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2. CAPÍTULO II – ESPAÇO DOMÉSTICO – OS LUGARES E AS

2.4 Unidade doméstica e as louças da Estância Velha do Jarau

2.4.2 Unidade doméstica e louças – contextos múltiplos

2.4.2 Unidade doméstica e louças – contextos múltiplos

Unidade doméstica e louças são temas relacionados a estudos em Arqueologia Histórica e que vão se configurando conforme os contextos em que os sítios arqueológicos estão inseridos. Por mais que muitas pesquisas busquem apontar padrões de comportamento ou de consumo através da análise das louças e das unidades domésticas é fundamental relacionar os artefatos com o contexto e as especificidades do local em que os sujeitos e grupos sociais estão atuando.

As unidades domésticas podem ser consideradas locais privilegiados de análise das práticas cotidianas e das interações entre os habitantes.

Sobre as unidades domésticas repousa um grande potencial interpretativo. Casa como microcosmo, domínio privado por excelência, fundamento material da família e pilar da ordem social – expressões que contém elementos que fazem pensar sobre a unidade doméstica das sociedades ocidentais com a unidade básica da produção social, reprodução, consumo e socialização (TOCCHETTO, 2004, p. 16).

Tocchetto (2004) ainda afirma que os contextos domésticos possibilitam a interpretação do cotidiano, resultando em uma relação interpretativa de práticas, do lugar onde se vive e a vida cotidiana. Um dos materiais mais fecundos para essa análise relacional são as louças.

Para analisar as louças de um grupo doméstico é preciso antes de tudo entender o que era um grupo doméstico no século XIX. Symanski (1998) afirma que o conceito de grupo doméstico é mais abrangente que aquele de família, pois considera todos os ocupantes de um domicílio independentemente dos vínculos de parentesco.

O conceito de família como é entendido hoje não era o mesmo que no século XIX, pois como afirma Graham:

Qualquer distinção entre família e unidade doméstica permanecia vaga na percepção dos contemporâneos. Eles usavam com freqüência a palavra ―família‖ para incluir várias pessoas não relacionadas por sangue nem por casamento ou compadrio. No caso de uma fazenda, o termo podia indicar escravos, empregados, arrendatários, compadres, afilhados, parentes afastados e próximos. Em suma, todos os que viviam na ou da propriedade (1997, p. 37).

Assim, seja denominando grupo doméstico ou família, quando se referindo ao século XIX, é preciso levar em consideração as afirmações acima, tanto de Symanski (1998) como de Graham (1997), o primeiro afirmando que se deve usar o conceito de grupo doméstico por abranger todos os habitantes de uma propriedade, e o segundo mostrando a especificidade do conceito de família no período estudado, o qual abrange mais pessoas, não somente com laços consangüíneos. Dessa forma, família e grupo doméstico são sinônimos no século XIX e representam a totalidade dos ocupantes de um local, os quais convivem juntos em diferentes níveis de relacionamento.

A família organizada dessa forma serve para garantir a ordem e o controle social. O pai (chefe da família e proprietário) tinha a autoridade sobre a mulher, os filhos, os agregados e sobre os escravos, e às vezes podia ter autoridade sobre outro pai, formando as redes de clientes. O pai era ao mesmo tempo bondoso e enérgico, ele concedia favores, mas também punia quem o desobedecesse (GRAHAM, 1997).

Garantir a ordem era uma preocupação constante dos proprietários e das elites. Um meio eficiente era deixar todo mundo se sentindo superior a alguém, dessa forma legitimando a hierarquia que era formada desde a figura do imperador, indo até o núcleo familiar (GRAHAM, 1997).

Entender a família, percebendo o caráter clientelista e hierárquico dessa relação é importante também para compreender o registro arqueológico representado pelas louças, pois sendo a família tão ampla, os vestígios materiais serão também amplos e

representativos desses vários segmentos que integram a família, na sua diversidade socioeconômica, cultural, étnica, produtiva, entre outras.

Vários trabalhos sobre louças em unidades domésticas foram realizados objetivando entender a relação dos grupos domésticos que habitaram o local e os vestígios deixados, em várias perspectivas.

