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Uma visão sociocognitiva do discurso

No documento raquelmartinsmelopinheiro (páginas 61-64)

2.1 Os fundamentos da Lingüística Cognitiva

2.1.3 Uma visão sociocognitiva do discurso

Como alertamos na metodologia, este trabalho tem como foco o estudo dos discursos dos professores acerca de suas concepções e práticas sobre a cena escolar – a aula. Para compor nossa análise, faz-se necessário, primeiramente, explicarmos a análise do discurso aqui pretendida.

A análise do discurso que melhor se adéqua à hipótese sociocognitiva da linguagem, sustentada pela Linguística Cognitiva, combina parâmetros cognitivos e socioculturais. Nesta perspectiva, analisar o discurso implica considerá-lo nos termos propostos por Van Dijk (1997). Para o autor, a análise do discurso deve levar em conta: o discurso por si só; o discurso como cognição e o discurso com foco na dimensão social e cultural, o que ele denominou discourse triangle (triângulo do discurso). Para o autor, tal triângulo se erige sobre três bases complementares entre si: discurso, cognição e sociedade.

Figura 1 – Triângulo do discurso Fonte: Van Dijk (1997)

Em seu trabalho, Van DIjk (1997), faz um percurso sobre os conceitos de discurso e sobre as modalidades de estudo do mesmo. Para o autor, há três dimensões básicas que governam tais estudos: o uso da linguagem, a comunicação de crenças e a interação em situações. O autor alerta ainda que analisar o discurso não implica estudar apenas a fala – a conversa; textos escritos devem ser incluídos na análise do discurso. Para Van Dijk, deve haver uma proposta de estudo do discurso que considere a fala e o texto em relação ao contexto; isto implica dizer que não é possível deixar a revelia o contexto quando a análise discursiva seja ela escrita ou falada.

(...) estudos do discurso devem estabelecer conexões com as propriedades do texto e da fala e com o que usualmente é chamado de contexto, isto é, outras características da situação social ou de evento comunicativo que

Discurso Cognição Sociedade

sistematicamente influencia o texto ou a fala. Resumindo, estudos do discurso são sobre fala e texto em contexto. (VAN DIJK,1997, p. 3)

Tão logo, a análise sobre os discursos dos docentes a que nos dedicaremos levará em conta o contexto, bem como a perspectiva cognitiva na interface das preleções socioculturais, o que se revela coerente com a proposta da hipótese sociocognitiva eleita para esta pesquisa.

2.2 CONSIDERAÇÕESFINAIS

Este capítulo teve como meta trazer ao leitor os parâmetros norteadores da análise, entendidos à luz da Linguística Cognitiva. Vale destacar, mais uma vez, que os dados que serão analisados a partir destas premissas são discursos de docentes acerca da ação e interação escolar (conf. próximo capítulo sobre metodologia); tão logo, a escolha de parâmetros que englobassem as ciências lingüísticas e as ciências sociais e antropológicas. Tais parâmetros reforçam nossa crença de que, como falantes, estamos imersos em sociedades, em contextos diversos que estimulam nossas conceptualizações sobre o mundo e as coisas, e que nos habilitam a dar significação às cenas culturais de que participamos. Dentre elas, a cena Aula, objeto do presente estudo.

Os parâmetros metodológicos que dão suporte a esta pesquisa se fundamentam na nomeada Metodologia Mista, que consiste na união dos dois processos de investigação - o quantitativo e o qualitativo (CRESWELL e TEDDLIE, 2007). Tal perspectiva de integração entre os questionamentos qualitativos e quantitativos rompe com a tradicional dicotomia imposta a tais processos.

Para subsidiar a abordagem quantitativa da pesquisa lançamos mão de procedimentos analíticos da Línguística de Corpus, em especial, do programa de análise textual computacional, o Word Smith Tools7, através de duas ferramentas:

Wordlist (Listador de palavras), que fornece uma lista de todas as palavras do texto analisado com suas respectivas freqüências e o Concord (Concordanciador), que disponibiliza o ambiente, o co-texto em que a palavra investigada aparece.

Ao utilizarmos estes recursos da Linguística de Corpus, não estamos lançando mão em termos plenos, dos parâmetros metodológicos deste tipo de pesquisa linguística, uma vez que, para a Lingüística de Corpus, segundo Sardinha (2004), os dados a serem submetidos aos programas computacionais, constituindo um corpus, devem constituir textos naturais, espontâneos, disponíveis na web, como a narração de uma partida de futebol, um programa de rádio, tv etc. Em nossa pesquisa, os dados foram construídos a partir das respostas dos professores ao questionário utilizado como nosso principal instrumento de pesquisa. Assim, temos um corpus natural, mas não espontâneo.

O corpus específico que utilizamos foi, assim, construído das respostas de quarenta e dois professores, colhidas através de instrumento específico (cf. seção 3.2). Digitadas as questões em arquivos de Word, tais textos foram revertidos para o formato txt e submetidos ao programa Word Smith Tools. Os textos foram submetidos também a uma correção ortográfica para que o programa pudesse operar com os dados reconhecendo as palavras. A ferramenta mais utilizada foi O Concord (Concordanciador), pois este programa fornece não só a palavra, mas o contexto em que ela surge nos dados. Assim foi possível distinguir, por exemplo, a

palavra interação de outros padrões construcionais como interação entre professor e aluno; interação entre membros da aula, interação entre participantes da aula, o que é fundamental no processo analítico de nossa pesquisa.

A escolha das ferramentas quantificadoras do Word Smith Tools se baseia em um princípio fundamental tanto para a Lingüística de Corpus quanto para a Lingüística Cognitiva – o princípio de que os processos de convencionalização de determinada construção lingüística se dão pelo uso. Tal princípio advém dos modelos de uso das gramáticas das construções em que se postula o caráter probabilístico da gramática (do léxico e das construções discursivas), definindo-a como uma rede de símbolos erguida na cultura através do uso reiterado/probabilístico de determinadas construções (cf. Cap.2, CROFT e CRUSE, 2004)

Assim, segundo a Linguística Cognitiva, a repetição de determinadas construções lexicais e gramaticais no discurso (freqüência de ocorrência) sinaliza a forma, partilhada no grupo, na cultura, de conceptualizar, gerar categorias e construir significações. Isto significa dizer que quanto maior o número de vezes que determinada estrutura se repete mais forte é o seu papel na configuração, na arquitetura cognitiva da linguagem.

Nesta direção, emerge o caráter qualitativo de nossa pesquisa e postula-se que a freqüência de ocorrência de determinada palavra ou construção funcione como uma bússola a nos guiar na descoberta dos processos de conceptualização e categorização construídos pelos professores, em seus discursos, acerca da cena “aula”. Valemo-nos, para isso, de princípios e categorias (processamento figurativo, metáfora, frame...) oferecidos pela Linguística Cognitiva, conforme anunciamos à Introdução.

No documento raquelmartinsmelopinheiro (páginas 61-64)