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UMA PROPOSTA DE TIPOLOGIA DA PERSUASÃO-NOSTÁLGICA

persuasivo-nostálgicas em textos publicitários na contemporaneidade, apresentando a opinião de Charaudeau, que nos adverte: ―Lembremos que toda taxionomia, toda tipologia, só tem sentido na comparação diferencial. [...] É preciso precaver-se da tendência à ‗naturalização‘ das categorias com as quais se trabalha.‖ (2009, p. 228).

Raymond Williams (2005), revisitando o conceito gramsciano de hegemonia, constrói a noção de que há culturas dominantes, residuais e emergentes. Para o autor, dominante tem relação com as práticas e atividades que se sobrepõem às demais em determinado momento histórico. Contudo, isso não tem relação com uma hegemonia estática. Williams conceitua, assim, um processo que ele chama

de tradição seletiva: aquilo que, no interior dos termos de uma cultura dominante e efetiva, é sempre transmitido como ―a tradição‖, ―o passado importante.‖ Mas o principal é sempre a seleção, o modo pelo qual, de um vasto campo de possibilidades do passado e do presente, certos significados e práticas são enfatizados e outros negligenciados e excluídos. (WILLIAMS, 2005, p. 217).

Nesse processo, o residual de uma cultura seriam as experiências e os sentidos que não ficam totalmente explícitos na cultura dominante, mas que ali estão e são vivenciados

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―sobre a base de um resíduo [...] de uma formação social prévia‖. (WILLIAMS, 2005, p. 218). A publicidade, cujos atores sociais são os publicitários, também seleciona o passado e o presente, talvez em função de vazios que se sugere estarem acontecendo.

Para a noção de emergente, Williams afirma ―que novos significados e valores, novas práticas, novas significações e experiências, são criados continuamente.‖ (2005, p. 219). Fazendo uma analogia com os textos persuasivo-nostálgicos que constituem o corpus, eu diria que eles são residuais e emergentes ao mesmo tempo, pois se apresentam como vanguardistas, mas sugerem implicitamente sentidos antigos e já conhecidos, os quais estavam ‗esquecidos‘.

Os sentidos persuasivo-nostálgicos são utilizados pela publicidade para agregar valor aos produtos e instituições, com referências a um passado que ―ainda é bom e útil‖. Por vezes, o que se quer vender somos nós mesmos, transformando-nos em commodities, em currículos, blogs e páginas do Facebook.

Para fins didáticos e analíticos, categorizo algumas maneiras pelas quais a persuasão-nostálgica atua, as quais constam abaixo em uma taxonomia denominada Tipologia

da Persuasão-Nostálgica67. As categorias que proponho são: Retrô Pele, Retrô Estratégico,

Retrô Mimético, Vintage e Tradição:

Retrô pele – Nesta categoria a manifestação persuasivo-nostálgica está na

composição externa em termos de design. O processo Retrô Pele acontece na apresentação de um produto inovado, tecnologicamente falando, mas imitando traços de um antigo. Exemplos: eletrodomésticos, toca-discos, telefones, óculos etc.; filmes ou animações feitas em preto e branco ou sépia. É o que comumente chama-se de ‗estilo retrô‘.

Retrô estratégico – A publicidade utiliza elementos de décadas passadas para a

venda de determinados produtos que não têm nada de antigo em sua composição empírica. Exemplos: expressões que se relacionam com um imaginário de sofisticação, tais como gourmet, cult e vintage; tipografias datadas ou recriadas imitando fontes antigas; traço de imagens (em especial aquelas que imitam o processo de pintura a guache); a linguagem verbal utilizada em textos publicitários: expressões como ―certa feita‖, ―por obséquio‖, mesóclises e pronomes como ―conceder-me-ia a honra da vossa companhia?‖, adjetivação hiperbólica e ortografias arcaicas.

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Retrô mimético – A metáfora da mimese aqui está relacionada à imitação do

processo de produção e do produto em si. Diz respeito a produtos fabricados conforme técnicas antigas ou com técnicas novas, mas reproduzidos exatamente como o eram antigamente, numa tentativa de imitação fiel. Exemplos: ladrilhos, superfícies feitas com a técnica do cimento queimado, fitas cassete, discos de vinil, impressão de convites em prensa móvel, bolas de futebol feitas em couro rústico, gravações fílmicas feitas em película, cervejas artesanais. Há empresas que justificam o preço de seus produtos com um discurso de sustentabilidade, tal como o retorno de refrigerantes em garrafas de vidro.

Vintage – Este é o caso de um produto que adquire o status de objeto de arte. O produto é antigo em si, ou seja, foi elaborado e fabricado há muitos anos, mas volta a ser utilizado e consumido. São exemplos dessa categoria: roupas antigas, móveis com madeira de demolição, discos de vinil, desenhos animados produzidos em décadas passadas que voltam à televisão (ex. nos canais Gloob e

Tooncast), filmes antigos (ex. nos canais TCM e Telecine Cult).