Lima (1995) desenvolveu pesquisas nessa área e em seu artigo intitulado Prato e mais pratos: louças domésticas, divisões culturais e limites sociais no Rio de Janeiro, século XIX analisa os hábitos burgueses sendo inseridos na sociedade carioca através das práticas adotadas à mesa, na hora do jantar e do chá. Para fazer esse trabalho a autora utiliza as louças e afirma que:

Escavações arqueológicas conduzidas em sítios históricos do século XIX têm seguramente nos fragmentos de louça os principais vestígios recuperados. Na sua quase totalidade, esses cacos correspondem a peças diversas de serviços de jantar, chá e café, como pratos (rasos, fundos, sobremesa), xícaras, pires, malgas, canecas, tigelas, terrinas, travessas, bules, açucareiros, e assim por diante, em uma ampla variedade de padrões decorativos (LIMA, 1995, p. 129).

Lima (1995) afirma que as louças podem ser consideradas metáforas, através das quais as pessoas ―falam‖ das relações sociais. Esses artefatos não são meros reflexos da cultura, mas sim parte integrante em que os indivíduos os decodificam e ajudam a produzi-los no ato da apropriação, e muitas vezes os artefatos condicionam e controlam a ação social.

Lima (1995) demonstra como poderia ter ocorrido a emergência burguesa no Rio de Janeiro, a qual estaria utilizando-se de rituais na hora da alimentação para tentar imitar a nobreza e se firmar na sociedade como um grupo social de destaque, usando a cultura material como mediadora dessas relações.

Isso fazia com que a cultura material fosse ativamente manipulada para marcar as distâncias sociais entre todas essas categorias, num processo que se apoiou fortemente no sistema de objetos e no comportamento inerente à sua utilização, de tal maneira que este sistema está inequivocamente relacionado à hierarquia social (LIMA, 1995, p. 132).

Assim, o estudo de Lima (1995) utiliza as louças como demarcadores sociais e afirma que a ascensão da burguesia carioca está relacionada com o aprimoramento da cultura material e dos hábitos relacionados para se firmar na sociedade do seu tempo.

Segundo Lima (1995), a louça é parte integrante do cenário doméstico, vinculada ao subsistema alimentar, sendo que as mulheres estão tradicionalmente envolvidas, relacionando a louça à esfera feminina.

Tocchetto (2004), em sua tese de doutorado faz uma análise sobre quatro unidades domésticas da capital do Rio Grande do Sul, visando compreender as práticas cotidianas relacionadas às refeições, ao consumo do chá e ao descarte de lixo.

A análise contextual foi o procedimento metodológico para o estudo desses sítios, preocupando-se como os contextos particulares onde se inserem os sítios arqueológicos considerando a cultura material de maneira significativa, buscando seus conceitos e reconhecendo o papel ativo dos sujeitos na sociedade (TOCCHETTO, 2004, p. 17).

―Embora os objetos produzidos em massa e dispersos por um amplo mercado consumidor sejam fisicamente semelhantes ou mesmo iguais, sua trajetória revela uma diversidade de usos e conotações‖ (MILLER apud TOCCHETTO, 2004, p. 183). Essa afirmação demonstra como os significados atribuídos às louças são importantes para entender sua utilização, já que fisicamente são praticamente iguais em todo o mundo, principalmente após a intensificação da produção de faianças finas pela Inglaterra, sendo depois realizada por outros países.

Os objetos comprados pelos grupos domésticos de Porto Alegre demonstram uma preocupação com os itens para o chá e para o jantar em louça e vidro, sendo que esses itens eram compartilhados entre os familiares, convivas, amigos, hóspedes. As unidades residenciais analisadas apontam para essa preocupação em maior ou menor grau, evidenciada pelas diferentes categorias de louças adquiridas.

Outro trabalho desenvolvido nessa área é a pesquisa de Symanski (1998) sobre uma unidade residencial de meados do século XIX, o Solar Lopo Gonçalves, em Porto Alegre, abordando os dois primeiros grupos domésticos que o ocuparam.

Como apontado por Lima (1995) para o Rio de Janeiro, Symanski (1998) também constata a emergência de hábitos burgueses, entre os moradores da cidade de Porto Alegre, e analisa os vestígios deixados no local de morada de um grupo doméstico.

