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Uma perspectiva sobre o desenvolvimento da segunda edição da ISAAR(CPF)

A

COMPLEXA REALIDADE DA PROVENIÊNCIA

C

omo todo arquivista sabe, o que

distingue os arquivos de outras formas de informação é que seu significado e valor derivam de sua pro-

veniência. Se não se sabe a proveniên- cia de um documento, então o documen- to não pode ser mais do que uma fonte descontextualizada de informação – um objeto de informação que é, em gran- de parte, desprovido de um significado mais amplo. O conhecimento da prove-

niência de um documento possibilita que este seja usado como evidência de ati- vidades, para o que é essencial saber quem o produziu ou recebeu e para qual propósito. Como a norma internacional de gestão de documentos afirma, docu- mentos são: “informação produzida ou recebida e mantida como evidência e informação por organização ou pessoa em conformidade com obrigações legais ou na operação de condução de suas atividades”.1

Um dos objetivos principais da descri- ção arquivística, portanto, é registrar e s s a p r o v e n i ê n c i a n a d e s c r i ç ã o arquivística e em nossos sistemas de controle intelectual e acesso. Em outras palavras, nossos sistemas de descrição arquivística têm que documentar os ar- quivos em seu contexto. Os instrumen- tos e sistemas de descrição arquivística têm que documentar e informar as rela- ções entre a atividade de arquivamento e os arquivos criados por pessoas e or- ganizações. Além disso, a documentação da proveniência em si pode ser ela pró- pria um útil ponto de acesso aos docu- m e n t o s e m s i s t e m a s d e c o n t r o l e arquivístico.

Enquanto todos os arquivistas concor- dam que a proveniência é uma caracte- rística definidora dos arquivos, a reali- dade da proveniência é, acredito, mal compreendida. Muitos de nossos siste- mas de descrição são baseados na su- p o s i ç ã o s i m p l i s t a d e q u e h á a x i o - maticamente uma relação simples e di- reta, um a um, entre uma dada entida- de de proveniência e um dado conjunto

de documentos. Essa visão já havia sido articulada pelo menos desde 1898, com a publicação do assim chamado Manual dos arquivistas holandeses2 de Muller,

Feith e Fruin. Muller e seus colegas cer- t a m e n t e t i n h a m b o a s r a z õ e s p a r a enfatizar a importância de não se mistu- rar documentos que tinham proveniên- cias diferentes em projetos arquivísticos de arranjo. Eles tinham que convencer os arquivistas de que era vital não obs- curecer a proveniência dos documentos por meio de combinações e separações arbitrárias. Em retrospecto, no entanto, está claro que a rígida adoção das re- gras holandesas para o arranjo e des- crição conduziu os arquivistas a acredi- tarem teimosamente que um conjunto de documentos sempre poderia ter apenas uma proveniência – uma crença que, como veremos, simplesmente não refle- te a realidade.

Os arquivos refletem e documentam a vida e atividades no mundo real. O mun- do real é complexo. Relações no mundo real são raramente diretas, de um para um; pelo contrário, são usualmente de muitos para muitos. No mundo real, os arquivos refletem a complexa realidade de inter-relações dinâmicas entre dife- rentes entidades produtoras de docu- mentos. Um exemplo comum dessa com- plexidade é a incidência de mudanças administrativas em governos e em gran- des corporações. Em termos arqui- vísticos, isso pode ser entendido como sucessivas e múltiplas proveniências. Mas, múltiplas proveniências também podem acontecer simultaneamente,

quando mais de uma entidade é envolvi- da, ao mesmo tempo, na produção e no uso de um dado conjunto de documen- tos. Esse fenômeno sempre existiu, mas e s t á s e t o r n a n d o c a d a v e z m a i s prevalente e aparente com os documen- tos eletrônicos, quando sistemas com- partilhados freqüentemente criam um único conjunto de documentos para múl- tiplas entidades distintas.3

Dada essa complexa realidade, então como os arquivistas deveriam documen- tar a proveniência? Primeiramente, e mais importante, deveríamos elaborar e construir sistemas arquivísticos que reflitam, ao invés de distorcer, a com- plexa realidade do arquivamento. Em u m a m b i e n t e d e b a s e s d e d a d o s relacionais este não é um desafio tão difícil. Tudo o que é requerido é um sis- tema que permita descrições separa- das, mas relacionadas, de documentos e das diferentes entidades que os pro- duziram. Em tais sistemas, as entradas de dados precisam ser normalizadas, porém as apresentações (ou as formas pelas quais as entradas podem ser ofe- recidas para exibição e interface para os seres humanos) podem ser infinita- mente variadas para se adaptarem aos diferentes requisitos dos usuários. Uma das grandes vantagens dos computado- res para os arquivos é que as entradas em nossos sistemas de controle descri- tivos não precisam mais ser idênticas às interfaces com os usuários (ou os instrumentos de pesquisa) daqueles sis- temas, nem precisam ser restringidas por instrumentos tão limitados e desa-

jeitados quanto os catálogos de fichas, calendários4 e inventários.

