma:

Essa doutrina via crianças e adolescentes como menores ou em situação irregular porque através dela se viam meninos e meninas não naquilo que eram (seres regulares), mas naquilo que não eram (seres irregulares). Não eram capazes, não eram sujeitos de direitos e de deveres, não eram autônomos em relação aos seus pais ou em relação ao Estado. (SÊDA, 2009, p. 12).

Ademais, havia certa ambiguidade nos termos utilizados, de modo a generalizar os alvos de aplicação das medidas, atingindo assim grande parte da população infanto-juvenil. Além disso, esta doutrina é embasada na ideia de que os menores são objetos de proteção da norma, sendo que “esta „proteção‟ frequentemente viola ou restringe direitos, porque não é concebida desde a perspectiva dos direitos fundamentais.” (SARAIVA, 2009, p. 53). Estes são apenas garantidos para pessoas adultas, não “menores”.

Ressalta-se ainda que o menor é visto como incapaz, sendo assim irrelevante a sua opinião, suas crenças ou escolhas. E neste contexto, visto como incapaz e em situação de irregularidade, segundo Sêda (2009) surge uma nova categoria intitulada “delinquência juvenil” que nada mais era do que o menor pobre e abandonado que se lança a prática de infrações penais.

E por fim, mas não menos importante, a doutrina da situação irregular caracteriza-se pelo fato de as medidas “protetivas”, que incluíam a privação de liberdade, não eram aplicadas à luz das mesmas garantias que detinham os adultos. E ainda, segundo Saraiva

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(2009) a sua aplicação não dependia do fato cometido, bastando a existência da situação irregular.

Enfim, consagrou-se na realidade um sistema de controle de pobreza, “[...] na medida em que se aplicavam sanções de privação de liberdade a situações não tipificadas como delito, subtraindo-se garantias processuais.” (SARAIVA, 2009, p. 54). Em consequência disso, e com o avanço das questões relacionadas aos direitos humanos, não só relativos à infância, mas aos próprios cidadãos, é que a doutrina da situação irregular veio a sucumbir, sendo substituída pela doutrina da proteção integral, com a criação da Lei 8.069 em1990.

1.3 O Estatuto da Criança e Adolescente e a doutrina da proteção integral

Com o advento da Constituição Brasileira de 1988, e posteriormente com Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989), bem como com a criação da Lei 8.069 em 13 de julho de 1.990, intitulada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consolidou-se a chamada “Doutrina da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente”.

A referente doutrina, segundo Saraiva (2002), parte do pressuposto do reconhecimento dos direitos e obrigações das crianças e adolescentes, sendo as mesmas reconhecidas pela peculiar condição de pessoas em desenvolvimento. Este entendimento vem a substituir a antiga “Doutrina da Situação Irregular”, conceituada anteriormente.

Em comparação com a doutrina da situação irregular, a doutrina da proteção integral absorve os princípios fundamentais elencados na Convenção dos Direitos da Criança, substituindo de vez o chamado “Direito do Menor”.

Cabe ainda ressaltar, que esta doutrina tem aplicabilidade para as crianças, pessoas que tem 12 anos incompletos, e adolescentes dos 12 aos 18 anos de idade, conforme o elucidado no artigo 2º do ECA.

1.3.1 A doutrina das Nações Unidas de proteção integral à criança

A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi instituída pela ONU em 1959. No entanto esta só foi de fato efetivada quando da realização da Convenção das Nações Unidas

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de Direito da Criança, aprovada em 1989 (SARAIVA, 2009). A partir de então, segundo Saraiva (2009, p. 59), “[...] os Direitos da Criança passam a se assentar sobre um documento global, com força coercitiva para os Estados signatários, entre os quais o Brasil.”

Sobre a importância da Convenção para a Declaração Universal dos Direitos da Criança, Mendez tece importante comentário:

A Convenção constitui, sem dúvida alguma, uma mudança fundamental determinando uma percepção radicalmente nova da condição da infância. Do menor, como objeto da compaixão-repressão, à infância-adolescência, como sujeito pleno de direitos, é a expressão que melhor poderia sintetizar suas transformações. A Convenção constitui um instrumento jurídico para o conjunto do universo infância e não somente para o menor abandonado-delinquente, como resultava da letra e, mais ainda, da práxis das legislações inspiradas na doutrina da situação irregular.(MENDEZ, 1994, p. 72).

