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9. CONCLUSÃO

9.1. Uma nova perspectiva para as relações entre civis e militares

Esse trabalho percorre áreas do conhecimento como política, sociologia e administração em busca de responder às indagações propostas na introdução desse trabalho: Como a teoria e a prática administrativas contribuem para o desenvolvimento de relações democráticas entre civis e militares no campo político-orçamentário?

Como mostra a figura A, o trabalho analítico levou a decompor essa pergunta em várias partes para que, ao final, pudesse haver uma síntese agregadora, posto que ela pode ser considerada como formada por um mosaico de fractais, por haver universos de conhecimentos formando diversas das expressões nela contida, sendo necessário que neles se aprofunde para o seu entendimento.

FIGURA 4 – MAPA CONCEITUAL DO TRABALHO ANALÍTICO DA DISSERTAÇÃO

Ao buscar entender as relações entre civis e militares, partiu-se primeiramente de uma análise da democracia, pois, sem ela, pode se esperar obter “a máquina democrática”, que se pode ligar e desligar de acordo com as circunstâncias e todas as características idealizadas aparecem no

Gestão da mudança Orçamento e política E stado e Democracia Relações entre civis e militares E strutural-construtivismo de Bourdieu

Redes de ação pública ou de interesse de Massardier

Área de interesse

dessa dissertação

Prática discursiva

ambiente. Da análise de diversos autores que a trataram, chegou-se a uma democracia muito menos romantizada e muito mais possível, em que se convive com a dialética entre o pluralismo liberal e a cidadania republicana (MOUFFE, 1996) e com a manutenção do equilíbrio dinâmico entre representatividade dos dirigentes, cidadania e respeito pelos direitos fundamentais (TOURAINE, 1996), em um ambiente de luta pelo poder (POULANTZAS, 2000) em constante legitimação (HABERMAS, 1999), conceitos que se combinam e enriquecem a visão da democracia possível contido no regime poliárquico de Dahl, apesar das críticas que se possam fazer. Nesse regime, realça-se a pluralidade dos grupos que buscam ter sua vontade atendida e se combinam para lutar por eles. O entendimento das coalizões e alianças entre esses grupos se enriquece com as teorias de Bourdieu e Massardier, teóricos que fazem uma análise crítica das relações entre indivíduos (agentes) e grupos (redes) não restritas ao ambiente democrático, o que as tornam aplicáveis a qualquer ambiente, inclusive o democrático.

A ética democrática, ensinada por meio da educação democrática e vivenciada, deveria diferenciar as relações nesse ambiente, o que nem sempre ocorre. A cidadania seria a forma de reação a essa falta de ética, passando-se ao exercício do controle social sobre a ação dos representantes e desses grupos. Não há como se fazer a dissociação entre o interesse e a atuação política dos grupos, e mesmo dos indivíduos. A ética democrática dirá se esses interesses, e os meios de alcançá-los, são legítimos ou não.

Nesse ambiente, os conceitos idealizados por Huntington, que norteiam os discursos de muitos dos teóricos das relações entre civis e militares, levam a considerar ser possível a manutenção do militar voltado apenas para o seu profissionalismo, deixando de lado a ação política, sem a devida apreciação quanto a outros grupos e redes que atuam buscando uma melhor posição no campo e o atendimento de seus interesses. Mesmo em um ambiente democrático, a ação política dos militares ocorre e deve ocorrer, caso a defesa nacional ainda seja um tema que deva constar

entre os diversos outros temas que disputam as ações governamentais, pela permanência de ameaças à soberania democrática45.

A instituição militar, como grupo de interesse que é, tem na ação política de seus representantes, em todas as suas relações com a sociedade e com a classe política, a forma de buscar auferir o capital político necessário para um melhor posicionamento nos campos em que precisa estar inserido, como por exemplo, o político-orçamentário. Encontrando formas de atuar estrategicamente dentro desse campo, a fim de manter alianças e laços de cooperação, bem como para desenvolver um discurso que mostre como é possível o emprego dessas forças combinado a esses interesses, é que gerarão o capital necessário ao campo. O controle social passa a agir sobre essas ações, permeando-a com a ética democrática e dirimindo os possíveis excessos que possam vir a ser cometidos.