E

VOLUÇÃO DO

SISTEMA DE SÉRIES

AUSTRALIANO

A

Austrália é uma nação jovem.

Quando o Manual dos arquivis- tas holandeses foi publicado em 1898 a Austrália nem existia como nação – tivemos que esperar mais três anos para esse evento marcante. Tive- mos que esperar mais cinqüenta anos para que um arquivista nacional fosse nomeado, embora como um relativamen- te pouco importante funcionário da Bibli- oteca do Parlamento. Em verdade, não foi senão na década de 1960 que a pro- fissão de arquivista na Austrália atingiu uma considerável massa crítica. Mais ain- da, tivemos que esperar até 1975 para que a associação profissional dos arqui- vistas, a Australian Society of Archivists, fosse criada.

Quando a Divisão de Arquivos do gover- no australiano foi estabelecida no final da década de 1940, ela teve a significa- tiva vantagem de trabalhar em um cam- po virgem. Embora a burocracia austra- liana e muitas de suas práticas de arqui- vamento fossem baseadas no modelo secular do serviço público britânico, nos- sos sistemas de controle de arquivos ti- veram que ser construídos do nada. É claro que, a princípio, a Divisão de Ar- quivos estava mais preocupada em iden- tificar os documentos merecedores de preservação, resgatá-los e colocá-los em condições de armazenamento razoáveis. Mas, na metade da década de 1950, a

Divisão começou a direcionar sua aten- ção em como melhorar o controle inte- lectual sobre esses documentos.

O primeiro arquivista do governo aus- traliano, Ian Maclean, e seus colegas ti- nham, não surpreendentemente, se fa- miliarizado com os textos de Sir Hilary J e n k i n s o n e o m o d e l o d e p r á t i c a arquivística desenvolvido pelo Public Records Office, em Londres. As primei- ras tentativas de alcançar um controle intelectual consistiam em tentar impor a assim chamada abordagem do “fun- do” nos documentos do governo austra- liano. Esse pensamento foi reforçado em 1954, quando T. R. Schellenberg, do National Archives norte-americano, veio à Austrália para uma consultoria quanto ao desenvolvimento de nossos sistemas de arquivos. Enquanto todos os governos experimentam mudanças administrativas, políticos australianos elevaram tal fato ao nível de uma refi- nada arte. A paisagem burocrática aus- traliana é perpetuamente mutável, com constantes realocações de funções en- tre um conjunto de unidades adminis- trativas, agências governamentais e departamentos ministeriais extrema- mente instáveis. Embora essa tendên- cia tenha se tornado mais perceptível com o passar do tempo, histórias admi- nistrativas complexas sempre foram uma das características dos empreen- dimentos burocráticos australianos. Quando funções são realocadas, os do- cumentos são normalmente realocados com elas. Por exemplo, entre 1916 e 1945, a função de restrição de imigra-

ç ã o ( e o s d o c u m e n t o s r e l a t i v o s à performance de implementação dessa função) foi transferida para dez depar- tamentos governamentais diferentes: Assuntos Externos; Interior e Territóri- os; Assuntos Internos; do Primeiro-Mi- nistro; Mercados e Migração; do Primei- ro-Ministro; Transporte; Interior I; Inte- rior II; e Imigração.5

É esse problema, o das múltiplas pro- veniências, que deu a Maclean e seus colegas dores de cabeça, quando ten- taram aplicar a abordagem de fundos para o controle intelectual. Instintiva- mente, sabiam que as histórias admi- nistrativas complexas requeriam assí- dua documentação arquivística do con- texto de produção dos documentos. Eles continuaram, com crescente dificulda- de, a tentar fazê-lo até o começo de década de 1960, quando um jovem lin- güista, chamado Peter Scott, foi nome- ado para o Arquivo. Em 1964, Scott fez a sugestão radical de se abandonar o fundo como foco do controle intelectual e, ao invés disso, se adotar séries, ba- seadas em funções, como meio de con- trolar os documentos.6