As evidências materiais provenientes de espaços domésticos somente em raras ocasiões podem ser atribuídas a indivíduos específicos. Relacionadas às mais diversas atividades que foram realizadas dentro e fora das estruturas de habitação, essas evidências fornecem informações sobre o grupo doméstico como um todo, o que pode incluir, além da família nuclear, agregados, pensionistas e empregados (SIMANSKY, p. 1998, p. 66).

Symanski (1998), afirma que analisar o material proveniente de uma unidade doméstica possibilita perceber as atividades cotidianas de grupos humanos, relacionadas à produção e reprodução sociais, consumo e socialização.

Arqueólogos históricos têm utilizado esse material em uma ampla gama de vias de pesquisa, fundamentadas em problemáticas tão distintas quanto relações de poder, gênero, discursos ideológicos, construção de identidades, análise de classes, etnicidade e status socioeconômico (TOCCHETTO, et al., 2001, p. 135).

Nesse Solar, o primeiro proprietário (Lopo Gonçalves), segundo Symanski (1998) se preocupou mais em ostentar sua riqueza no domínio público externo, através da casa e de outras posses, do que no domínio doméstico privado, através de luxos à mesa, louças finas e mobílias. Nessa primeira ocupação o Solar servia como chácara para a família, não sendo sua moradia principal.

O status deste bem sucedido comerciante estava verdadeiramente expresso através de sua vida pública, como primeiro presidente da Praça do Comércio de Porto Alegre, secretário do Banco da Província, provedor da Santa Casa de Misericórdia, etc. Da mesma forma sua condição econômica, antes de ser demonstrada pelos itens presentes no interior de seus domicílios, estava exposta através de seu caríssimo sobrado da Rua da Praia, um artefato que, mais do que qualquer outro, indicava sua filiação em um grupo restrito, que tinha acesso ao mais caro item de consumo (SYMANSKI, 1998, p. 116).

Lopo não se preocupou com requintes e levou uma vida austera comparado com as outras famílias abastadas do período. Symanski (1998) tentou explicar isso pela origem humilde tanto de Lopo como de sua esposa, não acostumados com uma vida

doméstica luxuosa, preferindo, dessa forma, adquirir itens de prata ao invés de porcelanas.

Para chegar a essas conclusões Symanski (1998) analisou as práticas de deposição do refugo doméstico do Solar Lopo Gonçalves, primeiramente observando a situação do lixo na Porto Alegre oitocentista, para após compreender o lixo do Solar, principalmente analisando as louças.

Em outro trabalho, Symanski (2002) busca relacionar três contextos de regiões diferentes do Brasil, para buscar compreender as singularidades de cada local, através da análise das louças encontradas nesses sítios arqueológicos. As amostras analisadas ―são provenientes de contextos urbanos, semi-rurais e rurais, os quais foram ocupados por grupos sociais extremamente diferenciados, tais como: fazendeiros, camponeses, comerciantes urbanos e escravos‖ (SYMANSKI, 2002, p. 31).

Na primeira metade do século XIX acentuaram-se as diferenças entre a vida urbana e a vida rural, em vários níveis, sendo um deles o de aquisição de bens materiais, que pode ser percebido no registro arqueológico. (SYMANSKI, 2002, p. 32).

Mesmo existindo louças em praticamente todos os sítios arqueológicos brasileiros do século XIX, independente da sua localização, percebem-se diferenças, seja qualitativamente ou quantitativamente e isso demonstra as particularidades dos contextos em que se inserem os vestígios materiais.

Com essas constatações, o autor levanta as seguintes problemáticas:

Estariam, portanto, as camadas baixas da sociedade concedendo significados similares a itens materiais associados aos valores da elite, em um processo emulativo que teria por propósito seu reconhecimento como membros respeitáveis da sociedade? Ou poderiam alguns segmentos estar rejeitando essa fetichização das mercadorias, utilizando critérios de seleção de seus bens materiais fundamentados em referenciais distintos daqueles da cultura hegemônica? Estaria esta cultura de consumo, com o modo de vida a ela inerente, sendo assimilada em áreas rurais distantes dos principais núcleos urbanos? Em caso positivo, em que medida pode essa cultura ter sido remodelada para adaptar-se às especificidades locais? (SYMANSKI, 2002, p. 37).

