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2 Mutualidade entre os setores de recursos hídricos e de energia elétrica

2.3 Arcabouço jurídico e institucional

2.3.3 Usos múltiplos e prioritários das águas

No Brasil, os conflitos decorrentes de usos múltiplos são fartamente detectados. Por exemplo, Lanna (2002b) descreve problemas entre a geração de energia e a navegação na bacia do Rio Jacuí (RS); entre a atividade mineradora e a qualidade das águas para os demais

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22 O art. 37o, da Lei no 9.433/97, diz: “Das decisões dos comitês de Bacia caberá recurso ao Conselho Nacional

usuários na bacia do rio Araranguá (SC); no Rio São Francisco intensificam-se, cada vez mais, os conflitos entre a irrigação23 e a geração de energia elétrica.

Para Rebouças (2004, p. 36), os conflitos entre geração de energia elétrica e irrigação advêm de como é efetuada a outorga de água para irrigação: somente no caso em que não provoque efeitos deletérios na operação de reservatórios de usinas hidrelétricas. Essa política de “protecionismo operativo” inibe a prática dos usos múltiplos, além de dificultar a gestão participativa nos Comitês de Bacia.

Os conflitos pelos usos das águas tendem a crescer proporcionalmente

à medida que o crescimento populacional aumenta e o nível de desenvolvimento econômico melhora [...] muitos aspectos e componentes do ciclo hidrológico já foram modificados pela ação humana (Tundisi, 2003, p. 1998).

De acordo com a Lei no 9.433/9724, depois de satisfeitas as necessidades essenciais,

deve-se alocar a água em função dos usos prioritários e dos aproveitamentos viáveis.

A ordem de prioridade e o trade-off dos usos e aproveitamentos possíveis dependem dos atores sociais interessados e afetados, aglutinados por meio dos Comitês de Bacia Hidrográfica e subsidiados pelas Agências de Água. Dessa forma, o melhor uso das águas é extremamente atrelado às decisões dos Comitês.

Os objetivos do SNGRH (Lei no 9.433/97, art. 32) deveriam ser atribuídos a um

conjunto orgânico de elementos interdependentes (Lei no 9.433/97, art. 33). Entretanto, isso

não ocorre em razão do grau de imprecisão dos objetivos “a serem alcançados por pessoas jurídicas distintas que se encontram freqüentemente em competição política aberta para cumprir os objetivos listados” (Caubet, 2004, p. 182).

A implementação do planejamento de maneira sistêmica e integrada dos recursos hídricos, segundo o Decreto no 4.613, de março de 2003, deve englobar os seguintes agentes

econômicos, divididos em seis categorias: setor de irrigação; instituições de prestação de

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23 Os desperdícios na agricultura são alarmantes. Cerca de 93% dos quase 3 milhões de hectares irrigados no

Brasil utilizam os métodos menos eficientes: espalhamento superficial (56%), aspersão convencional (18%) e pivô central (19%). Com o agravo que os dois últimos métodos, além de ineficientes, são intensivos em energia elétrica, cuja produção é função dependente da água (Rebouças, 2004, p. 42).

24 Art. 1o, Inciso III – “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a

serviço público de água e esgoto; concessionárias e autorizadas de geração de energia elétrica; setor hidroviário e portuário; setor industrial; e setor de pesca e lazer.

Todavia, segundo Caubet (2004, p. 162-3) os pedidos de outorga estão sendo deferidos pela Agência Nacional de Águas (ANA), sem que as prioridades de uso dos recursos hídricos25 sejam definidas e sem prévio planejamento, debatido e aprovado pelos

Comitês de Bacia. As razões seriam “a pressão exercida pelos usuários e a própria necessidade de implementar instrumentos já operacionais”, porém sem a possibilidade de aguardar a elaboração definitiva do Plano de Bacia.

Entretanto, paralisar o processo de outorga em virtude da ausência do Plano de Bacia ou do próprio Comitê de Bacia pode ser temerário para o efetivo estabelecimento deste novo sistema de gestão das águas.

