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4. COMEÇAR DE NOVO, AGORA SOZINHO

4.4 Uma vez só, é preciso estar atento e forte

Em que pese a avaliação positiva de viver em domicílio unipessoal os idosos entrevistados foram uníssonos em relação à situação de fragilidade em que se encontram no que diz respeito às ações de saúde que não conseguem fazer ou providenciar sem ajuda de terceiros. O imprevisível, o imponderável ou o inesperado foram sempre motivo de preocupação. Os possíveis desequilíbrios na situação geral de saúde, especialmente no que diz respeito às seqüelas, temporárias ou permanentes, que podem assolar o exercício de atividades de vida diária foram quase sempre as primeiras menções quando o tema foram as desvantagens de morar sozinho. Metade dos entrevistados admitiu que os

problemas de saúde ou a impossibilidade de lidar sozinhos com eles constituem a principal ou única desvantagem de residir em domicílio unipessoal.

Negativo que eu acho é na hora que a gente passa mal. Isso eu penso. Se dá tempo de eu telefonar pra alguém, se dá tempo de eu puxar esse... Interfone. Porque de dia tudo bem, mas e o de noite? De dia se eu não der conta eu vou lá na porta e puxo e fico no interfone chamando toda a vida. E se não der tempo?

(Dulcinéia, 76 anos, solteira, renda de 1,8 SM, mora sozinha há 27

anos)

As desvantagem... o problema é, é a gente ficar... ter alguma coisa e num ter a quem recorrer. Pra isso é meio duro. Um dia eu tomei um tombo do ônibus e fiquei muitos dias sem poder, até chamar um táxi pra me levar lá no pré... no... IPSEMG, tanta dor na perna que eu tinha. Até que melhorou, eu chamei o táxi, falei: num adianta chamar um táxi e num dá conta de nada. Melhorou eu peguei o táxi fui lá e fiz... fiz fisioterapia, até hoje a perna ainda dói. Que a gente já tem problema de... artrose, né? E ainda machuca, fica pior ainda. Mas, graças a Deus, tudo passa. Eu caí ali ó. Do lado de lá. Na hora que eu caí. Eu... derrubei, tinha dois homens na porta do ônibus. Então, eles me seguraram. Se não me segura... eu ia bater com a cabeça no meio-fio e era uma vez. E eles: oh! Minha senhora, tá bom? A senhora dá conta de levantar? E eu passando um mal, custando a firmar. Eu vim embora. Não. Tô boa, tô boa. Vim embora. Ah não! Num tem nada que me incomoda. A gente... tá sozinha mesmo. Só num tava podendo andar assim com muita desenvoltura porque eu não andava, né? Mas... Ah! É bom. Bom demais ficar sozinha.

(Hercília, 75 anos, solteira, renda de 4 SM, mora sozinha há 21 anos)

Ah! É como, é como eu te falei, a única desvantagem é que eu tenho preocupação depois de eu mais velha, quando mais nova não. A hora que eu queria companhia eu saía, num é? Agora é, é... que a gente sabe, quanto mais velha mais doente, né? Mais problema. Aí, meu medo é de adoecer fora de hora, que quando... se for durante o dia, né? Tá tudo fácil, né? É... assim a noite, né? E num ter tempo assim de usar o telefone fica na minha cabeceira. Sabe? E... e... meu, minha preocupação é só essa, sabe? E depois ter que incomodar as pessoas. Que graças a Deus até hoje eu nunca precisei, sabe?

(Vanda, 75 anos, viúva, renda de 3,9 SM, mora sozinha há 14 anos)

Só quando adoece. Nossa! Deve ser horrível, né? Você precisar de um chá e tá sozinha.

(Amélia, 78 anos, solteira, renda de 2 SM, mora sozinha há 14 meses)

A menção ao tema saúde representou, quase sempre, um momento de reflexão ou de colocar em perspectiva as vantagens e desvantagens de residir em domicílio unipessoal. Foi, então, que o discurso muitas vezes efusivo acerca da liberdade de ação e decisão que a vida sozinho possibilita deu lugar à evocação da ausência de interlocução, afeto e carinho que vão além do esporádico.

