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Mesmo que a presente pesquisa tenha sido realizada com base predominantemente na observação participante e na análise documental, a utilização de entrevistas qualitativas foi fundamental para apreender o ponto de vista dos agentes envolvidos. Importante salientar que tal como na observação, o uso da entrevista como instrumento de pesquisa ultrapassa as dimensões exclusivamente técnicas, permeando questões de ordem epistemológica, teórica e metodológica suscitadas por sua utilização (POUPART, 2010, p. 246). Conforme destaca o autor, “O uso de métodos qualitativos e da entrevista, em particular (...) é tido como um meio de dar conta do ponto de vista dos atores sociais e de considerá-lo para compreender e interpretar suas realidades” (POUPART 2010, p. 216).

Para Goode e Hatt (1973, p. 238), “cada vez mais, o cientista social deixa os livros e busca o fenômeno social num esforço de construir os fundamentos da ciência (...) a entrevista é a base sobre a qual repousam os outros elementos, pois é a fase de coleta de dados”.

Segundo esses dois autores, “a entrevista assumiu grande importância na pesquisa contemporânea, devido à revalidação da entrevista qualitativa” (GOODE; HATT 1973, p. 239-240). Para Poupart (2010, p. 216), por sua vez, “a entrevista de tipo qualitativo se imporia entre as “ferramentas de informação” (...) como instrumento privilegiado de acesso à experiência dos atores”.

Outro elemento importante é que a entrevista é um processo de interação social (GOODE; HATT 1973; GIL, 2009). Também há de se considerar que “A entrevista é uma das técnicas de coletas de dados mais utilizada no âmbito das ciências sociais (...) muitos autores consideram a entrevista como técnica por excelência na investigação social” (GIL, 2009, p. 109), contribuindo para a coleta de dados.

Um dos argumentos de tipo epistemológicos utilizados para justificar a escolha pela técnica segundo Poupart (2010, p. 216-217) é que “(...) as condutas sociais não poderiam ser compreendidas, nem explicadas, fora da perspectiva dos atores sociais (...), ou seja, o sentido que eles mesmos conferem às suas ações”.

Tal como argumentam Selltiz et al. (1967, p. 273) referenciado por Gil (2009, p. 109) “(...) enquanto técnica de coleta de dados, a entrevista é bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, (...) bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes”.

Neste ponto é importante considerar o processo de fundação do Fórum. Como será aprofundado no capítulo a seguir, este espaço foi constituído em meados da década de 90, período não acompanhado, nem como participante, pela presente pesquisadora. Interessava verificar com um grupo de organizações que participam há mais tempo, especialmente as organizações fundadoras do Fórum, porque razões e de que maneira conseguiram formar tal configuração.

Pela flexibilidade que apresenta esta técnica (GIL, 2009, p. 111), foram definidos diferentes tipos de entrevista, em função de seu nível de estruturação. Segundo classificação utilizada por Gil (2009, p. 111–114) podemos considerar que as entrevistas realizadas com duas das organizações

fundadoras do Fórum, que serão denominadas de entrevistado A15 e entrevistada B16, e uma participante assídua desde o início deste processo que será denominada entrevistada C17, foram entrevistas focalizadas.

Este tipo de entrevista, segundo Gil (2009, p. 112) é a menos estruturada possível, todavia enfoca um tema bem específico: a fundação do Fórum de Agricultura Familiar da Região Sul do Rio Grande do Sul. Neste caso, a entrevistadora incentivou às pessoas entrevistadas, a falar livremente sobre o assunto, tal como se recomenda neste tipo de entrevista. Isso coincide com a apreciação de Poupart (2010, p. 224) no sentido de que “o papel do entrevistador consiste simplesmente em facilitar, por suas atitudes e intervenções, a livre expressão dos pontos de vista”.

Para Gil (2009, p. 112), “esse tipo de entrevista [focalizada] é bastante empregado em situações experimentais, com o objetivo de explorar a fundo alguma experiência vivida em condições precisas”. Interessava à pesquisadora identificar algumas das motivações das organizações que promoveram a fundação do Fórum e que, segundo as observações realizadas tiveram papel fundamental para a continuidade do Fórum de Agricultura Familiar bem como para a aproximação de novas categorias sociais nesse espaço, por meio da mediação social, conforme os argumentos que serão apresentados mais adiante.

Além de obter uma melhor compreensão do processo de mobilização das organizações e constituição do Fórum, procurou-se identificar a percepção das organizações fundadoras sobre as principais mudanças observadas ao longo destes anos e o significado do Fórum para a região.