Ademais, a doutrina da proteção integral, adotada também pela Constituição Federal em seu art. 227, baseia-se em outros documentos além da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), quais sejam: as Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça de Menores, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinquência juvenil (SARAIVA, 2009).

Diante disso, superada por completo a doutrina da situação irregular, crianças e adolescentes passam a ser vistos como sujeitos de direitos e titulares de obrigações de acordo com a sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimentos.

Tal doutrina veio a se consolidar com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, que nada mais é do que uma legislação infraconstitucional brasileira inspirada na Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança.

1.3.2 A criança sujeito e a criança objeto

Conforme o referido no item 1.2.2 do presente trabalho o Código de Menores, mesmo após a sua “reforma”, considerava crianças e adolescentes como objetos de intervenção do Estado, sendo estes “menores” tratados como seres desprovidos de direitos, voz ou poder de escolha, ou seja, os considerava incapazes.

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Com o advento do ECA, e a consequente aplicação da doutrina da proteção integral, crianças e adolescentes deixam de ser “menores” passíveis de intervenção do Estado, da família e da sociedade, sendo que estes, é que passam a ser garantidores da efetivação de seus direitos (SOUZA, 2009).

Assim, o ECA, vem a confirmar o mencionado no art. 227 da Constituição Federal, de modo a garantir os direitos fundamentais de uma forma ampla, à todos, inclusive a crianças e adolescentes. Em seu art. 4º o Estatuto assim determina:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Sobre o art. 227 da Constituição Federal, Wilson Donizeti Liberati (2003, p. 18) tece comentário de extrema relevância:

Os direitos fundamentais da criança e do adolescente são os mesmos direitos de qualquer pessoa humana, tais com o direito à vida e à saúde, à educação, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à cultura, ao lazer e ao esporte, à profissionalização e à proteção no trabalho. Estes direitos são garantidos na Constituição Federal (art. 5º) e consignados no Estatuto.

A garantia e a proteção desses direitos deverão ser exercidos, assegurado aos seus beneficiários, quer pela lei ou por qualquer outro meio, todas as facilidades para o desenvolvimento físico, moral, mental, espiritual e social, com dignidade e liberdade.

Da mesma forma, o art. 15 do Estatuto garante os direitos civis, humanos e sociais expressos constitucionalmente, enfatizando que os direitos devem ser garantidos também a classe da infância, sem restrições.

1.3.3 Da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento

Outra característica de suma importância introduzida pelo artigo 5º do ECA, consiste no tratamento dos chamados “menores” como pessoas em desenvolvimento, sendo este físico, mental, emocional, cognitivo e sócio cultural. Nas palavras de Souza (2009, p. 12), são

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tratados como tal, pois “[...] não conhecem plenamente seus direitos, não têm condições de exigir sua concretização e nem possibilidade de suprir, por si mesmos, suas necessidades básicas.”.

Nesta senda, sobre a condição de pessoas em desenvolvimento, Saraiva (2009, p. 63) brilhantemente explica:

[...] não se trata de incapazes, meias-pessoas ou pessoas incompletas, mas sim pessoas completas, cuja particularidade é que estão em desenvolvimento. Por isso se reconhecem todos os direitos que têm todas as pessoas, mais um plus de direitos específicos precisamente por reconhecer-se que são pessoas em peculiar condição de dereconhecer-senvolvimento.

Assim, entende-se que a particularidade desta classe, é que são pessoas que estão crescendo, desenvolvendo suas opiniões próprias e a visão de mundo de acordo com as circunstâncias a que são submetidas. Mais precisamente no que tange aos adolescentes, estes não são ainda adultos, e já passaram da fase de crianças, ou seja, “[...] possuem uma fragilidade peculiar de pessoas em formação, correndo mais riscos que um adulto, por exemplo.” (AMIN, 2009, p. 20).

