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Unidade 03: Desenho da família, da participante Arizona

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3.1 Caso 01 Arizona

3.1.3 Dados do procedimento projetivo (DE-T) e análise do material

4.1.3.3 Unidade 03: Desenho da família, da participante Arizona

Figura 4 - Registro fotográfico do desenho da família, da participante Arizona

Arizona: (risos - suspiro) eu vou começar pelo Jhalus (risos) O Jhalus (cachorro) era um filho mimado, dormia no pé da cama quando tava frio, durante a gestação ainda ficou bastante tempo dentro de casa, que ele é um ogro (risos) tem que defender o neném, porque ele não sabe que ele é grande, que ele é pesado, ai ele passou a ter uma vida muito ruim lá fora, ficar mais tempo sozinho, agora que a gente pôs a porterinha ali, ele tá tendo mais acesso à família, mas pra ele tá sendo uma fase bem difícil também tá.

Agora o papai e a mamãe aí, agora a gente tá vivendo uma fase bem difícil do casório, porque a gente não fez um planejamento pra ter um bebê, claro, quem pratica sexo sem proteção sabe as consequências, né, mas foi um susto, porque a princípio meu ginecologista sempre disse que eu teria que fazer um tratamento pra engravidar, e tal... Aí eu fiz uma pausa no remédio, aí aconteceu um deslize, e veio um nenezinho, e aí a gente casou, porque apesar de eu morar sozinha muitos anos, eu propus que se ele quisesse a guarda, o filhinho dele, ele ia ter que se casar comigo, ele quis casar.

Mas a gente tem muita incompatibilidade de pensamento, tanto para criança como pra vida conjugal, eu hoje, falando como psicóloga né, eu percebo que meu marido é casado com

a mãe, não é comigo, ele tem muita dificuldade, ele ainda não cortou o cordão umbilical, tem muita dificuldade em assumir um casamento, ele sente muita culpa de dividir a vida dele comigo e não com a mãe, a mãe é uma mulher super protetora, super dominadora, bem dominante na vida de todos os filhos, não só dele, e antes de mim, eles tinham uma cumplicidade muito grande, e aí, cortar esse vínculo, acho que o conflito dele é ainda maior que o meu, porque eu consigo entender, ele não. Mas a gente tem muita dificuldade dentro da relação e quando você se torna mãe, a mulher ela não tem, a mulher ela não tem o mesmo tempo, ela não tem, você não consegue, assim eu tinha dificuldade de administrar isso, é porque não dá tempo, eu tenho que trabalhar, eu chego, eu quero compensar o neném, que eu fiquei um tempo fora, eu quero brincar, eu quero ver ele desenvolvendo, quer dizer, ele não cobra minha presença, mas é difícil, muda muita coisa, e aí tem esse conflito dele com relação a família dele, a mãe, a ausência de estar lá com eles né, ainda acho que ele está muito imaturo pra um casamento, mas enfim, a família tá aí, tentando, a gente sabe, a gente consegue passar por isso, porém, não vai ser fácil, a gente tá tentando, não vai ser fácil pra mim, tanto pro pai, e a criança, o L. é a parte mais importante da nossa vida, é, só veio pra somar, pra melhorar, pra modificar o nosso mundo né.

E o bebê, acho que o bebê é uma criança feliz, porque ele tem um pai e uma mãe que ama muito ele, e a gente tenta deixar isso muito claro pro nosso filho, que ele é especial, que ele é importante, que ele é perfeito. Então assim, é uma família que está se descobrindo neste momento né, com todas as dificuldades da maternidade, porque ela mexe muito com a relação, a mulher fica louca né, ela sabe tudo, só ela sabe cuidar, só ela sabe mexer, só ela, só ela conhece o filho, cada choro cada respiro, o pai nunca tem condições (risos) de fazer ou suprir o que ele precisa.

Então, a gente fica muito egoísta, muito selvagem, muito selvagem, desperta um instinto primitivo, sei lá, das trevas, que você fica selvagem, e não quer deixar ninguém relar na sua cria, só você manuseia, só você sabe, então é muito difícil você enxergar esses pontos pra poder trabalhar a relação conjugal, com a criança não porque, ele é um bebê ele não percebe né, a gente evita muitas conversas na frente dele, porque não é um ambiente que a gente quer pro nosso filho, mas é... é bem insano. Mas é uma família que está aprendendo junto, tá amadurecendo agora, tá tendo dificuldades, mas a gente tá tendo discernimento pra entender, de conversar, embora há muito egoísmo da parte dos dois, mas tamo aí, ralando pra dar certo.

4.1.3.3.1 Análise

Na unidade 03, observa-se no desenho da família quatro figuras: cachorro, pai, mãe e filho. O filho é representado por uma criança maior e que está mais afastada dos pais. O casal está próximo, mas, embora pareçam se tocar, esta conexão existe apenas em um dedo, o que poderia representar o momento difícil que vivem na relação conjugal, mas com o desejo de estarem mais próximos. A mãe desta família parece ter recuperado parte de sua energia, já que o cabelo está cacheado e volumoso novamente e, embora o vestido esteja sem nenhum detalhe - indicando uma perda da feminilidade -, os traços faciais estão novamente agressivos e enérgicos.

