• Nenhum resultado encontrado

4.2 VIA COM PIADAS EM LIBRAS

4.2.1 C URVA COM A ANÁLISE DA PIADA “P RÓTESES DE L IBRAS ”

vídeos, seguidas pelos prints de tela das expressões não manuais que dialogam com a sequência das piadas e trazem representações da pessoa surda, da Libras e/ou da surdez, acompanhados por suas respectivas análises, depois pelos comentários relacionados a cada piada e, por fim, pela análise desses comentários.

Dada a sua relevância identitária e cultural, nada mais sensato do que uma pessoa que quer se relacionar de algum modo com um sujeito surdo buscar se comunicar em sua língua.

Sobre isso, lembrei-me de um pensamento de Mandela (2010) de que gosto muito e que traduz bem essa importância de conversar com alguém em sua língua. Parafraseando, ele faz a reflexão de que se uma pessoa conversa com outra na língua que esta entenda, consegue alcançar sua mente, mas se conversar com ela em sua própria língua, consegue alcançar seu coração.

Para demonstrar algum tipo de interesse por uma pessoa surda, seja com o intuito de estabelecer uma amizade, ensinar, amar ou mesmo demonstrar uma atração física, como no caso da piada, o primeiro passo, de fato, é buscar aprender a língua de sinais. O personagem da piada até demonstrou-se interessado no aprendizado da Libras, mas, ao descobrir que o curso durava em média dois anos, o homem não se sentiu motivado, conforme demonstram o sinal realizado, as expressões faciais e corporais do narrador da piada.

Figura 20 – Descontentamento do homem com o período de duração do curso

Fonte: TV CES Rio Branco (2017).

Além do sinal de demora/demorar, o narrador curva seu corpo um pouco para o lado, fecha os olhos, franze a testa e deixa a boca entreaberta, enfatizando um enorme descontentamento em saber que teria que passar todo esse tempo para aprender a Libras.

Compreendo que se trata de um tempo longo para quem tem o objetivo de conquistar alguém que utiliza a língua objeto do aprendizado, mas, ao iniciar o aprendizado de uma língua estrangeira, sabe-se que é necessário um bom tempo para aprender a se comunicar nessa língua, e com a Libras não seria diferente, conforme já discuti em uma via anterior.

Ocorre que, infelizmente, há pessoas que ainda são guiadas pela vontade de verdade difundida e reforçada, com base na concepção clínica da surdez, de que a Libras é mímica, é gesto; logo, é muito fácil e rápido de aprender. Já discuti, nas análises anteriores, que esse tipo de ensinamento precisa ser desconstruído, pois a Libras, assim como as demais línguas de sinais, apresentam todos os níveis linguísticos: fonético e fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático (QUADROS; KARNOPP, 2004) e discursivo, distinguindo-se das línguas orais auditivas, apenas por sua modalidade espaçovisual (STROBEL, 2008), o que não a torna melhor, nem pior, mas diferente.

No intuito de burlar o tempo necessário para o aprendizado da Libras, o homem fica sabendo que a única forma de usar a língua sem precisar passar pelo período necessário de estudo para aprendê-la é adquirir uma prótese de Libras e vai até o consultório de um médico especialista em Libras, que vendia próteses de Libras. Esses elementos ficcionais entram na narrativa exatamente como uma forma de criticar alguns cursos que prometem fluência rápida na Libras e costumam não dar bons resultados no aprendizado dos que enveredam por esse caminho.

O caminho mais comum para se aprender algum idioma é passar por etapas, denominadas de níveis ou módulos que propõem trabalhar gradativamente o conhecimento básico, em seguida, o intermediário e, então, o avançado na língua. Frizzo (2013, p. 17) argumenta que a teoria que “melhor define e elabora o estudo da aquisição e aprendizagem de uma segunda língua” atualmente é a do norte americano Stephen Krashen, criada por volta da década de 1980. A autora explica que, de acordo com essa teoria, o processo de aquisição da língua ocorre de forma gradual, obtendo amostras e entendendo estruturas que estejam em níveis um pouco mais avançados do que o sujeito já sabe.

Sendo assim, no processo de aquisição e aprendizagem de uma língua, o sujeito vai passando por níveis que vão lhe dando suporte para ir avançando no conhecimento dessa língua.

A piada relaciona esses níveis com os tipos de próteses disponíveis para a venda na loja procurada pelo ouvinte, como se pode observar na sequência de imagens apresentadas a seguir.

Figura 21 – Tipos de próteses/níveis de fluência na língua: básico

Fonte: TV CES Rio Branco (2017).

Figura 22 – Tipos de próteses/níveis de fluência na língua: intermediário

Fonte: TV CES Rio Branco (2017).

Figura 23 – Tipos de próteses/níveis de fluência na língua: avançado

Fonte: TV CES Rio Branco (2017).

É possível e interessante observar nas imagens que as expressões faciais e corporais do narrador da piada vai se modificando, de acordo com cada nível apresentado. Na imagem relacionada ao nível básico, seus olhos estão fechados, a boca está levemente encurvada, o corpo está parado, voltado para frente, e as mãos estão realizando o sinal de “básico” um pouco mais em baixo.

Já na imagem que diz respeito ao nível intermediário, os olhos estão abertos, a cabeça está um pouco inclinada para a lateral e as mãos estão em uma altura mediana. A imagem relacionada ao nível avançado, por sua vez, leva o narrador a fechar os olhos novamente, mas coloca mais expressividade, as mãos estão movimentando à frente do corpo (no espaço neutro) com muita intensidade, realizando o sinal de “sinalizar”.

Embora se tratando de um gênero literário, que traz a ficcionalidade e elementos tradicionais da narrativa, como personagem, enredo, tempo e narrador, essa piada permite a identificação de aspectos linguísticos da Libras importantíssimos na língua que são as expressões não manuais, as quais foram destacadas nos dois parágrafos anteriores. Compreendo que a utilização dessas expressões é essencial não só para dialogar com a mensagem transmitida no texto sinalizado, mas também para atuar como uma espécie de metalinguagem no sentido de explicar as potencialidades da sinalização na língua, de acordo com cada nível.

Sem quebrar a expectativa de quem acompanha a narrativa, o personagem escolhe a prótese avançada, faz a cirurgia nos braços, passa a utilizar a prótese e, finalmente, volta a procurar a mulher surda para conversar. No entanto, ao contrário do que se espera, e aí entra a ativação do gatilho do humor, a mulher responde à sinalização do homem com um tapa na cara.

Revoltado com o resultado, o homem volta ao consultório para saber o que aconteceu para a sua sinalização não surtir o efeito esperado. Após examinar o caso, médico dá o resultado:

faltou expressão facial.

Não só nessa via, mas também em vias anteriores, discuti sobre os parâmetros básicos das línguas de sinais, entre os quais se encontram as expressões não manuais, que envolvem as expressões faciais e corporais. Em uma conversação em Libras, é extremamente exaustivo conversar com uma pessoa que, embora sinalize corretamente os sinais, não faça uso, sobretudo, das expressões faciais. Além disso, pode até interferir no sentido da mensagem que está sendo passada, o que pode justificar a reação da personagem surda na piada.

Em suma, com base nos elementos analisados, compreendo que essa piada traz uma representação positiva em relação à Libras, evidenciando elementos linguísticos e estéticos que a tornam uma língua complexa e bastante expressiva. Também ensina que não é de qualquer forma, utilizando apenas gestos ou mímicas, que as pessoas surdas se expressam e se comunicam, muito menos utilizando uma língua artificial, capaz de ser aprendida de forma mecânica.