Com outro grupo de pessoas, que serão denominadas de entrevistada D18, entrevistado E19, entrevistado F20, entrevistado G21, entrevistado H22,

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Eng. Agrônomo, atualmente chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Clima Temperado (Embrapa).

16

Eng. Agrônoma, coordenadora do CAPA/Núcleo Pelotas e membro da coordenação do Fórum de Agricultura Familiar da Região Sul do RS.

17

Professora universitária aposentada, atualmente é representante da Setorial das Mulheres no Colegiado Territorial do Território da Cidadania Zona Sul do Estado/RS.

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Pescadora artesanal, membro da coordenação do Fórum de Agricultura Familiar da Região Sul do RS.

19

Liderança quilombola, membro da coordenação do Fórum de Agricultura Familiar da Região Sul do RS.

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Liderança quilombola, representante das comunidades quilombolas no Colegiado Territorial do Território da Cidadania Zona Sul do Estado/RS.

entrevistado I23 e entrevistado L24, foram realizadas entrevistas por pautas, segundo classificação de Gil (2009, p. 112).

Segundo o autor, “a entrevista por pautas apresenta certo grau de estruturação, já que se guia por uma relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso” (GIL, 2009, p. 112).

No caso das entrevistas realizadas com essas pessoas, objetivou-se identificar a atuação de mediadores e a percepção de grupos que numa época não participavam no Fórum, especificamente os pescadores artesanais e as comunidades negras rurais, denominadas comunidades quilombolas. Assim como se preconiza neste tipo de entrevista, a pesquisadora fez poucas perguntas diretas e deixou as pessoas entrevistadas falarem livremente à medida que se referiam às pautas assinaladas.

Segundo GIL (2009, p. 112) “as entrevistas por pautas são recomendadas, sobretudo, nas situações em que os respondentes não se sintam à vontade para responder a indagações formuladas com maior rigidez”.

Para o autor, “a preferência por um desenvolvimento mais flexível da entrevista pode ser determinada pelas atitudes culturais dos respondentes ou pela própria natureza do tema investigado ou por outras razões” (GIL, 2009, p. 112).

Como vimos, o estudo de caso permite investigar situações sociais particulares, proporcionando a investigação de particularidades e elementos contextuais próprios do caso analisado que confere à este sua especificidade. Por meio da observação participante, da análise de documentos e das entrevistas (focalizadas e com pauta) foi possível desenvolver o estudo do caso.

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Agricultor familiar, presidente da Coopar/São Lourenço do Sul, participante do Fórum de Agricultura Familiar da Região Sul do RS.

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Assentado de reforma agrária - liderança do MST e presidente da Coopersul/Piratini. Já esteve na coordenação do Fórum de Agricultura Familiar da Região Sul do RS. Atualmente representa os assentados de reforma agrária no Colegiado Territorial do Território da Cidadania Zona Sul do Estado/RS.

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Extensionistas rural, atualmente atua como coordenador regional da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural na região sul do RS.

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Assessor especial do gabinete do ministro do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Atuou

como delegado federal do desenvolvimento agrário no RS, no período de 2005–2012

participando com frequência como representante do MDA nas reuniões do Fórum de

Agricultura Familiar da Região Sul do RS e membro nato do Colegiado Territorial do Território da Cidadania Zona Sul do Estado/RS.

Os diferentes procedimentos metodológicos tiveram por objetivo coletar os dados relativos às seguintes dimensões: (a) identificar as organizações que frequentaram as atividades do Fórum no período investigado e analisar o processo de gestão desse espaço social; (b) identificar o número de eventos realizados e os principais pontos de pauta no período buscando compreender a dinâmica e as práticas estabelecidas pelo Fórum; (c) analisar as parcerias públicas e os recursos mobilizados pelo Fórum e parceiros e (d) identificar os principais resultados obtidos no período; as quais serão apresentadas no capítulo a seguir.

3 O CASO “FÓRUM DE AGRICULTURA FAMILIAR DA REGIÃO SUL DO RIO GRANDE DO SUL”: ENTRE (RE) CONFIGURAÇÕES E MEDIAÇÕES

Como vimos no primeiro capítulo, a agricultura familiar25 se constituiu como categoria social na década de 1990, período de redemocratização política na qual o país vivia uma intensa mobilização social. Nessa mesma época, em outras partes do estado e em diferentes partes do país, pequenos agricultores organizados se mobilizavam em torno da constituição e visibilização dessa nova categoria social.

Produto de lutas sociais, a emergência do que antes se denominava de “pequenos agricultores” no cenário nacional culminou entre outras ações, na formulação do Pronaf, em decorrência do reconhecimento dessa categoria social pelo Estado brasileiro.

