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5. Embaixada a Gaio

5.1. Uma «sequela» para Flaco

Embora, em Flaco, se narre a morte do governador, Fílon não relata o que aconteceu a seguir à perseguição. É num seu outro tratado, Embaixada a Gaio, que o autor nos dá a relação de alguns dos acontecimentos ocorridos a seguir ao ano de 38.

O governador que sucedeu a Flaco, Vitrásio Polião, terá conseguido instituir um ambiente de relativa paz na cidade e a comunidade judaica recuperou prosperidade suficiente para sacrificar hecatombes em intenção do sucesso da campanha de Gaio na Germânia73, o que nos permite inferir que muito provavelmente os Judeus terão

regressado a suas casas e iniciado a reconstrução das sinagogas. No entanto, continuou a ser-lhes negado o reconhecimento oficial do seu estatuto religioso e cívico.

Duas embaixadas, uma representando a comunidade grega e outra a judaica, foram enviadas a Roma, com o objectivo de expor perante o imperador as reivindicações de ambos os partidos. Os Gregos terão partido com o objectivo de negar qualquer responsabilidade nos distúrbios de 38 e de exigir que o estatuto cívico da comunidade judaica permanecesse nos termos para que fora relegado pelo edicto de Flaco. Aos emissários judeus, animava-os, muito provavelmente, o intuito de recuperar para a comunidade o seu anterior estatuto de πολίτευμα.

Concedida a autorização do novo governador, no Inverno de 38-39, ou de 39- 4074, as duas embaixadas partiram para Roma. A embaixada judaica era liderada por

73Legat., 356.

74Fílon diz-nos que os emissários Judeus fizeram a sua viagem χειμῶνος μέσου, «no meio do Inverno»,

(Legat. 190). Muito provavelmente também os Gregos terão viajado nesta altura. A data mais provável é a de 38/9. Gaio passou o Verão de 39 na Campânia (Díon Cássio, 59.17), mas não esteve em Itália entre o Outono de 39 e Maio de 40. Se as embaixadas partiram em 39/40, então a primeira data para a reunião com o imperador seria Maio de 40. Os distúrbios causados pela ordem de Gaio para que se erguesse a estátua no Templo teriam de ter acontecido durante a segunda metade de 40. Isto entra em conflito com os relatos de Fílon e Josefo. Fílon refere (Legat., 249) que os Judeus protestaram contra o projecto de Gaio numa data que coincide com a Primavera de 40. E a data em que Josefo nos diz que Gaio nomeou Petrónio governador da Síria e lhe confiou a missão de construir e erguer a estátua coincide com o Outono de 39. Por isso, o mais provável é que os Judeus tenham partido em 38/39. Para uma discussão mais pormenorizada desta questão e para argumentos a favor das diferentes datas cf. Smallwood (1961: 47-50) e Harker (2008: 14). Seguimos aqui a data proposta por Harker, que nos parece a mais provável.

Fílon e a grega por Ápion75. Não é certo que também o irmão de Fílon, Alexandre, se

contasse entre os embaixadores76.

Chegadas a Itália, ambas as embaixadas tiveram de aguardar que o imperador regressasse da sua campanha na Germânia. Quando finalmente se reuniram com ele, descobriram que Gaio seria muito influenciado por Hélicon, um dos seus libertos, que Fílon identifica como «Egípcio» mas que seria um Grego de Alexandria e, como tal, favorável aos Gregos. Os membros da embaixada grega terão pagado um suborno a Hélicon (Legat., 172), para que ele persuadisse Gaio a mostrar-se hostil para com os Judeus. Também a embaixada judaica terá, recorrendo aos mesmos argumentos dos Gregos, procurado propiciar este liberto, mas não foi bem sucedida77.

Por esta altura, os embaixadores Judeus resolveram redigir «um decreto» em que se apresentava uma relação do que tinham sofrido e daquilo que consideravam justo que lhes «coubesse em sorte» (Legat., 178). Neste documento, deveria requerer-se que fosse restituído à comunidade o direito de isenção de participar no culto imperial, bem como o restabelecimento dos direitos cívicos de que gozavam antes do decreto de Flaco. Tendo em conta a ambiguidade das palavras de Fílon em Legat., 17878, Smallwood

(1981: 243) defende a possibilidade de este decreto conter mais do que um simples requerimento de reinstauração do estatuto de que anteriormente gozavam: poderia incluir também um pedido, feito em nome de toda a comunidade, de que lhes fosse

75O número de emissários que nos é fornecido por Josefo (AJ 18. 257-60), três, estará incorrecto. Fílon

(Legat., 370) afirma que a embaixada judaica era composta por cinco elementos. Não é, de todo, provável que os Gregos tivessem enviado emissários em número menor. Smallwood (1981: 242) defende que, apesar de Fílon e Josefo não referirem a presença de Lâmpon (Isidoro é referido, ainda que apenas uma vez, em Legat., 355, e de uma forma que leva a crer que ele teria um papel proeminente) entre o número de embaixadores gregos, é, contudo, muito plausível que também ele integrasse a embaixada, porque, quando em 41 Alexandria torna a enviar embaixadores a Roma, ele não se encontrava entre os elementos da delegação grega, o que sugere que não estaria na cidade para ser escolhido para esta missão e torna plausível que já tivesse sido enviado.

76Josefo (AJ 19. 276) refere que Alexandre tinha sido preso por Gaio, talvez por ocasião desta embaixada.

Smallwood (1981: 243, n. 87) nota que o silêncio de Fílon sobre um acontecimento como este seria algo surpreendente. Van der Horst (2003: 4) defende a possibilidade de Alexandre ter sido preso antes do envio da embaixada a Roma. Isto poderia explicar por que motivo foi Fílon nomeado responsável pela embaixada, e não o seu irmão, que ocupando um cargo como o de alabarca, seria talvez o homem mais indicado para a chefiar. Acresce a este argumento o facto de, tanto quanto sabemos, o nosso autor nunca ter ocupado cargos públicos e chegar mesmo a queixar-se (Spec., 3, 1-3) de ter deixado de ter tempo para se ocupar da filosofia, devido à inveja, que o lançara a um mar de cuidados civis. Ora, Fílon diz-nos que a inveja (φθόνος) é o sentimento que está na origem da violência contra a comunidade judaica (cf. Flac., 29-30), o que nos permite inferir que este passo será uma alusão às implicações que os distúrbios de 38- 41 tiveram na sua vida: se o seu irmão estivesse preso, Fílon dificilmente se poderia recusar a ser o chefe da embaixada.

77Cf. Legat., 178.

78…γραμματεῖον γὰρ ἔδοξεν ἀναδοῦναι Γαΐῳ κεφαλαιώδη τύπον περιέχον ὧν τε ἐπάθομεν καὶ ὧν τυχεῖν

concedida a cidadania grega, uma vez que era o imperador que decidia quem podia integrar o conjunto de cidadãos de Alexandria.

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