• Nenhum resultado encontrado

Os resultados desta pesquisa confirmam a expectativa de que as pessoas que vivem com HIV são polimedicadas. Para a Bjerrum et al. (1999), a polimedicação constitui-se na utilização de dois ou mais medicamentos. Além disso, destaca-se que o número de medicamentos em uso pelas pessoas que vivem com HIV na AMUREL está subestimado uma vez que os medicamentos (não antirretrovirais) prescritos não foram computados.

5.2.1 A automedicação por pessoas que vivem com HIV

Destaca-se que a automedicação, embora haja controvérsia, é considerada pela própria Organização Mundial da Saúde (WHO, 1998) uma estratégia de autocuidado, que deve ser adotada com muita responsabilidade em qualquer faixa etária ou extrato da população. No entanto, em populações ditas especiais, como é o caso de pessoas que vivem com HIV, esta prática deve ser ainda mais cuidadosa, para que não haja o uso irracional de medicamentos, com consequente interação medicamentosa com a TARV.

Além disso, a automedicação aumenta a complexidade dos tratamentos uma vez que contribuem para a polimedicação (AJUOGA et al., 2008; RUIZ, 2010; WHO, 2008), como observado nos resultados deste estudo.

Contudo, esta prática mostrou-se ser comum entre as pessoas que vivem com HIV na região da AMUREL e apresentando prevalências superiores a alguns trabalhos internacionais (FLASKERUD; NYAMATHI, 1996; FOLGUEMAN et al., 1994; FURLER et al., 2004; KHAMBOONRUANG et al., 1996).

As principais finalidades para o uso de medicamentos sem prescrição foram as situações dolorosas, com o uso de medicamentos de ação no sistema nervoso, como o paracetamol e dipirona, o que demonstra semelhança à realidade apresentada por Furler et al (2004).

Contudo, mesmo que em menor proporção, o uso de alguns medicamentos descritos conduz para uma prática irracional. Estes medicamentos são representados em especial, pelos antibióticos e por outros medicamentos controlados, como é o caso de benzodiazepínicos. Mesmo que outros autores (ABELLANOSA; NICHTER, 1996; FLASKERUD; NYAMATHI, 1996; KHAMBOONRUANG et al., 1996) tenham descrito o uso de antibióticos por automedicação nesta população para o manejo de DST, seu uso pode mascarar outras doenças oportunistas (AJUOGA et al., 2008; RUIZ, 2010; WHO, 2008) e dificultar o tratamento adequado desta síndrome. Estes medicamentos, bem como os benzodiazepínicos por serem controlados, não poderiam ser comercializados sem prescrição médica (BRASIL, 2011; BRASIL, 1998).

Por outro lado, quando esta prática é adotada no manejo das reações adversas da TARV pode ser considerada racional uma vez que poderia aumentar a adesão a esta terapia (BIUDES; GALATO, 2012), no entanto, esta finalidade não foi relatada pelos entrevistados.

Neste sentido, é importante que estes pacientes sejam orientados pelos profissionais que o acompanham, a buscar junto às consultas de rotina com os seus médicos a indicação dos medicamentos para o manejo dos problemas menores de saúde. Desta forma, não se estará impedindo a prática da automedicação, mas sim, possibilitando a sua realização de forma mais responsável (GALATO et al, 2009).

Com as análises univariadas verificou-se que vários fatores sócios demográficos não estão associados à prática da automedicação, mesmo que em outros estratos da população tenham apresentado relação com este cuidado (PFFANFENABACH; TOURINHO; BUCARETHCHI, 2010; SCHMID; BERNAL; SILVA, 2010; VOSGERAU; SOARES; SOUZA, 2008). Também não foi identificada associação para variáveis clínicas e de uso de medicamentos, ainda que alguns trabalhos tenham associado à automedicação a estes parâmetros em pessoas que vivem com HIV (FOLGEMAN et al. 1994 ; SMITH et al, 1999).

O modelo construído a partir da regressão de Poisson de variação robusta identificou uma única variável associada à prática de automedicação nos últimos quinze dias, que foi o consumo de álcool, ou seja, aqueles indivíduos que fazem uso de bebida alcoólica praticam menos automedicação. Isto pode ter ocorrido, pelo fato de que os pacientes que consomem álcool podem não realizar o autocuidado de forma adequada, ou ainda, pelo fato

do álcool possuir propriedades farmacológicas como analgésica, sedativa e relaxante, o que indicaria uma substituição de medicamento pelo uso do álcool. No entanto, cabe destacar que o uso abusivo de álcool não está relacionado a automedicação.