Para responder essas questões Symanski (2002) comparou amostras de louças de contextos urbanos, semi-rurais e rurais de diversas regiões do país, de pesquisadores diversos. Analisou o trabalho de Lima (1995) sobre as louças do Rio de Janeiro, sendo que esta autora afirma que os segmentos aburguesados cariocas demonstravam através

de seus rituais do chá e do jantar o valor simbólico dos itens materiais, utilizando faianças finas impressas de alto valor, ironstone e porcelanas. ―Essa fetichização das louças é um exemplo da forte influência que a cultura de consumo do capitalismo industrial estava exercendo no Rio de Janeiro imperial‖ (SYMANSKI, 2002, p. 40).

Outro exemplo de um sítio urbano é a segunda ocupação do Solar Lopo Gonçalves, quando o sobrinho de Lopo, Joaquim Gonçalves estava morando no Solar, que já não é mais uma sede de chácara e sim faz parte da cidade de Porto Alegre. Analisando as louças dessa ocupação, Symanski (2002, p. 24) chega à conclusão que na segunda metade do século XIX, ocorre ―uma ampla dispersão do modo de vida burguês entre os segmentos sociais mais abastados que habitavam as capitais das províncias‖.

Já nas áreas semi-rurais dois sítios que foram abordados, um deles o Solar Lopo Gonçalves, na sua primeira ocupação, como sede de chácara e duas unidades residências de uma vila associada a uma fábrica de pólvora em Magé no Rio de Janeiro, estudado por Sousa (1999). Nos dois sítios é constatada maior rusticidade em relação aos sítios urbanos e revelados ―contrastes relacionados à significância que cada grupo estava atribuindo a esses itens em contextos semi-rurais.‖ (SYMASNSKI, 2002, p. 46). Enquanto os moradores do sitio de Magé se preocuparam em ter aparelhos de chá e jantar, tanto em louças decalcadas, ironstone e porcelana, o grupo que ocupou o Solar esteve alheio a essa preocupação (SYMANSKI, 2002, p. 46).

Desse modo, mesmo os dois sítios estando em áreas semi-rurais, percebem-se especificidades decorrentes do contexto em que estão inseridos, ou seja, o Solar servia como uma casa de chácara, não existindo a preocupação com a aquisição de louças finas, enquanto que as unidades domésticas de Magé serviam como a morada principal, e estavam próximas a cidade do Rio de Janeiro, contendo conjuntos requintados de louça. Esse exemplo demonstra a falta de um padrão de comportamento, mesmo em espaços semelhantes na mesma época, mas que divergem em suas funções e simbologias necessárias para inserir-se no grupo desejado.

Os sítios analisados na área rural foram duas fazendas do Mato Grosso, em Chapada dos Guimarães, e uma fazenda no município de Santa Cruz Cabrália na Bahia. Esses sítios possibilitaram entender que, mesmo que esses grupos fossem influenciados pela cultura de consumo do capitalismo industrial, a assimilação foi mais parcial e contou com a resistência de uma rígida hierarquia social mantida nas estruturas das fazendas. Mesmo a elite rural estando num patamar econômico superior que os moradores de Magé, essa elite adotou menos as práticas burguesas que estavam

consolidando-se nos centros urbanos (SYMANSKI, 2002, p.56). Isso demonstra que o nível socioeconômico de um grupo nem sempre está expresso claramente na sua cultura material, sendo necessário analisar o contexto histórico cultural que o envolve.

Essas diferenciações apontadas por Symanski (2002) podem contribuir para a análise do sítio arqueológico Estância Velha do Jarau, uma vez que este está localizado em uma área rural e pode apresentar elementos que foram elencados por Symanski (2002) para esse contexto.

Para a pesquisa na Estância Velha do Jarau, não se buscou relacionar diretamente as questões de riqueza e status na análise das louças, como foi o enfoque dado tanto por Lima (1995), como por Symanski (1998, 2002), nos trabalhos apresentados acima. Essa escolha reflete a preocupação em mostrar as especificidades dos contextos, sendo que os grupos sociais podem estar ressignificando os valores capitalistas segundo aspectos regionais e locais, não correspondendo a uma simples associação de poder aquisitivo dos consumidores de louças.