Esse foco nas séries documentais levou, talvez inevitavelmente, a que as estra- tégias de Scott fossem referidas como o “sistema de séries”. Como Chris Hurley7 e outros desde então aponta-

ram, entretanto, não era tanto o foco na série a característica definidora da estratégia de Scott, mas sim sua insis- tência na necessidade de se registrar separadamente a descrição dos docu- mentos e o contexto administrativo. A

série, para Scott, oferecia o veículo mais eficiente para registrar a descri- ção de documentos. Como tal, as des- crições de séries tornaram-se entidades avulsas que se conectam, conforme re- querido, às descrições de todas as agên- cias de governo que contribuíram para sua existência.

Longe de ser um ataque ao princípio da proveniência, Scott via sua abordagem como sendo um meio mais eficiente de registrar a verdadeira e freqüentemente complexa natureza da proveniência e sistemas de arquivamento do que o uso da abordagem de fundos. A visão aus- traliana é que a proveniência não pode ser reduzida a uma simples relação um a um entre o produtor dos documentos e os próprios documentos. A visão simplista da proveniência, que é incor- porada na abordagem de fundos na des- crição arquivística, representa, para n ó s , u m a c o r r u p ç ã o d o p r i n c í p i o arquivístico de respect des fonds. Para muitos de nós na Austrália, o fundo é mais um caso de disrespect des fonds! D o c u m e n t o s p o d e m t e r, e freqüentemente têm, múltiplas relações de proveniência, sejam simultâneas ou sucessivas. Cabe a nós, arquivistas, ela- borar sistemas de descrição que refli- tam as realidades dinâmicas e comple- xas do arquivamento.

Em essência, o sistema australiano con- siste de duas partes componentes inter- relacionadas:

1 - Controle do contexto 1 - Controle do contexto1 - Controle do contexto

1 - Controle do contexto1 - Controle do contexto, que é al- cançado por meio da identificação e re- gistro das entidades produtoras de docu-

mentos e de outras entidades que fazem parte do ambiente e da documentação das histórias administrativas e biográfi- cas daquelas entidades, suas responsa- bilidades funcionais e suas relações umas com as outras e com os sistemas de arquivamento por elas mantidos; e 2 -

2 - 2 - 2 -

2 - Controle dos documentosControle dos documentosControle dos documentosControle dos documentosControle dos documentos, que é obtido por meio da identificação, regis- tro e documentação das séries documen- tais e/ou dos itens que as compõem. No sistema australiano, as entidades contextuais que precisam ser documen- tadas e ligadas a descrições dos docu- mentos incluem indivíduos, famílias, or- ganizações, equipes de projetos, agên- cias governamentais e ministeriais, os próprios governos, funções e atividades. É essa complexa rede de relacionamen- tos dinâmicos entre essas várias entida- des que sustenta as transações que le- vam à produção de documentos. É, por- tanto, essencial capturar a documenta- ção desses relacionamentos, de modo a oferecer o conhecimento do contexto ne- cessário para se compreender o conteú- d o d o s p r ó p r i o s d o c u m e n t o s . N o continuum do pensamento australiano, os documentos não são vistos como “ob- jetos passivos a serem descritos retros- pectivamente”, mas como agentes da ação, “participantes ativos nos proces- sos de negociação”.8

Como se pode ver, o sistema australia- no representa uma abordagem dinâmi- ca no que diz respeito ao controle inte- lectual dos documentos. Usando esse sistema, qualquer conjunto específico de documentos pode ser visto simultâ-

nea ou consecutivamente, por meio de m ú l t i p l o s p r i s m a s c o n t e x t u a i s , espelhando, desse modo, a natureza dinâmica e contingente da criação de documentos. Os elementos estruturais d o s i s t e m a o f e r e c e m o s b l o c o s constitutivos conceituais e documentais a partir dos quais instrumentos de pes- quisa, tradicionais ou não, podem ser construídos como e quando requerido.

P

ÓS

-

CUSTODIALISMO E O CONTINUUM DOSDOCUMENTOS

H

á outra importante caracterís-

tica central da abordagem aus- traliana de controle intelectu- al dos documentos. Ao contrário das tra- dicionais abordagens post hoc da des- crição arquivística, que enfocam a des- crição estática de documentos não-cor- rentes, a abordagem australiana pode ser, e é, usada para conseguir o con- trole intelectual sobre todos os docu- mentos, tanto os correntes quanto os não-correntes, numa área de arquiva- mento. Desde os primeiros dias de sua nomeação, Ian Maclean esteve determi- nado a implementar uma abordagem integrada para a gestão de todos os documentos do governo australiano, não apenas para aqueles remanescentes, que haviam sido separados como “his- tóricos”.