Então, vantagem eu acho que num tem porque agora que eu quebrei o joelho [recém-operada] é que eu vi como que faz falta um ser... humano junto da gente, sabe? Uma pessoa... mas, uma pessoa amiga, sabe? Uma pessoa que a gente tem, tenha... toda a confiança de, de... de ter... amigo, sabe? (...) Olha, eu já tive... é... já caí quebrei a bacia não fiquei impossibilitada de... de... trabalhar. Num fiquei mesmo. Eu tinha... eu caí num domingo, quebrou. Fui no pronto-socorro, tiraram a radiografia, viram que tinha quebrado, mandaram eu ficar de repouso. Mas eu tinha oito cento de salgado na quinta- feira pra mim fazer. Fiz tranqüilo... empurrando uma cadeira, fiz de tudo [com ênfase]. Agora tá difícil porque a idade também..., né?

(Madalena, 70 anos, solteira, renda de 1 SM, mora sozinha há 45 anos)

Eu, eu não falo que eu não vou, mas por enquanto eu tô muito bem, não preocupa não. Quando eu ti... agora tenho medo de cair e, e... e tem que ir. (...) Esse [medo de cair] que eu tenho porque eu vi a... o estado da... da vizinha, né? Coitada, foi pro hospital com pneumonia. Porque depois que ela caiu acabou, né? Num sai da cama. A outra filha veio e tirou ela e levou pro hospital. Ficou lá. (...) É só preocupação de cair. Que eu vi o estado da fulana, da minha vizinha, e vi as conseqüências, né? A minha irmã também caiu, quebrou o fêmur, todas as duas. Eu tenho medo é disso, sabe?

(Dercy, 92 anos, viúva, renda de 7,9 SM)

Eu acho as desvantagens pior que eu acho é como a minha mãe falava... a gente faz o almoço, às vezes faz uma coisa gostosinha e num tem uma pessoa pra... pra almoçar com a gente. [risos] Num chega uma pessoa. A gente sente assim.... (...) Se tivesse mais gente era melhor, né? Mas a gente passa... assim passa. Num tem jeito mesmo de resolver. Nessas horas é ruim mesmo. Na hora que você vai deitar também, às vezes você tá com uma vontade de conversar com a pessoa, e num tem uma pessoa pra conversar, né? Aí, você vê a televisão, cansa ali de ver a televisão, pega um livro e vai ler pra distrair. Porque... num tem uma, uma pessoa. Nessas horas a gente sente falta mesmo de uma companhia. Mas, no mais a gente vai levando.

(Imaculada, 67 anos, viúva, renda de 21,1 SM, mora sozinha há 7 anos)

Ah! Eu já me acostumei. Num é? Num me falta nada. A não ser carinho. Num é? Num vou dizer carinho de um modo geral, porque os meus netos são carinhosos, meus filhos... é o carinho conjugal, né? Esse carinho faz muita falta, sabe? Muita falta. Então... a vida sozinho tem o seus quês e porquês. Pra você manter sua casa sozinha... independência, fazer o quê você quer é... levanta a hora que quer, deita a hora que quer. Assiste o programa de televisão que você quer. E tudo independente. Isso é... é bom, né? Mas, quando você de noite, chega à noite aí e tal, e você num tem uma pessoa que devia tá ao seu lado ali, te acariciando ou sendo acariciada (...)

(Jaques, 86 anos, viúvo, renda de 23,7 SM, mora sozinho há 10 anos)

Saúde e atenção foram temas quase sempre mencionados juntos, atrelados ou associados pelos entrevistados. Mas, de qualquer forma, emerge nos relatos dos entrevistados o desejo de compartilhar da vida familiar, discutindo e participando dos momentos bons e ruins, mas ao mesmo tempo não abandonando a liberdade

ou independência conquistada. Essas questões são retomadas no próximo capítulo.