No relato do desenho da história da família, uma atitude básica de oposição e aceitação é identificada. Aceitação ao relatar uma gravidez não planejada, mas que foi bem recebida por ambos, e um casamento cheio de dificuldades, porém a família estava presente, tentando melhorar. Oposição, pois nota-se, no discurso da participante, sentimentos de hostilidade, competição e não colaboração. Ela relata a história de uma família que passou a existir por conta de uma gravidez não planejada, em que a mãe, para que o pai participasse da vida do filho, colocou como condição o casamento: ―Apesar de eu morar sozinha há muitos

anos, eu propus, que se ele quisesse a guarda, o filhinho dele, ele ia ter que se casar comigo, ele quis casar . . .‖. E descreve, ainda, um relacionamento conjugal que tem passado por

diversas dificuldades, devido às divergências de pensamento: ―A gente tem muita

incompatibilidade de pensamento, tanto para criança como pra vida conjugal, eu hoje, falando como psicóloga né, eu percebo que meu marido é casado com a mãe, não é comigo . . .‖.

Observa-se a dificuldade da mãe quando se trata dos cuidados relativos ao bebê, em que a mesma interdita o pai, tentando centralizar toda essa responsabilidade em si, como se o ele não tivesse condições para exercer a sua paternidade por estar casado com a própria mãe, e não com ela: ―É uma família que está se descobrindo neste momento né, com todas as

dificuldades da maternidade, porque ela mexe muito com a relação, a mulher fica louca né, ela sabe tudo, só ela sabe cuidar, só ela sabe mexer, só ela, só ela conhece o filho, cada choro, cada respiro, o pai nunca tem condições (risos) de fazer ou suprir o que ele precisa‖.

A mãe parece colocar o pai em um lugar de “desnecessário” e estabelece uma condição para ele “ter o filho”, que seria casando-se com ela. Dessa maneira, ele é apresentado como alguém incapaz de cuidar do filho e dela, pois ele está casado com sua própria mãe, segundo a participante. Assim sendo, ela se coloca como onipotente, como quem cuida de tudo, e não há

espaço para o pai nos cuidados da criança, pois, se ele não cuida dela devido à conexão com a própria mãe, então, também, não cuidará do filho.

Observa-se, na figura desenhada, a presença do cachorro, do pai, da mãe e do filho, indicando a importância dessas personagens em sua vida afetiva e familiar. Segundo Hammer (1991), seriam pessoas significativas ao ambiente da participante, considerando que, ao ser solicitado o desenho desta família, foram reativadas percepções infantis, o que justifica a presença do cachorro no contexto - incluído, possivelmente, para atender à demanda emocional da mãe, que insere o cachorro na história apenas para despejá-lo, para colocá-lo para fora por não saber cuidar da criança, assim como procura fazer com o pai.

A participante continua o relato da história da família em primeira pessoa, mostrando- se identificada. Pode-se observar esse sentimento de competição e interdição, podendo ser traduzido como uma condição colocada de forma inconsciente por ela porque, enquanto o cônjuge não se prove capaz de cuidar dela - enquanto esposa -, também não cuidará do filho:

―A gente fica muito egoísta, muito selvagem, muito selvagem, desperta um instinto primitivo, sei lá, das trevas, que você fica selvagem, e não quer deixar ninguém relar na sua cria, só você manuseia, só você sabe, então é muito difícil você enxergar esses pontos pra poder trabalhar a relação conjugal‖, o que denota uma figura materna negativa. De acordo com o

discurso, a participante se mostra consciente das dificuldades conjugais que esta família enfrenta, embora essas dificuldades sejam compensadas pelo exercício da maternidade; no entanto, ela finaliza a história enfatizando a não colaboração de ambos nessa relação, mas declara que estão se esforçando para dar certo: ―Há muito egoísmo da parte dos dois, mas

tamo aí, ralando pra dar certo‖.

Foi possível identificar sentimentos derivados do instinto de vida, embora a participante descreva uma mãe que apresenta dificuldades em dividir espaço com o pai e que as dificuldades que envolvem a maternidade impactam no relacionamento conjugal, de forma que a mulher se transforma em uma mãe: ―Selvagem‖, ―Louca‖, ―Egoísta‖, ―Das trevas‖, principalmente quando se trata dos cuidados e educação do bebê. Porém, esses sentimentos são associados ao fato de que a mãe não conta com ele como cônjuge e, então, o afasta do papel de pai, ou seja, se não é meu esposo, também não será pai do meu filho, já que a condição inicial para ser pai da criança era a de ser esposo dela. Isso fica claro, também, na análise categorial da entrevista, pois todas essas questões precedem a gestação, de forma que, antes de dar a notícia sobre a gravidez ao cônjuge, ela tinha a intenção de terminar com ele devido às mesmas queixas - de que ele não vive a família; entretanto, eles se acertam, mas a queixa da participante se perpetua, acentuando-se na maternidade.

