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Uma das modificações mais relevantes da revisão do Código do Trabalho neste

EFEITOS DA AQUISIÇÃO DE EMPRESAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

I. Uma das modificações mais relevantes da revisão do Código do Trabalho neste

domínio respeita ao regime da responsabilidade pelas dívidas aos trabalhadores.

64 No mesmo sentido, JOANA VASCONCELOS, «A transmissão da empresa ou estabelecimento no Código do

Trabalho», Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 71 (2005), págs. 89-91.

65 Neste sentido, RODRIGO SERRA LOURENÇO, «Sobre o direito...», cit., págs. 286-287, quando refere que a

doutrina do Acórdão Katsikas espelha a "opção do TJCE em não se imiscuir no que seja o respectivo conteúdo [do direito à oposição], impondo apenas aos Estados-membros uma obrigação de resultado no sentido de garantir ao trabalhador que não terá de trabalhar para o concessionário se não o desejar”. Doutrina essa que, no entender deste Autor, tanto levaria à exclusão da tese minirnalista por nós defendida (na medida em que o recurso à denúncia com aviso prévio poderá não ser suficiente para assegurar ao trabalhador que não terâ de pennanecer ao serviço do transmissário), como da tese que sustenta que o direito de oposição tem um conteúdo preciso, designadamente, por se traduzir num direito de resolução imediata pelo trabalhador, com direito à compensação fixada para as situações de justa causa assente em comportamento ilícito do empregador.

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Considerando que o princípio geral subjacente ao regime da transferência do estabelecimento é o da neutralidade da transmissão quanto à posição dos trabalhadores que nele exercem a actividade laboral, e tendo em conta que o adquirente ingressa automaticamente, por força da lei, na posição de entidade empregadora nos contratos de trabalho transmitidos, anteriormente ocupada pelo alienante, a lei impõe ao adquirente e ao alienante uma responsabilidade solidária pelas dívidas laborais existentes antes da transmissão.

Contudo, a responsabilidade do transmitente tem dois limites (art. 285.º, n.º 2): primeiro, só responde pelas dívidas que se vencerem até à data da transmissão; segundo, a sua responsabilidade só se mantém durante um ano, contado desde a data da transmissão.

Já a responsabilidade do adquirente ou transmissário não tem restrição, respondendo por todas as dívidas contraídas pelo transmitente (portanto, anteriores à transmissão), tenha ou não o respectivo pagamento sido reclamado pelos trabalhadores. Trata-se de uma responsabilidade especialmente alargada, dado o regime de prescrição dos créditos laborais, os quais, segundo o entendimento dominante, não estão sujeitos à extinção por prescrição enquanto o contrato de trabalho se mantiver em vigor - cfr. art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho. Assim, pode suceder que, mesmo depois de decorridos muitos anos após a aquisição do estabelecimento, o transmissário seja confrontado com a exigência de pagamento de dívidas emergentes das relações de trabalho contraídas pelo transmitente, ainda que tais dívidas sejam muito anteriores à aquisição66.

A alteração trazida pela revisão do Código do Trabalho consistiu na eliminação da possibilidade que era conferida ao adquirente de limitar a sua responsabilidade relativamente

66A menos que se defenda uma leitura diferente da regra sobre prescrição constante do art. 337.º, na linha

do que recentemente veio propor BERNARDO LOBO XAVIER, "Prescrição de créditos laborais", RDES, 2008, n.ºs 1-4, págs. 243-255. A ideia central desta leitura (que sufragamos) é que a norma da legislação laboral apenas estabelece um prazo especial de prescrição (de um ano) para as situações em que o contrato de trabalho cessa, mas que não afasta a aplicação da regra geral da prescrição na constância da relação de trabalho. Assim, na vigência do contrato de trabalho os créditos dele emergente (do trabalhador e do empregador) ficariam ainda sujeitos aos prazos gerais de 20 e de 5 anos dos arts. 309.º e 310.º CC. A estes prazos acresceria, apenas para o período subsequente à cessação do vinculo laboral, o prazo especial de um ano do art. 337.º do Código do Trabalho.

De qualquer modo, mesmo acolhendo esta interpretação, mantém-se o problema referido no texto, pois o transmissário sempre poderá ser confrontado com a exigência de pagamento de créditos laborais vencidos muitos anos antes de ter adquirido a empresa (no limite, há 20 anos).