Sob essa filosofia de controle intelectu- al, os arranjos de custódia aos quais os documentos são submetidos não têm mais grande importância. Certamente, é importante saber, em qualquer momen- to, onde os documentos são mantidos,

mas eles não precisam mais estar sob a custódia arquivística para o National Archives ter uma responsabilidade estra- tégica sobre eles e interesse em mantê- los sob controle intelectual.

Nas palavras do canadense Terry Cook,

A abordagem de Scott foi a de se afas- tar da descrição de documentos sob a custódia de uma instituição arquivística e ali arranjados em um único fundo para um único produtor, e de se direcionar para a descrição de múltiplos inter-relacionamentos entre numerosos produtores e nume- rosas séries de documentos, onde quer que eles possam estar: no(s) escritório(s) de sua produção, no se- tor de protocolo dos documentos correntes ou nos arquivos [...]. A idéia fundamental de Scott rompeu não apenas a camisa-de-força do fundo, mas toda a ‘materialidade dos arqui- vos’, sobre a qual a abordagem do fundo e tantas outras abordagens sobre arquivos são implicitamente baseadas. Dessa forma, como final- mente está sendo reconhecido, Peter Scott é o fundador de uma revolução pós-custodial no mundo do pensa- mento arquivístico. Embora ele traba- lhasse em um mundo do papel, suas idéias são agora especialmente rele- vantes para os arquivistas que lidam com documentos eletrônicos, em que – assim como no sistema de Scott – a materialidade do documento não tem importância alguma comparada aos seus contextos multirrelacionais de produção e uso contemporâneo.9

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SISTEMA DE SÉRIES E AS NORMAS PARA A DESCRIÇÃO ARQUIVÍSTICA

Aqueles que são familiarizados apenas com as mais antigas normas e orienta- ções para descrição arquivística achari- am o sistema de séries uma abordagem incomum, se não incompreensível, da questão do controle intelectual. Estou me referindo aqui a fontes de normas tais como o Manual dos arquivistas holande- ses, de 1898, o Manual of archival description britânico,10 o Archives,

personal papers and manuscripts11 e a

primeira edição de 1994 da Norma Ge- r a l I n t e r n a c i o n a l d e D e s c r i ç ã o Arquivística ou ISAD(G).

Publicações mais contemporâneas, no entanto, são muito mais ajustáveis à abordagem do sistema de séries. Refiro- me aqui a publicações tão recentes quan- to a segunda edição das Rules for archival description (RAD2) e o guia norte-ameri-

cano Describing archives: a content

standard.12 Tem ocorrido uma inclinação

internacional em direção à lógica de se ter sistemas de controle intelectual ba- seados em descrições separadas, mas ligadas, de documentos e do seu contex- to de produção. O mais significativo de tudo foi a publicação pelo Conselho In- ternacional de Arquivos (CIA) da segun- da edição de duas normas relacionadas sobre descrição arquivística: a Norma G e r a l I n t e r n a c i o n a l d e D e s c r i ç ã o Arquivística – ISAD(G), em 2000, e a Norma Internacional de Registro de Au- toridade Arquivística para Entidades Co- letivas, Pessoas e Famílias – ISAAR(CPF),

em 2004. Com efeito, a introdução des- sas duas normas em paralelo fornece a base para a implementação de um siste- ma de séries. A descrição de documen- tos é dirigida pela ISAD(G), enquanto a descrição dos produtores dos documen- tos e seus vários relacionamentos é conduzida pela ISAAR(CPF).

O

DESENVOLVIMENTO DA

ISAAR(CPF)

N

a d a i l u s t r a e s s e r e d i r e - cionamento do pensamento arquivístico mais claramente do que a jornada empreendida pelo Co- mitê de Normas de Descrição do CIA, ao d e s e n v o l v e r a p r i m e i r a e d i ç ã o d a ISAAR(CPF), do começo até a metade da década de 1990, e a subseqüente revi- são dessa norma, entre 2001 e 2003, que culminou na publicação da segunda edição da ISAAR(CPF) pelo CIA, em 2004. A s s i m , o p r o c e s s o d e r e v i s ã o d a ISAAR(CPF) merece ser documentado e explicado detalhadamente.