1.3.4 Do princípio da prioridade absoluta

O princípio da prioridade absoluta determina o tratamento prioritário à crianças e adolescentes, sendo de fato concretizado na Constituição Federal em seu art. 227.

Nas palavras de Liberati (2003, p. 18) quanto ao termo “absoluto prioridade” devemos entender que “[...] a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governante [...]” Conforme exemplifica Liberati (2003), deve-se dar prioridade a construção de creches, escolas ao invés de asfaltar ruas ou construir praças, por exemplo.

A promotora Andréia Rodrigues Amin (2009, p. 20) explica que o princípio da prioridade absoluta

Estabelece primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesse. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou

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familiar, o interesse infanto-juvenil deve preponderar. Não comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha foi realizada pela nação através do legislador constituinte. [...]

Ressalta-se que a prioridade tem um objetivo bem claro: realizar a proteção integral, assegurando primazia que facilitará a concretização dos direitos fundamentais enumerados no art. 227, caput, da Constituição da República e renumerados no caput do artigo 4º do ECA.

Ademais, esta prioridade deve ser prezada pela família, pela comunidade, sociedade, e pelo poder público.

Primeiramente pela família, tendo em vista seu dever de formação decorrente do poder familiar, mas além disso relevante é “[...] seu dever natural de se responsabilizar pelo bem-estar de suas crianças e adolescentes, pelo vínculo consanguíneo ou simplesmente afetivo.” (AMIN, 2009, p. 20).

A comunidade e a sociedade em geral também são responsáveis em resguardar os direitos fundamentais dos menores, em razão de seu comportamento e responsabilização. E por fim o Poder Público, deve também primar em todas as suas esferas pelos direitos fundamentais infanto-juvenis (AMIN, 2009).

Importa ressaltar ainda que, segundo Mendez (1994), a doutrina da proteção integral, que teve por princípio principal o da absoluta prioridade, bem como os princípios constitucionais, incorpora ainda princípios basilares do direito como o Princípio da Humanidade, da Legalidade, da Jurisdicionalidade, do Contraditório, entre outros.

1.3.5 Das medidas protetivas

O artigo 4ª do ECA determina que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado primar pelos direitos das crianças e adolescentes, respeitando o princípio da proteção integral, e de forma prioritária.

Nesta senda, o Estatuto age como um instrumento de defesa dos direitos juvenis, abarcando ainda os princípios constitucionais e direitos fundamentais de todo ser humano, como o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à recreação, às convivências familiar e comunitária, assegurados pelo artigo 227 da CF/88 (LIBERATI, 2003).

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Quando tais direitos se vêem ameaçados ou violados, por omissão da sociedade, do Estado, dos pais, ou em razão de sua própria conduta, devem ser aplicadas as medidas de proteção, elucidadas no ECA em seu artigo 98.

Segundo Edson Sêda (apud LIBERATI, 2008, p. 81), as medidas de proteção são “providências adotadas por autoridades com poderes especiais sempre que crianças e adolescentes, caso a caso, forem ameaçados ou violados em seus direitos”.

Tais medidas visam a salvaguardar não só as crianças e adolescentes que tenham seus direitos violados, mas também os que estejam ameaçados de violação. Sendo os conselhos tutelares e a autoridade judiciária os agentes responsáveis por esta proteção (AMIN, 2009).

Por fim, estas medidas de proteção visam a garantir a não violação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, na medida que o Estatuto lhes garante a proteção integral, de forma prioritária, respeitada as suas condições de pessoas em desenvolvimento.

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2 O DIREITO À LIBERDADE E O SEU EXERCÍCIO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Viver em “liberdade” significa viver livre de coação ou limitações sem, contudo, extrapolar os limites impostos por lei e pelos princípios gerais de direito vigentes na sociedade. Tais limitações, impostas no Estado de Direito em que vivemos, fizeram-se necessárias para a boa convivência em sociedade, haja vista que cada indivíduo deve ser visto como parte de um grupo.

Considerado um direito de 1ª geração, o Direito à Liberdade consolidou-se com o Estado Democrático de Direito, nas declarações de direito e nas Constituições, tendo se originado na Revolução Francesa. Esta ocasionou a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que segundo José Afonso da Silva (1994, p. 145) “[...] proclama os princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas [...]”