No meio acadêmico, a agricultura familiar passou gradativamente a ocupar espaço nas pesquisas, tornando-se tema relevante na área dos estudos sociais26: “Em uma palavra pode-se dizer que a década de 1990 foi iniciada sob a marca da entrada da agricultura familiar no vocabulário acadêmico” (FAVARETO, 2010, p. 31).

Em meio a esse movimento nacional, destaca-se a organização social dos agricultores familiares do Rio Grande do Sul27. Na região sul do estado, em

25

De acordo com a Resolução n. 48/2004/MDA/CONDRAF, entende-se por agricultor(a) familiar, o conceito adotado pelo Pronaf, que inclui: a) produtores(as) rurais cujo trabalho seja de base familiar, quer sejam proprietários(as), posseiros(as), arrendatários(as), parceiros(as) ou concessionários(as) da Reforma Agrária; b) remanescentes de quilombos e indígenas; c) pescadores(as) artesanais que se dediquem à pesca artesanal, com fins comerciais, explorem a atividade como autônomos, com meios de produção próprios ou em parceria com outros pescadores artesanais; d) extrativistas que se dediquem à exploração extrativista ecologicamente sustentável; e) silvicultores(as) que cultivam florestas nativas ou exóticas, com manejo sustentável; e f) aquicultores(as) que se dediquem ao cultivo de organismos cujo meio normal, ou mais frequente de vida seja a água.

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Para aprofundamento no tema sugere-se a leitura de SCHNEIDER, Sergio (Org.) A diversidade da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.; SCHNEIDER, Sergio. A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2ª ed. 2009. ABRAMOVAY, R. et al. A agricultura familiar entre o setor e o território. São Paulo: FEA/USP, 2005. CARVALHO, H. M. O campesinato no século XXI: possibilidades e condicionantes do

desenvolvimento do campesinato no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005.

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Sobre a trajetória de organização da agricultura familiar no RS ver PICOLOTTO, E. L. “Sem

medo de ser feliz na agricultura familiar”: o caso do movimento de agricultores em Constantina- RS. Santa Maria: UFSM, 2006. (Dissertação de Mestrado). A emergência dos “agricultores

familiares” como sujeitos de direitos na trajetória do sindicalismo rural brasileiro. Centro de Estudios Histórico Rurales. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación. Universidad Nacional de La Plata. Mundo Agrario, vol. 9, nº 18, primer semestre de 2009. _____________. Quando novos atores entram em cena o que muda? A construção de representação política dos agricultores de base familiar no Sul do Brasil. Revista Espaço Acadêmico, nº 91, dezembro

meados da década de 90 do século XX, um pequeno grupo de pessoas ligadas às organizações que apoiavam pequenos agricultores da região, em conjunto com a chefia geral e pesquisadores da Embrapa Clima Temperado, decidiram criar um espaço de interlocução e de elaboração de propostas para incidir na agenda de pesquisas da Embrapa, na perspectiva de colocar no debate o tema da agricultura familiar.

O local dos encontros foi a Estação Experimental Cascata (EEC) da Embrapa Clima Temperado. Nascia assim, em 1995, o Fórum Regional da Agricultura Familiar.

Neste capítulo, abordaremos a trajetória deste Fórum e suas diferentes configurações, considerando o momento de sua fundação até o ano de 2012. A ênfase nas interpretações será dada para o período de 2004 a 2012, objeto de estudo da presente investigação.

A primeira parte do capítulo é dedicada à descrição dos fatos ocorridos e das configurações que se formaram em cada um dos anos investigados, com base nos documentos disponíveis e na observação e nas entrevistas realizadas.

Após a apresentação dos dados, são destacadas as hipóteses que delinearam a argumentação acerca dos elementos que determinaram as configurações descritas, do ponto de vista da pesquisadora: a interdependência do contexto político-institucional e a ação de mediadores sociais, no caso deste estudo, a exercida pelo Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA) junto às comunidades quilombolas e aos pescadores e pescadoras artesanais.

Encerramos o presente capítulo com a apresentação dos resultados obtidos pelo Fórum no período investigado, diferenciações e tensionamentos existentes nesse espaço social.

de 2008; PICOLOTTO, E. L. Diesel, V. Implicações da Apropriação da Categoria “Agricultura Familiar” na Trajetória da Organização dos Agricultores do Alto Uruguai do RS. Desenvolvimento em Questão. Editora Unijuí: ano 6, n. 11, jan./jun. 2008

3.1. Configuração 1: Da fundação do Fórum ao processo de rearticulação