A ISAAR(CPF) já foi chamada, de certa forma adequadamente, de norma esque- cida.13 Essa denominação é particular-

mente correta em relação à primeira edição, que foi publicada pelo CIA em 1996. Numa visão retrospectiva, a pri- meira edição pode ser considerada uma tentativa muito corajosa, mas com fa- lhas, da área de lidar com as questões que fizeram Peter Scott e Ian Maclean quebrarem a cabeça uma geração an- tes. Revendo a publicação com a vanta- gem de dez anos de compreensão pos- terior, o que se vê é um casamento

desconfortável dos mecanismos biblio- gráficos tradicionais de controle de au- toridade com os imperativos bem dis- tintos da descrição arquivística do con- texto. Pode-se especular que a noção de descrições de contexto arquivístico separadas, porém ligadas, era tão radi- cal para a maior parte dos arquivistas naquela época, que o único meio pelo qual eles poderiam acomodar tal abor- dagem era apresentando-a como “con- trole de autoridade”.

Isto não diminui o valor e a utilidade do controle de autoridade nos sistemas de informação. Dada a grande variedade de meios pelos quais os produtores de documentos e outros agentes podem ser identificados, é importante ter uma abordagem normalizada para a constru- ção de tais referências como pontos de acesso ao sistema. Além disso, tendo em vista que entidades bem diferentes podem freqüentemente ter nomes bas- tante similares, se não idênticos, é im- portante a capacidade de se distinguir, sem ambigüidade, essas entidades di- ferentes em um sistema de controle arquivístico. Um sistema de controle de autoridade pode produzir esses resul- tados. Para ser justo com a primeira edição da ISAAR(CPF), a orientação era tudo o que seus arquitetos tinham pla- nejado oferecer.

Contudo, dada a importância da descrição das entidades envolvidas no contexto da produção dos arquivos, era inevitável que aspectos da primeira edição da ISAAR(CPF) fossem além do simples con- trole de autoridade e oferecessem algu-

ma orientação sobre a produção de des- crições separadas de entidades arquivísticas contextuais. Nesse sentido, a publicação da primeira edição da ISAAR(CPF) pode ser vista como um mar- co divisório no desenvolvimento da des- crição arquivística internacional. Ela foi, entretanto, em sua maior parte um mar- co divisório ignorado em seu tempo. Re- almente, não apenas a norma foi recebi- da com disseminada indiferença e incompreensão, mas, em algumas áreas, gerou verdadeira hostilidade. A primeira edição da ISAAR(CPF), apesar de todas as suas falhas, foi um documento visionário – muito à frente de seu tempo. Internaci- onalmente, a maior parte dos arquivistas não estava pronta para o controle de au- toridade, muito menos para descrições de contexto arquivístico separadas, porém ligadas, de modo que em 1996 a publica- ção caiu em ouvidos moucos.

De acordo com a política do CIA de sub- meter as normas a um ciclo de cinco anos de exame e revisão, o Comitê de Normas de Descrição iniciou em 2001 u m p r o c e s s o d e e x a m e f o r m a l d a ISAAR(CPF), sob a presidência do arqui- vista italiano Stefano Vitali.14 O comitê

estava plenamente consciente da míni- ma adoção da ISAAR(CPF) pelos arqui- vistas ao redor do mundo, e determina- do a produzir e a promover uma nova versão da norma, que fosse mais pron- tamente aceita e adotada. A não-ado- ção da ISAAR(CPF) facilitou, de certo modo, o trabalho do comitê, no sentido de que mudar uma norma na qual pou- c o s h a v i a m s e e s f o r ç a d o p a r a

implementar dificilmente incomodaria muita gente. O comitê sentiu que tinha liberdade de revisar plenamente a nor- ma, sem ter que se preocupar em con- trariar grande número de arquivistas que tinham concordado em redesenhar sistemas remanescentes baseados na antiga norma. Por outro lado, a não-ado- ção significava, para o processo de re- visão, a impossibilidade de receber in- formações de uma ampla base de ex- periência de implementação.

Uma questão-chave defrontada pelo comi- tê foi por que a norma não havia sido am- plamente adotada? Era simplesmente o caso da norma estar à frente de seu tem- po e que mais cedo ou mais tarde os ar- quivistas veriam sentido em implementá- la? Ou a própria norma era difícil de com- preender e implementar? Ou seus propo- nentes não tinham feito o suficiente para