Importa ressaltar que, muito embora o direito à liberdade tenha se consagrado com a Revolução Francesa, ele já havia sido citado em outros países. Na Inglaterra foram elaboradas várias cartas e estatutos assecuratórios dos direitos fundamentais, destacando-se a Declaração de Direitos (Bill of Rights) que decorreu da Revolução de 1688. Da mesma forma, na América consagrou-se a primeira declaração garantista, a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínea, em 1776 (SILVA, 1994).

O direito à liberdade deve ser visto como um direito fundamental garantido a todos, indiscriminadamente, nas palavras de Silva (1994), deve ser expresso como a possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários a realização da felicidade pessoal. Ou seja, a idéia de liberdade, de uma maneira ampla, "[...] é o poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão.” (SILVA, 1994, p. 212).

No que tange à infância e adolescência, o direito à liberdade, previsto nos artigos 5º e 227 da Constituição Federal Brasileira e nos artigos 4º e 16 do Estatuto, é determinante no desenvolvimento da personalidade infanto-juvenil. E esta liberdade, apesar de ter suas restrições no próprio Estatuto, não pode ser de todo violada pelo Estado, pela sociedade e pela família.

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2.1 A liberdade como direito fundamental de primeira geração

Os direitos fundamentais são aqueles intrínsecos no texto constitucional, de modo que possuem um grau mais elevado devido a sua imutabilidade. Ou ainda, aqueles elementares a garantir uma vida digna e provida de liberdade e igualdade (BONAVIDES, 2003).

Em 1979, em uma conferência do Instituto Internacional de Direitos Humanos, os direitos fundamentais foram classificados em gerações, inspirados no lema da Revolução Francesa. Nas palavras de Paulo Bonavides (2003, p. 562),

[...] o lema revolucionário do século XVIII, esculpido pelo gênio político francês, exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade.

Neste sentido, a classificação dos direitos fundamentais foi brilhantemente explicada nas palavras de Celso de Mello (apud MORAES, 2002, p. 59):

[...] enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam como as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial ineuxaribilidade.

Nesta senda, os direitos da liberdade são considerados os de primeira geração, ou seja, os primeiros a serem expressos nos documentos constitucionais, especialmente no Ocidente, a saber, os direitos civis e políticos (BONAVIDES, 2003).

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (BONAVIDES, 2003, p. 563-564).

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Importa salientar a apreciação de Kant (apud BOBLIO, 2003), o qual preleciona que um dos aspectos positivos da Revolução Francesa, é de que o povo tomou consciência de que poderia decidir seu próprio destino, ou seja, consagrou-se o direito à liberdade no sentido da autodeterminação como a capacidade de poder escolher as regras as quais submeter-se.

Assim, percebe-se que este direito primário surgiu a partir do momento em que o povo mostrou-se insatisfeito com a repressão do Estado, opondo-se as regras já estatizadas e primando pela sua individualidade.

2.2 O conceito do direito à liberdade

Antes de conceituar o direito à liberdade como um direito fundamental, importa tecer algumas considerações.

Primeiramente, a liberdade era correlacionada à palavra “necessidade”, segundo as considerações idealistas e metafísicas. Conforme explica Silva (1994), alguns filósofos pregavam pela ligação entre liberdade e necessidade, entendendo que aquela só existia em função desta (determinismo absoluto), e não por simples livre arbítrio.

Há também de se falar em liberdade interna e externa, sendo a primeira relacionada ao livre arbítrio, à liberdade psicológica e moral. Em outras palavras, a liberdade é denominada interna, no sentido de que “[...] a decisão entre duas possibilidades opostas pertence, exclusivamente, à vontade do indivíduo; vale dizer, é poder de escolha, de opção, entre fins contrários.” (SILVA, 1994, p. 225). Já a liberdade externa, consiste em como o querer individual irá repercutir externamente, ou seja, a liberdade de fazer (SILVA, 1994).

O conceito de liberdade, primeiramente pode ser entendido como um estado em que se está livre de coação ou limitações. O poder pensar, dizer e fazer segundo o livre arbítrio, sem interferência dos outros.