Os Planos de Bacia são de longo prazo e visam a orientar a implementação do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) nas bacias hidrográficas. O Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, regulamenta, segundo a Lei estadual no 10.350, de 30 de dezembro de

1994, art. 26, os Planos de Bacia, os quais

têm por finalidade operacionalizar, no âmbito, de cada bacia hidrográfica, por um período de 4 anos, com atualizações periódicas a cada 2 anos, as disposições do Plano Estadual de Recursos Hídricos, compatibilizando aspectos quantitativos e qualitativos, de modo a assegurar que as metas e usos previstos pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos sejam alcançados simultaneamente com melhorias sensíveis e contínuas dos aspectos qualitativos dos corpos de água.

O conteúdo mínimo dos Planos de Bacia é disposto pelo art. 7o da Lei no 9.433/97 e,

no que diz respeito à produção de energia elétrica, destacam-se os incisos II, III e IV, in verbis: II - análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo;

III - balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais;

IV - metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis;

O uso dos recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica está subordinado às prioridades estabelecidas no PNRH, Lei no 9.433 de 1997, art. 12, a saber:

D 25 A Lei no 9.433/97 dispõe, no Art. 13 que:

Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso.

Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:

§ 2º A outorga e a utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica estará subordinada ao Plano Nacional de Recursos Hídricos, aprovado na forma do disposto no inciso VIII do art. 35 desta Lei, obedecida a disciplina da legislação setorial específica.

Esse artigo afeta não somente as usinas hidrelétricas, mas toda a atividade produtiva de energia elétrica, uma vez que os usos sujeitos à outorga serão cobrados pelo uso dos recursos hídricos (Lei no 9.433/97, art. 20).

2.4 Conclusões

Duas condições, dentre outras, são necessárias para a gestão e o planejamento das águas, por meio dos Comitês de Bacia: a legitimidade externa e a autoridade interna. A primeira condição confere competência legal ao Comitê, de modo que suas decisões presumem-se legítimas e devem ser respeitadas – caso as repercussões não ultrapassem o âmbito da bacia e da sociedade representada pelo Comitê. A segunda condição, de modo semelhante, submete o Comitê à sua própria decisão, ainda que não unânime, de respeitar e desenvolver as regras de utilização dos recursos hídricos.

Não obstante, cabe ao Estado o empenho para alcançar os fins últimos da coletividade, seja a educação dos cidadãos (como em Platão), a ordem social (como em Hobbes), os direitos individuais (como em Locke) ou o contrato social (como em Rousseau). Destarte, a participação, no processo decisório, deve ser

entendida como a possibilidade de todos os cidadãos terem condições de opinar e influenciar na decisão final relativa às opções coletivas. Isso não é afirmar que o Estado não deva definir ou tutelar os processos de realização da cidadania (Caubet, 2004, p. 113-4).

A importância das Nações quanto ao uso dos recursos hídricos pode ser medida pela capacidade de otimizar racionalmente a água disponível. A inércia política, tradicional para legislar, é apontada como resultado de idéia de abundância de água no território (Rebouças, 2004, p. 28).

O planejamento integrado será efetivo quando deixar de ser meramente residual, ou seja, quando emergir sua real importância transversal aos demais segmentos econômicos e deixar de administrar o que sobra das águas, depois que os principais agentes econômicos

tomaram suas decisões e fizeram seus planos. Umas das principais conseqüências do planejamento isolado dos outros setores econômicos é o aumento dos conflitos de uso que se somarão aos já existentes. O planejamento integrado não será uma opção do planejador, e, sim, uma necessidade diante do crescimento e do desenvolvimento econômico.

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TRRAABBAALLHHOO científico tem como meta a compreensão interpretativa da ação a fim de

obter uma explicação de suas causas, de seu curso e dos seus efeitos. A objetividade da ciência

não é produto da imparcialidade do cientista tomado individualmente, mas um produto do caráter social ou público do método científico; e a imparcialidade do cientista individual é, na medida em que, não a fonte, mas o resultado desta objetividade social ou institucional organizada da ciência (Popper, 1966, p. 219- 20)

Nesse sentido, este Capítulo apresenta a revisão das metodologias e técnicas utilizadas e testadas durante os estudos desta tese, além de abordar outros trabalhos desenvolvidos que utilizaram a Dinâmica de Sistemas e as técnicas ou metodologias multicritério no âmbito do planejamento dos setores de energia elétrica e dos recursos hídricos. Dessa forma, ressalta-se que uma das contribuições deste trabalho acadêmico, após

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testar diversas técnicas e métodos apresentados, é a abordagem conjunta dos métodos de otimização multicritério (multiobjetivo) e de Dinâmica de Sistemas.

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