Em um ambiente democrático em que a construção dos princípios ainda é a tônica, a instabilidade ainda é muito exacerbada, e por isso, a manutenção da legitimidade, por meio do discurso e de ações que gerem verdades que a sustentem, torna-se fundamental para a manutenção do capital político. Por isso é tão importante o debate sobre a prática discursiva como fonte de mudança social. A prática discursiva não envolve somente o ato do discurso em si, mas toda a forma de pensar (eidos) que impregna o discurso e as ações a ele associadas. Ao tomá-lo desse modo, passa o discurso de uma simples fonte de análise da forma de pensar de quem o emite para uma ferramenta da mudança social

A prática discursiva na construção das estruturas sociais, revela a possibilidade concreta de, por meio do discurso, mostrar o indivíduo e a sociedade como causa e efeito da relação dialética que existe entre eles. Por meio dessa prática, o indivíduo e seu grupo ajudam a construir a

sociedade, porém os diversos indivíduos e grupos da sociedade acabam construindo o indivíduo e o seu grupo. Por isso, ao participar da sociedade democrática segundo sua ética, a instituição militar e os indivíduos que a compõem ajudam a construí-la e por ela são modificados, por iniciativa própria, buscando a adaptação, ou externamente, por meio de regras e normas impostas pelo Estado legítimo. O discurso sem estar imbuído de práticas que o sustentem não é capaz de gerar a legitimidade necessária para modificar o campo.

Ao compor o discurso da própria instituição e adotar ações internas e externas, seu corpo dirigente o faz sob uma visão estratégica que orienta e define qual o estado a ser alcançado por ela. O discurso passa a ter três funções sociais para a instituição no campo político-orçamentário: Construção da realidade; inserção nessa realidade; e condicionantes para proficiência nessa realidade. Ao construir a realidade, o discurso procura mostrar qual a realidade a ser alcançada e o que se pode esperar dela, buscando formar uma imagem que legitime a sua atuação. Como instrumento de inserção, o discurso mostra a posição da instituição dentro da realidade construída e as ações adotadas por ela para atuar nessa realidade, visando angariar o capital do campo. Como condicionantes para proficiência, o discurso procura mostrar a importância de melhorar sua posição no campo, a fim de obter os recursos necessários ao seu preparo e atuação na realidade construída. Assim, a prática discursiva cria meios para o desenvolvimento de estruturas de coordenação e influência sobre redes de interesse, tanto maiores conforme a legitimidade das visões propostas. Quanto maiores as ramificações das redes movidas no campo, maior a legitimidade da instituição diante dessas redes e maior o capital político.

Assim, no campo político-orçamentário, essa capacidade de mover redes de interesse torna- se de grande valor, pois, em grande parte, deve-se a elas o empenho dos políticos envolvidos no processo de destinação orçamentária. Como representantes diretos de determinadas frações da sociedade, sob a influência de redes que compõem as regiões que representam ou dos grupos políticos a que pertencem, são fatores que detêm papel crucial na resultante entre essas e muitas outras forças que levam os políticos

a agirem no campo político-orçamentário. Também sobre os administradores do Estado, essas forças procuram atuar no planejamento e na condução das políticas públicas governamentais. Mais uma vez a dialética se estabelece, agora entre um comportamento autônomo, imune a essas influências, mas sem capital político dentro do campo, e um comportamento imbricado, munido do capital exigido para o posicionamento no campo, porém comprometido com a necessidade de gerar verdades para manter a legitimidade. Na melhor das hipóteses, a solução para esse conflito é extremamente difícil e exige princípios éticos e democráticos bastante desenvolvidos para a caminhada nessa tênue linha.

Na possibilidade de, por meio da prática discursiva, modificar, em particular, o campo e suas posições, e, de forma mais ampla, a própria sociedade, encontra-se o espaço para o desenvolvimento de toda uma teoria administrativa voltada para o uso da gestão da mudança, por ações internas e estratégicas, na construção de um ambiente mais favorável à instituição.

Dessa forma, as teorias administrativas que orientam a forma de operar a mudança ganham vulto, pois ajudam a compor uma parte substancial do mosaico dessa pesquisa. Diante do complexo ambiente que a análise sociológica mostrou ser o campo político-orçamentário da sociedade democrática brasileira, uma parte de significativo valor das relações entre civis e militares ocorre por meio das ações institucionais externas decididas e gerenciadas pelo corpo dirigente, compondo, segundo Motta (2001), ações estratégicas por lidarem com o ambiente.

As ações estratégicas para a mudança possuem uma ligação intrínseca com as ações de mudança interna, pois uma ação de mudança externa necessita de ações de mudança interna que a sustentem. Ao serem adotadas ações estratégicas de mudança direcionadas ao posicionamento da instituição no campo, uma série de ações é desencadeada internamente para que a instituição seja capaz de atuar verdadeiramente de acordo com as ações adotadas no ambiente externo e com o discurso que formula. Como visto nos casos contidos no capítulo sete, a ênfase atribuída pelo corpo dirigente a essas

ações variará de acordo com a avaliação feita tanto do ambiente interno quanto do externo. Entretanto, é de extrema importância que, ao serem adotadas, sejam dotadas de uma orientação coordenadora que mantenha-nas direcionadas para a visão que se projetou para a instituição no campo.

9.2. Uma análise dos casos na Marinha do Brasil e sua contribuição para a mudança do

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