Segundo Silva (1994, p. 212),

[...] o conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua

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felicidade [...] liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal.

Assim, entende-se como direito à liberdade agir de acordo com o livre arbítrio, de maneira consciente, sem, no entanto, desrespeitar as normas da sociedade e a liberdade do próximo. Sendo que o objetivo maior deste direito é respeitar as suas necessidades e vontades, com um intuito de sentir-se realizado.

E ainda, o direito à liberdade não deve ser visto como um direito absoluto, e sim ser exercido juntamente com os demais direitos fundamentais, que servem para garantir a convivência digna, livre e igualitária do ser humano dentro da sociedade em que vive.

2.3 O direito à liberdade e as declarações de direitos

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela ONU em 1948, foi um dos documentos de profunda importância para a consolidação dos direitos fundamentais, especialmente do direito à liberdade.

Tal documento foi um marco do direito à liberdade, nas palavras de Bonavides (2003, p. 574), “[...] uma carta de alforria para os povos que a subscreveram, após a guerra de extermínio dos anos 30 e 40, sem dúvida o mais grave duelo da liberdade com a servidão em todos os tempos.”

Muito embora este documento não represente a obrigatoriedade legal, acabou por trazer uma série de valores e princípios, ao qual toda a ordem jurídica foi readaptada. Assim, a evolução da interpretação dos princípios intrínsecos na Declaração influenciou inclusive as Constituições de diversos países, como Brasil, Portugal e Espanha.

Importa salientar, conforme conclui Bonavides (2003), que tanto a Declaração Universal como os demais documentos declaratórios do século XVII, contribuíram e vêm contribuindo de forma significativa para a formação de uma sociedade mais democrática e igualitária.

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No que tange ao direito à liberdade, este é primeiramente citado no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que diz que “os homens nascem livres iguais”. No artigo 2º, a liberdade é expressa como um direito natural do homem que deve ser conservada por toda associação política. E, por fim, o direito à liberdade é consagrado no artigo 4º da Declaração, nos seguintes termos:

Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Também no artigo 7º da referida Declaração, é garantido que ninguém pode ser privado de liberdade, senão nos casos determinados pela lei, e no artigo 11 fala-se da liberdade de comunicação.

Outro documento relevante foi o Pacto San José da Costa Rica (1978), um tratado internacional formado por países americanos que consagrou, dentre outros, o direito à liberdade. Da mesma forma, antes disso a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela ONU em 1948 enfatiza o direito à liberdade já em seu 1º artigo: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

E ainda, o direito à liberdade é enaltecido na Declaração dos Direitos da Criança onde é garantido aos menores viver em “condições de liberdade e dignidade” no Princípio II. Por fim, o documento mais importante visando a proteção integral de crianças e adolescentes, a Declaração Internacional dos Direitos das Crianças (1989), garante aos menores o direito a liberdade nas suas mais variadas formas.

2.4 O direito à liberdade na Constituição Federal de 1988

Conforme já ressaltado, a Declaração Universal influenciou significativamente as constituições brasileiras. Entretanto, algumas crises políticas nacionais também influenciaram.

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Exemplo claro do acima afirmado, foi a crise constitucional, que se passou no período do autoritarismo no Brasil regada a Atos Institucionais e decretos-leis, e que acabou por desmoralizar a sociedade, bem como os direitos fundamentais (BONAVIDES, 2003).

No entanto, após várias mudanças políticas e constitucionais, promulgou-se em 05 de outubro de 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil, engajada na defesa dos direitos fundamentais do ser humano, trazendo no seu texto uma série de princípios e garantias, dentre eles o direito à liberdade.

Ao analisá-la, percebe-se que já no artigo 3º o legislador atribui como objetivo fundamental da República do Brasil, construir uma “sociedade livre”, enfatizando assim o poder de decidir, de pensar e de agir da sociedade.

No caput do artigo 5º da CF/88, o direito à liberdade é consagrado como uma garantia constitucional, onde o ser humano é considerado como parte de um grupo, de uma sociedade. Vejamos:

Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

Nesta senda, o inciso II do referido dispositivo preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude da lei”. Sendo esta, nas palavras de Silva (1994, p. 229) “[...] a liberdade-matriz, a liberdade-base, que é a liberdade de ação em geral, a liberdade geral de atuar [...]”