Desta forma, observou-se que a prática de automedicação é bastante difundida entre as pessoas que vivem com HIV e que ações no sentido de torná-la mais racional devem ser executadas.

5.2.3 Uso de antirretrovirais e adesão farmacoterapêutica

Destaca-se que a maioria das pessoas entrevistadas estava em uso de terapia antirretroviral mesmo que nos serviços investigados esta proporção seja de aproximadamente metade dos pacientes cadastrados (dados fornecidos pelos Serviços). Este resultado está relacionado à seleção da amostra, pois a realização da pesquisa no serviço possibilita maior chance dos pacientes em tratamento serem convidados a participar devido a maior frequência de visitas destes aos ambulatórios.

Os medicamentos antirretrovirais utilizados e as associações farmacológicas são semelhantes à de outros estudos (BLATT et al., 2009; ROMEU et al., 2012). A escolha por esses esquemas terapêuticos pode ser justificada pela existência de protocolos publicados pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2008).

Conforme abordado anteriormente, um dos grandes desafios para o controle desta doença é a garantia da adesão farmacoterapêutica. Conhecer o perfil de adesão dos pacientes ao tratamento possibilita o desenvolvimento de estratégias no sentido de mantê-la ou de melhorá-la (DIAS et al., 2011; NARCISO; PAULILO, 2001). A adesão, além de estar relacionada com a melhora clínica do paciente e consequentemente com a redução da frequência de doenças oportunistas (MELCHIOR et al. 2006), está ligada à seleção de vírus resistentes (WHO, 2004).

No entanto, a adesão farmacoterapêutica não é um comportamento fácil de ser aferido (ROSA; ELKIS, 2007; GALATO; SHUELTER-TREVISOL; PIOVEZAN, 2012). Geralmente os métodos indiretos de medida como aplicações de questionários autorrelato podem superestimar seus valores (OIGMAN, 2006). Já métodos diretos, que a princípio são mais fidedignos nem sempre estão disponíveis (POLEJACK; SEIDL, 2010).

Para garantir a maior fidedignidade destes dados foram adotadas cinco diferentes formas indiretas de aferição da adesão nesta pesquisa. Os resultados de adesão obtidos para as pessoas que vivem com HIV na região da AMUREL foram bastante distintos dependendo no

método adotado. Corroborando com estes dados Romeu et al. (2012), afirmam que o ideal é fazer uma associação de mais de um método para determinar a adesão farmacoterapêutica, já que no momento não se tem um teste de referência (padrão áureo) para esta avaliação.

Um achado interessante diz respeito a esta diferença, já que foi possível observar, que quando se adotou métodos em que o paciente mensurava a sua adesão, sejam por referir as doses esquecidas nos últimos três dias, seja por expressar a sua percepção sobre o uso de seus medicamentos, observou-se valores altos, sendo considerados aderentes mais que 80% dos entrevistados em uso de antirretrovirais. Por outro lado, sugere-se que nos métodos em que os pacientes não conseguiam manipular as informações como no teste de Morisky, datas de retirada da farmácia e conferência entre a prescrição e a forma descrita de uso dos medicamentos utilizados, observaram-se valores próximos à metade daqueles encontrados anteriormente. O mesmo fenômeno foi identificado na pesquisa realizada por Blatt et al. (2009), no que se refere a adesão referida por dose esquecida ou por percepção em relação a data de retirada da farmácia.

Outro resultado que confirma estas diferenças foi aquele obtido através do índice kappa que demonstrou haver uma concordância razoável apenas entre os resultados de adesão por data de retirada da farmácia e por conferência entre as informações referidas pelos pacientes e a prescrição médica. Por outro lado, o teste de Morisky mesmo com resultados percentuais semelhantes apresentou uma pobre concordância com os resultados obtidos pelo método da conferência. Este instrumento está sendo utilizado para a avaliação da adesão em diferentes terapias farmacológicas, mesmo que inicialmente tenha sido desenvolvido para avaliação da adesão de pacientes com hipertensão arterial sistêmica (MORISKY; DIMATTEO, 2011). Contudo, para Ben, Neumann e Mengue (2012), este é um método que apresenta uma baixa sensibilidade e especificidade mesmo para a doença que foi desenvolvida.