Segundo Souza (2010) é muito tentador ver o capitalismo como um pacote fechado que serve para analisar as questões de consumo dos variados contextos e grupos sociais, porém ―sabemos que o que quer que seja que tenha aqui chegado, se reestruturou, ressignificou, re-adaptou a novos contextos, novos personagens, novos ambientes‖ (SOUZA, 2010, p. 272).

As análises de Souza (2010) buscam mostrar como a louça não pode servir simplesmente para identificar status e tentativas dos grupos consumidores se ―aburguesarem‖, ou seja, ―pressupor que tudo se ‗aburguesa‘ (seja lá o que este termo generalizante queira determinar) é, para mim, pressupor uma espécie de aculturação ou de simples re-ação em direção à aquisição de um comportamento normativo‖ (SOUZA, 2010, p. 277).

Muitos trabalhos em Arqueologia Histórica pautam suas análises em verificar a forma como determinadas variações socioeconômicas são manifestadas no registro arqueológico (como se exemplificou acima nas pesquisas em contextos urbanos do Rio de Janeiro e Porto Alegre), porém isso não pode ser norteador e nem considerado padrão de comportamento para todos os contextos em que são estudados os sítios arqueológicos históricos. Pode ser que estas hipóteses se encaixem em alguns contextos urbanos, porém não se pode buscar identificar essas relações em contextos rurais do interior do Rio Grande do Sul, pois conforme afirma Machado (2004, p. 212/213):

...verifica-se que a associação de fatores como comportamento e ascensão de uma determinada classe emergente burguesa é sempre ressaltada, porém a regional história de uma região do interior do RS, que não está fora desse contexto colonial, identificamos que o elemento ‗padrão de comportamento‘ não se enquadra.

A tese de doutorado de Machado tem por objetivo o estudo da cultura material dos sítios arqueológicos Guarda de San Martin e Casa dos Mello, ambos no município de São Martinho da Serra, interior do Rio Grande do Sul, século XIX, primeiramente contextualizando historicamente o município e demonstrando o cenário gaúcho nesse momento. A autora faz um levantamento do material arqueológico do sítio Guarda de San Martin, analisando os vidros, metais, as louças e as estruturas remanescentes. E realiza um levantamento do material do sítio Casarão dos Mello, além de analisar a construção do casarão arquitetonicamente.

Mais especificamente sobre as louças, Machado afirma que:

Em regiões distantes dos grandes mercados como São Martinho, verificamos que a louça simples era apenas mais um elemento da tralha doméstica. Analisaremos a presença massiva da louça barata, tanto num sítio quanto no outro e as várias funções e formas. Em nenhuma das duas áreas há conjuntos de mesa, sendo uma variedade de peças, diferente do Rio de Janeiro e Porto Alegre (2004. p. 27).

A partir disso a autora tenta perceber o comportamento de consumo dos moradores de São Martinho, notando que nem sempre as louças são indicativos de status e nem seguem a moda à mesa, utilizados muitas vezes os artefatos de maneira funcional.

Verifica-se que a louça é uma necessidade e não um luxo, principalmente para a sociedade consumista martinhense, ela não pode ser tratada como um elemento de referência econômica e nem cronológica, pois as pessoas adquirem louças para satisfazer uma necessidade utilitária (MACHADO, 2004, p. 212).

Dessa maneira, nota-se que para cada local e contexto os vestígios arqueológicos podem ter conotações diversas representando algo diferente para o grupo humano que o utilizou no passado e para o arqueólogo que no presente o interpreta segundo suas concepções.

Segundo Souza (2010, p. 279) o problema das abordagens que dão exagerada ênfase nas questões de riqueza e status é que algumas vezes elas enveredam para a análise do consumo como mero reflexo, sem averiguar outros elementos que podem ser determinantes nas escolhas dos grupos, como etnia, identidade, cultura, acesso, disponibilidade, classe, gênero, tempo e espaço, entre outros fatores que podem variar conforme o contexto da análise.

Assim, buscou-se problematizar as perspectivas que estão sendo utilizadas para analisar unidades domésticas e louças, mostrando que os contextos são múltiplos e dessa forma os resultados e análises também serão representativos dessa multiplicidade.