Silva (1994) diz ainda que este dispositivo é um dos mais importantes da nossa atual Constituição, pois além de garantir a liberdade de ação, correlaciona liberdade com legalidade, no sentido de que a aquela só será restrita por norma jurídica válida e legítima.

Assim, o direito à liberdade deve ser tratado como regra, e não como exceção, por se tratar de um princípio, conforme brilhantemente esclareceu Pimeta Bueno (apud SILVA, 1994, p. 230):

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A liberdade não é pois exceção, é sim a regra geral, o princípio absoluto, o Direito positivo; a proibição, a restrição, isso sim é que são as exceções, e que por isso mesmo precisam ser provadas, achar-se expressamente pronunciadas pela lei, e não por modo duvidoso, sim formal, positivo; tudo o mais é sofisma. [...] Em dúvida prevalece a liberdade, porque é o direito, que não se restringe por suposições ou arbítrio, que vigora, porque é facultas

ejus, quod facere licet, nisi quid jure prohibet.

Neste sentido, nos incisos seguintes do artigo 5º é garantida uma ampla liberdade à sociedade, dentre elas a liberdade de pensamento, de ação profissional, as liberdades coletivas, e a da pessoa física.

Esta última, considerada também a liberdade de locomoção, está expressa no artigo 5º, inciso XV da CF/88, e nada mais é do que o poder de as pessoas agirem e locomoverem-se de acordo com a sua própria vontade, em tempos de paz, no território nacional, no sentido de ir e vir, ficar ou permanecer (SILVA, 1994).

Outra manifestação de liberdade é a de pensamento, que segundo Sampaia Dória (apud SILVA, 1994, p. 234) “[...] é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte, ou o que for.”

Silva (1994) explica que a liberdade de pensamento nada mais é do que a exteriorização do pensamento, na medida que abrange a liberdade de opinião, de comunicação, religiosa, e de expressão intelectual, artística e científica.

Também é importante esclarecer a chamada liberdade de ação profissional (artigo 5º, inciso XIII da CF), ou ainda a liberdade de poder escolher e exercer o ofício ou profissão, no sentido de que o Estado não pode constranger alguém a escolher ou exercer outra (SILVA, 1994).

Já as liberdades de expressão coletivas, conferidas em função dos interesses da coletividade abrangem os direitos à informação, à representação associativa, do consumidor, de reunião e de associação (SILVA, 1994).

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Importa considerar ainda o artigo 227 da CF/88, o qual trata do exercício do poder familiar (pátrio poder), responsabilizando a família, a sociedade e o Estado assegurar à criança e ao adolescente uma série de direitos fundamentais. Vejamos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Outra inovação do constituinte de 1988, inspirado na Emenda de 1926, foi de sancionar remédios constitucionais que protegessem o Direito à Liberdade, como o habeas

corpus e o mandado de segurança, consagrados no artigo 5º, incisos LXVIII e LXIX,

respectivamente (BONAVIDES, 2003).

Assim, o direito a liberdade é garantido constitucionalmente em vários dispositivos, e por tal motivo, devem ser respeitadas as várias liberdades que nos são proporcionadas.

2.5 O direito à liberdade no Estatuto da Criança e do Adolescente

O ECA, conforme as considerações feitas no item 1.3 deste trabalho, é regido pela doutrina da proteção integral e amparado pelos direitos fundamentais consagrados na CF/1988 e na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1989 (SARAIVA, 2009).

Com a proteção integral, crianças e adolescentes passam a serem vistos como sujeitos de direitos e titulares de obrigações, respeitas a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, haja vista que não conseguem suprir suas necessidades básicas e não conhecem plenamente seus direitos (SOUZA, 2009).

São pessoas que estão crescendo, e segundo Amin (2009), estão desenvolvendo suas próprias opiniões e visão do mundo, ou seja, são pessoas em formação.