Estes resultados são bastante complexos de se interpretar, no entanto, sugerem a necessidade de que ações maiores sejam realizadas no sentido de padronizar os métodos de aferição de adesão para a Aids (POLEJAK, SEIDL, 2010), para que haja possibilidade de comparação de dados epidemiológicos e que esta avaliação passe a ser inserida na clínica durante o acompanhamento do tratamento.

Para definir o método mais adequado de verificação da adesão foram associados estes resultados com o perfil clínico dos pacientes. Observou-se que o único método de adesão adotado que mostrou associação significativa com os valores de CD4 foi aquele de conferência entre a descrição de uso e a prescrição dos medicamentos. De fato, há descrito na

literatura (PINHEIRO et al. 2002; CARVALHO, MERCHÁN-HAMANN; MATSUSHITA, 2007; MELO et al. 2008) que quando o paciente desconhece os seus medicamentos, a forma de uso e é polimedicado há fortes indícios de haver adesão ao tratamento farmacológico.

Destaca-se que o nome do medicamento foi citado apenas na quarta colocação quando se arguiu os pacientes deste estudo sobre a forma de identificação dos medicamentos. A cor, o frasco e o formato do medicamento são descritos como as principais formas de identificação. Isto pode ter relação com as informações contidas nos rótulos dos medicamentos, como apontado por Galato e Piovezan (2011). Outro fator que fortalece esta hipótese, da informação do rótulo interferir neste processo, é o fato de que a maioria dos entrevistados possui algum estudo, sendo que pelo menos um terço dos estudos mais que oito anos.

Através da regressão de Poisson de variância robusta, foi verificada que a prática da automedicação e o paciente ser o único responsável pela medicação diminui a adesão farmacoterapêutica, enquanto não ter dificuldades para a ingestão dos medicamentos aumenta a adesão farmacoterapêutica.

A associação entre adesão e automedicação é reforçada por outros autores

(ACURCIO; GUIMARÃES, 1999; HOVSTTADIUSPETERSON, 2012) que sugerem que a

automedicação diminua a adesão farmacoterapêutica pela possível substituição dos medicamentos prescritos para o tratamento da infecção por alternativas terapêuticas. Este tipo de comportamento tem sido observado principalmente em países da África onde há problemas no acesso aos medicamentos antirretrovirais (OMS, 2008).

Por outro lado, ser o único responsável pela medicação, também se associou negativamente a adesão. Neste contexto, o apoio familiar pode ser fundamental para a garantia da adesão farmacoterapêutica (SILVA; WAIDMAN; MARCON, 2009).

A dificuldade referida pelos pacientes também foi identificada por outros autores (ACURCIO; GUIMARÃES, 1999; BLATT et al. 2009; MECHIOR et al., 2007) já que os efeitos colaterais, o esquecimento e características organolépticas como sabor e odor geralmente são citados como dificultadores da adesão.

Quando se observa os resultados de associação entre a adesão e o perfil dos pacientes, verificou-se que nenhum parâmetro esteve significativamente associado a este comportamento, resultados parecidos ao encontrado por Ilias, Carandina e Main (2011). Uma explicação para este fenômeno seria a de que a adesão está mais relacionado à forma como o indivíduo cuida de sua saúde e ao conhecimento que o mesmo tem sobre o seu problema de

saúde e sobre os medicamentos que utiliza (LEITE et al,, 2012) do que com o perfil sócio demográfico.

Não foi observada associação entre a adesão farmacoterapêutica e a carga viral indetectável. Outros autores (Blatt et al., 2009), já haviam demonstrado resultados semelhantes o que pode ser justificado pela possibilidade de desenvolvimento de resistência viral. Entretanto, para Carvalho et al, 2003, ao acompanharem indivíduos que vivem com HIV, analisando alguns parâmetros como CD4 e carga viral, foi verificado que ao iniciarem o tratamento, 55,6% de toda a população investigada obteve uma melhora positiva na carga viral.

No estudo realizado por Blatt et al. (2009), foi possível analisar que não houve uma associação entre a adesão farmacoterapêutica e a presença de doenças oportunistas, assim como na presente pesquisa. Entretanto, no estudo de Carvalho et al (2003), está associação teve sua significância, ou seja, aqueles indivíduos que apresentavam doença oportunista, apresentavam baixa adesão, essa diferença pode ser explicada, através das diferentes definições de adesão adotadas.

Contudo, quando se avalia os dados da análise bivariada se observa que os pacientes aderentes possuem maior CD4, menor carga viral e menor prevalência de doenças oportunistas quando comparados com os não aderentes, de forma, que deve-se estimular a adesão farmacoterapêutica.

Documentos relacionados