Tendências e desejos construtivos são apresentados, pois, embora descreva uma família que enfrenta muitas dificuldades, em especial no que tange ao relacionamento conjugal, ―Mas a gente tem muita dificuldade dentro da relação . . . ele (cônjuge) não cobra

minha presença, mas é muito difícil, muda muita coisa . . . é muito difícil você enxergar esses pontos pra poder trabalhar a relação conjugal . . .‖, apresenta, também, desejos de

crescimento e construtividade, de canalizar energia sexual e agressiva na recuperação de partes sadias: ―. . . a família tá aí, tentando, a gente sabe, a gente consegue passar por isso,

porém não vai ser fácil, a gente tá tentando . . . é uma família que está aprendendo junto, tá amadurecendo agora, tá tendo dificuldades, mas a gente tá tendo discernimento pra entender, de conversar . . .‖.

Embora a participante relate uma história em que várias vezes a mãe ataca o pai, tanto enquanto cônjuge quanto no exercício da paternidade, denotando, aparentemente, impulsos destrutivos - de acordo com o que foi supracitado no parágrafo acima -, ela denota, também, de forma predominante, impulsos amorosos ao buscar por uma reparação dessa relação: ―Mas

enfim, a família tá aí, tentando, a gente sabe, a gente consegue passar por isso, porém, não vai ser fácil, a gente tá tentando, não vai ser fácil pra mim, tanto pro pai, e a criança‖, ―Mas é uma família que está aprendendo junto, tá amadurecendo agora, tá tendo dificuldades, mas a gente tá tendo discernimento pra entender, de conversar, embora há muito egoísmo da parte dos dois, mas tamo aí, ralando pra dar certo‖.

Apresenta ansiedades depressivas, pois o desejo de reparação é recorrente. Existem danos no relacionamento conjugal que impactam no exercício da paternidade do cônjuge, porém existe o medo de ter danificado bons objetos e ela descreve a maneira com a qual tenta reparar tais danos: ―Eu tinha dificuldade de administrar isso (falta de tempo), é porque não

dá tempo, eu tenho que trabalhar, eu chego, quero compensar o neném, que quero brincar, eu quero ver ele desenvolvendo . . .‖. A frase seguinte denota sua preocupação em relação ao

cônjuge, “ele (cônjuge) não cobra minha presença, mas é difícil . . .”, ao mesmo tempo em que destaca que a família, de modo geral, está empenhada em reparar e proteger: ―mas tamô

aí, ralando pra dar certo‖.

Quanto aos mecanismos de defesa, ao ser solicitado o relato da história sobre a aquela família, a participante suspira e sorri, denotando dificuldade, e até certa tristeza, mediante a solicitação. A participante conta a história da família em primeira pessoa, mostrando-se identificada, e, então, como forma de driblar esse desconforto - e como defesa -, começa a história pelo cachorro, como se esse fizesse parte da família como um ser humano, e não como um animal de estimação, o que enfatiza que a mudança que a maternidade havia

proposto estava sendo muito difícil até mesmo para o animal. Identificou-se, ainda, uma regressão a estágios mais primitivos, pois, em muitos momentos, a participante descreve uma mãe que age de forma instintiva.

A participante também racionaliza as dificuldades conjugais e da família ao dizer que seu cônjuge estava casado com a mãe, e não com ela. Também utiliza a formação reativa ao descrever um relacionamento conjugal com muitas dificuldades em todos os âmbitos, mas que, no final, o que importa é ter um filho muito feliz e amado: ―A criança, o L. é a parte

mais importante da nossa vida, é, só veio pra somar, pra melhorar, pra modificar o nosso mundo né, e o bebê, acho que o bebê é uma criança feliz, porque ele tem um pai e uma mãe que ama muito ele‖.

A seguir, o Quadro 3 que sintetiza os principais elementos da análise dos dados do desenho é apresentado.

Quadro 3 - Categorias de análise do DE-T da participante Arizona

Mulher Mãe Família

Atitudes básicas Aceitação Identificação positiva Identificação positiva e negativa Insegurança Oposição Aceitação Figuras significativas

Figura fraterna (ou outras) positiva

Figura fraterna (ou outras) negativa

Figura fraterna (ou outras) negativa Sentimentos expressos Sentimentos derivados do instinto de vida Sentimentos derivados do instinto do conflito Sentimentos derivados do instinto de vida Tendências e desejos

Tendências construtivas Tendências construtivas

Tendências construtivas

Impulsos Amorosos Amorosos Amorosos

Ansiedades Depressivas Depressivas Depressivas Mecanismos de defesa Sublimação Anulação Racionalização Deslocamento Ambivalência Identificação Regressão a estágios mais primitivos Formação reativa

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