Tradição – A categoria da Tradição, dentro da tipologia proposta, prevê

textualidades verbais e imagéticas que têm em sua essência produtos e processos que são reconhecidos há muito tempo. Não são novos e não imitam coisas antigas. Também não eram antigos, deixaram de ser usados e voltaram ao mercado, como é o caso da categoria Vintage. Os sentidos que a Tradição ajuda a construir na persuasão-nostálgica correspondem ao apelo àquilo que nunca saiu de moda. Entrariam nesse campo as marcas de oligopólio, tanto em termos verbais como com seus logotipos que mesclam verbal e imagético: Coca-Cola, Omo, Gillette ou Bombril. Outro exemplo é o inocente ―desde‖ que aparece em inúmeras embalagens e textos publicitários, ou somente o ano, como é o caso de muitas cervejas, que trazem em seus rótulos uma alusão ao suposto ano de início de sua fabricação ou criação da fórmula. Nos rótulos de cerveja isso é muito comum. Exemplo: rótulo da cerveja Stella Artois, no qual aparece o texto ―Anno 1366‖. Inclusive a grafia ano em latim – anno – também ajuda na construção da ideia de algo antigo e tradicional, já que o latim não é mais falado, mas o era há milênios; também o fato de que latim remete a mosteiros, que por sua vez são outra imagem contundente para a tradição.

Todas as categorias vestem-se com traços de determinada época passada, ou de um passado recente que já ―ficou velho‖, conforme nossas escolhas e percepções. Portanto,

sua (re)reconstituição é de algo novo com jeito de antigo. São novos, mas velhos ao mesmo tempo, o que lhes agrega valor em razão do que já é conhecido, do que já deu certo, da nostalgia (re)criada, independentemente da qualidade ou da veracidade na fabricação dos produtos ou dos processos. O Quadro 1 visualiza as categorias propostas para a discussão da persuasão-nostálgica com exemplos de textos para cada uma das categorias.

Quadro 3 – Quadro sinótico da tipologia da Persuasão-nostálgica com exemplos

Retrô Estratégico Retrô Pele Retrô Mimético Tradição Vintage

palavras que ativam um campo semântico fino/erudito, expressões verbais arcaicas, tipografia datada, imagens que imitam desenhos antigos, adjetivação hiperbólica, ortografias arcaicas eletrodomésticos ‗estilo retrô‘, utensílios e roupas no estilo hipster, estética steampunk, filmes gravados em preto e branco ladrilhos, cimento queimado, gravação em discos de vinil e fitas cassete, gravações feitas em película, cervejas artesanais. garrafas de vidro, um bilhete para conquistar alguém, carta escrita a mão logotipos de marcas famosas, ―desde‖, o ano de criação, quadros com diplomas em escritórios e consultórios roupas antigas, móveis com madeira de demolição, discos de vinil antigos, desenhos animados antigos, filmes antigos

Fonte: Elaboração inédita do autor.

Não estão nessa tipologia manifestações tradicionais ou nostálgicas que não tenham relação direta ou indireta com a publicidade ou com uma persuasão que visa a promover algo. Seriam exemplos desse tipo de nostalgia: expressões linguísticas arcaicas usadas corriqueiramente, o retorno de antigos hábitos alimentares e culinários, manifestações discursivas sobre alimentação saudável, partos humanizados, escolha de nomes tradicionais para os filhos – nomes bíblicos, por exemplo. Todos esses exemplos, reafirmo, não fazem parte dessa tipologia, se não estiverem relacionados à venda, à autopromoção, enfim ao campo da publicidade.

Após apresentar as bases teóricas e metodológicas desta pesquisa, no próximo capítulo será feita a análise propriamente dita do corpus. A análise das cinco campanhas publicitárias será feita na tentativa de articulação e aplicação dos pressupostos apresentados até o momento.

7 ANÁLISE DOS DADOS

―Mas as flores, livres da necessidade de verdade, E por não possuírem qualquer concepção de tempo, Desabrocham... indiferentes ao sentido que fazem.‖ Catia Cernov

Uma dúvida que, vez por outra, circunda determinadas discussões parece também fazer parte das discussões deste trabalho: há uma crise de criatividade atualmente? Ou a insegurança de nossos tempos faz com que o ser humano se apegue a coisas do passado, como uma criança que gosta de ver um mesmo desenho animado diversas vezes? O que está em jogo nos processos de significação? De que maneira as materialidades persuasivo-nostálgicas (sendo o retrô o mais recorrente) significam, sobretudo para o consumo?

O jogo discursivo que acontece nessa dinâmica, além de diversas implicações relacionadas a diferentes práticas sociais, leva, não com menos importância, a sugestões de consumo. Dessa forma, os objetos de consumo (ou ideias ou pessoas) publicitados que se valem de materialidades textuais persuasivo-nostálgicas entram numa dinâmica temporal entre discursos diacrônicos híbridos: a novidade e a tradição.

A fim de exemplificar a presença de materialidades discursivas persuasivo- nostálgicas na publicidade, apresento neste capítulo a análise dos seguintes textos plurissemióticos: campanha publicitária da linha retrô de eletrodomésticos da marca Brastemp; website da chef Paola Carosella; cardápio da rede de restaurantes Kharina; campanha publicitária para um evento na área da comunicação; campanha publicitária da rede escolar Marista.