Por tais motivos, o Estatuto abarcou uma série de direitos já garantidos constitucionalmente, estando o direito à liberdade expresso primeiramente em seu artigo 4º. Este enumera os direitos fundamentais que deverão ser garantidos e protegidos pela família,

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pela comunidade e pela sociedade em geral, de modo que contribuam para o desenvolvimento físico, moral e mental de crianças e adolescentes (LIBERATI, 2002).

Também o direito à liberdade encontra-se citado no artigo 15 do ECA:

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Percebe-se no referido dispositivo, que o direito à liberdade encontra-se intrinsecamente ligado a igualdade, sendo que estes dois valores derivam do princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, tratam-se de valores destinados a assegurar a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento de crianças e adolescentes (LIBERATI, 2002).

Destarte, de maneira mais específica, o direito à liberdade encontra-se claramente regulamentado no artigo 16 do ECA, conforme segue:

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso;

IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei;

VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

Denota-se neste artigo, que a liberdade garantida aos menores assemelha-se à que nos é garantida no artigo 5º da Constituição, com algumas peculiaridades, como por exemplo o direito a brincar e divertir-se.

Importa salientar ainda, que a idéia de liberdade implantada neste dispositivo vem a combater a doutrina da situação irregular, que via o menor como um problema em situação de irregularidade. Com a consagração deste direito no Estatuto, dá-se maior autonomia aos adolescentes, limitando o poder discricionário da família, do Estado e da sociedade.

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Algumas delas não se aplicam à criança, como as liberdades de iniciativa econômica, de comércio e de contrato, nem a de escolha de trabalho, oficio e profissão, porque seu exercício requer condições de capacidade que ela não possui, dado que lhe falta o discernimento adequado para determinar-se convenientemente em face do objeto da escolha. O adolescente, depois dos 16 anos de idade, adquire relativa capacidade para o exercício dessas liberdades (CC, art. 6°, I), assistido pelos pais ou tutores (CC, arts. 384, V, e 406). É certo, ainda, que se reconhece ao adolescente maior de 14 anos a possibilidade de acesso ao trabalho, do que decorre também a liberdade de escolha de trabalho, ofício e profissão, sob orientação familiar, atendidas as condições do art. 5°, XIII, da CF.

Nesta senda, percebe-se que o artigo 16 do ECA não é taxativo, e sim explicativo, havendo tanto no Estatuto, quanto na Constituição vários outros dispositivos referentes à liberdades que se aplicam aos menores, não excluindo é claro, os princípios basilares do direito.

No que tange à liberdade de ação, que é a mais relevante em relação ao tema principal deste trabalho, qual seja, o toque de recolher, importa considerar que a própria Constituição impõe algumas restrições quando, por exemplo, proíbe o trabalho perigoso, insalubre e noturno.

O direito de locomover-se em logradouros públicos e espaços comunitários, de que trata o inciso I do artigo 16 do ECA também é restrito, “[...] pois estão sujeitos à autorização dos pais ou responsáveis, segundo seus critérios de conveniência e de educação.” (CURY; SILVA; MENDES, 2002, p. 65). Critérios estes que não devem conter constrangimento abusivo que possa ser considerado uma situação de crueldade.

O Estatuto ainda restringe este tipo de liberdade, quando diz que deve ser respeitada a faixa etária dos locais públicos e espetáculos que frequentarem (artigo 75 do ECA); de que não podem frequentar locais onde acontecem jogos e apostas (artigo 80 do ECA); e proíbe ainda a viagem para fora da comarca onde residem sem autorização e desacompanhados dos pais ou responsáveis (artigo 83 do ECA).

Os artigos 84 e 85 restringem também a viagem para o exterior nas mesmas circunstâncias do artigo 83. E, por fim, o artigo 106 do Estatuto diz que o adolescente pode ser privado de sua liberdade se praticar ato infracional.

(37)

Enfim, o direito à liberdade é uma garantia dada as crianças e adolescentes como a qualquer ser humano, pois assim devem ser tratados. Porém, devido a sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento, é que esta liberdade possui algumas restrições. Restrições estas que devem sim ser respeitadas, não como regra, mas como exceções do direito à liberdade.