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às dividas contraídas pelo transmitente junto dos trabalhadores. Essa limitação (prevista no art. 319.º, n.º 3, do CT de 200367) operava-se do seguinte modo: desde que tivesse cumprido o

dever de informação e de consulta inerente ao procedimento de transmissão, o transmissár.io podia avisar os trabalhadores para, no prazo de três meses, reclamarem os créditos que tinham sobre o transmitente, sob pena de os mesmos não se lhe transmitirem. Assim, através da afixação deste aviso, a responsabilidade do adquirente ficava limitada às dívidas existentes à data da transmissão cujo pagamento os trabalhadores reclamassem no referido prazo de três meses. Tal implicava que, nestas situações, os créditos existentes em data anterior à da aquisição da empresa ou estabelecimento se podiam extinguir pelo desaparecimento da responsabilidade do transmitente: como este só responde pelas obrigações existentes à data da transmissão durante o ano subsequente à mesma, se os trabalhadores as não reclamassem junto do adquirente no prazo de três meses, nenhuma das duas entidades ficaria responsável pelo pagamento.

Pode assim dizer-se que a evolução da legislação laboral nesta matéria se caracteriza pelo reforço da garantia dos créditos dos trabalhadores através do alargamento da responsabilidade do adquirente. No confronto com a LCT, a versão original do Código do Trabalho já havia ampliado essa responsabilidade, pois naquela a afixação do aviso para a reclamação das dívidas permitia que o transmissário só respondesse pelas dívidas vencidas nos seis meses antes da transmissão que fossem reclamadas até à transmissão, tendo o Código de 2003 estendido a responsabilidade do adquirente a todas as dívidas anteriores à transmissão, desde que reclamadas nos três meses subsequentes68. Na revisão de 2009 o Código do

Trabalho eliminou qualquer possibilidade de o transmissário limitar a sua responsabilidade, que assim passa a cobrir mesmo as que sejam reclamadas muito depois da transmissão.

ll. Note-se que as normas que regem a responsabilidade por créditos emergentes do

contrato de trabalho só se aplicam nas relações com os trabalhadores. O transmitente e adquirente são livres de regularem, entre si, os termos em que cada um responde pelas dívidas

67Na esteira do que constava do art. 37.º, n.ºs 2 e 3, da LCT, ainda que em termos algo diversos - cfr. infra,

no texto.

68 Sobre o regime da LCT ver MÁRIO PINTO, P. FURTADO MARTINS E A. NUNES DE CARVALHO, Comentário...,

cit., págs. 182-183 e M. COSTA ABRANTES, «A transmissão do estabelecimento comercial e a responsabilidade pelas dívidas laborais», QL, n.º 11 (1998), págs. 11 a 35 (onde se questionava a compatibilidade do regime nacional com o Direito comunitário neste domínio).

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aos trabalhadores. Tal regulamentação consta usualmente dos contratos através dos quais se efectiva a transmissão ou de outros acordos complementares, mas não é oponível aos trabalhadores. Assim, mesmo que o adquirente responsável perante os trabalhadores, poderá sempre, nos termos do acordo que tiver feito com o alienante, exigir deste os valores pagos.

b) Dívidas à Segurança Social

Poder-se-ia questionar se a responsabilidade pelos créditos emergentes das relações de trabalho abrangeria também as dívidas à Segurança Social que estejam ligadas à relação de trabalho. Referimo-nos, concretamente, ao pagamento das contribuições para a Segurança Social que impedem sobre o empregador, bem como à entrega das quotizações a cargo do trabalhador que aquele tem obrigação de reter. O Código do Trabalho não trata desta matéria, pelo que o regime da responsabilidade por dívidas do art. 285.º não se aplica a tais dívidas.

Tal não significa, porém, que o adquirente não fique responsável pelo pagamento das dívidas à Segurança Social que impendiam sobre o alienante. Tal responsabilidade encontra-se fixada no art. 209.º, n.º 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16.09, nos seguintes termos: "Em caso de trespasse, cessão de exploração ou de posição contratual o cessionário responde solidariamente com o cedente pelas dívidas à segurança social existentes à data da celebração do negócio, sendo nula qualquer cláusula negociai em contrário".

Obviamente, esta responsabilidade é circunscrita às dívidas previdenciais conexas com as relações de trabalho em que o adquirente ingressa por força da transmissão da empresa ou estabelecimento.

c) Responsabilidade pelo pagamento de coimas aplicadas pela prática de contra-

ordenações laborais