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3 O TOQUE DE RECOLHER E A PROTEÇÃO DO ADOLESCENTE: CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGITIMIDADE DA MEDIDA

A Constituição Brasileira estabelece em seus artigos 5º e 227 o direito à liberdade como um direito fundamental. Da mesma forma, pela peculiar condição de desenvolvimento dos menores e respeitado o princípio da proteção integral, tal direito também é garantido à crianças e adolescentes nos artigos 4º e 16 do ECA.

Muito embora o direito à liberdade seja garantido não só no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) mas também constitucionalmente, em alguns municípios brasileiros vem sendo implantada a medida conhecida como toque de recolher, ou recolhimento obrigatório. Tal medida consiste basicamente na imposição, por autoridade competente, de horários para o recolhimento dos menores de 18 anos, sob a premissa de reduzir a violência e a prática de atos infracionais, visando o interesse público.

Entretanto, importa considerar a legitimidade desta medida perante a Constituição Federal e o Estatuto, e se, de alguma forma ou de outra tal medida afronta diretamente o direito à liberdade garantido à crianças e adolescentes.

Nesta senda, far-se-á uma breve introdução sobre a origem e conceito histórico da referida medida, bem como os objetivos da mesma. E ainda, sobrepesar seus prós e contras eis que o toque de recolher pode ser considerado uma afronta aos preceitos constitucionais, especialmente ao direito à liberdade.

3.1 O toque de recolher: origem e conceito histórico

Historicamente o “toque de recolher”, também denominado “recolhimento obrigatório”, vem sendo adotado como uma medida de repressão política, ou ainda visando a segurança pública da sociedade e a garantia da ordem civil (FERREIRA; BATALHA, 2009).

Supõe-se que a referida medida originou-se na Europa, durante as grandes guerras, quando as pessoas eram obrigadas a recolher-se sob o toque das sirenes. Exemplo claro era o recolhimento obrigatório dos judeus, na Alemanha nazista nos anos de 1933 e 1945 (FERREIRA; BATALHA, 2009).

(39)

Também na mesma época das grandes guerras, o toque de recolher foi aplicado nos Estados Unidos contra japoneses e seus descendentes, e nas décadas seguintes, contra os cidadãos afro-americanos através da Lei Jim Crow (TOQUE..., 2011, p. 1).

Percebe-se, desta forma, que essa prática foi adotada nos períodos difíceis da história da humanidade, especialmente em eras ditatoriais, em que inexistiam os direitos e garantias individuais do ser humano. Nas palavras de Rosinei Paes Ancelmo (2010) “A medida é um retrocesso que retoma o pensamento da idade média e do „período de chumbo‟, segundo o qual os direitos e garantias individuais eram ignorados, notadamente no que diz respeito à criança e ao adolescente.”

Entretanto, muito embora tal medida pareça tão antiga e ultrapassada, vem sendo arbitrariamente aplicada em algumas cidades brasileiras, onde os menores de 18 anos são impedidos de circular pelas vias públicas, após determinado horário da noite. No Brasil, tem-se noticia da instituição do toque de recolher nas cidades paulistas de Fernandópolis, Ilha Solteira e Itapura e em outros estados brasileiros.

Conclui-se, portanto, que o toque de recolher foi e continua sendo utilizado como uma forma restritiva de direitos das minorias, antigamente das classes desprovidas de direitos como judeus e negros, e hoje, de crianças e adolescentes que possuem seus direitos limitados.

3.2 A restauração da doutrina da proteção irregular

O toque de recolher vem sendo aplicado sob o pressuposto de satisfazer o interesse público, visando especialmente a diminuir os índices de delinqüência juvenil. Por conta disso, muitos estudiosos se posicionam no sentido de que, com a aplicação desta medida, volta-se à época em que crianças e adolescentes eram tratados como objetos de intervenção do Estado e não como sujeito de direitos, restaurando-se assim a doutrina da situação irregular.

Conforme o já tratado no item 1.2 do presente trabalho, na doutrina da situação irregular os menores que se encontrassem em situação de abandono e/ou os delinquência eram submetidos a uma espécie de tratamento adequado, que ia do abrigo à internação (CAVALLIERI, 1978).

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