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Do ponto de vista da utilização das diferentes ferramentas pedagógicas nos diferentes níveis de ensino, em contexto de sala de aula

2. A educação na sociedade do conhecimento

5.3 Do ponto de vista da utilização das diferentes ferramentas pedagógicas nos diferentes níveis de ensino, em contexto de sala de aula

Ao longo da exposição teórica deste estudo, foi possível verificar que, no universo da evolução tecnológica, se destaca a Internet. As medidas legislativas, quer pela implementação de projectos, quer no contexto curricular, têm, nos últimos tempos, dado especial atenção à importância deste recurso em contexto educativo. As próprias Metas conferem-lhe a devida importância na medida em que determinam a sua utilização numa dimensão que atravessa os vários ciclos de ensino. Parte-se, então, da hipótese que os educadores/professores promovem uma utilização equitativa da Internet nos diferentes níveis de ensino.

As propostas teóricas têm, também, sugerido a integração das TIC na educação numa perspectiva de intervenção precoce e continuada ao longo de toda a escolaridade. As Metas de Aprendizagem clarificam esta exigência, associando explicitamente umas ferramentas a uns níveis de ensino e direcionando outras aos restantes. Foi já referido que as Metas para o Pré- escolar abordam claramente o recurso aos jogos e a programas de desenho, ferramentas que não são tão explícitas nos 2.º e 3.º ciclos. Nesta abordagem, parte-se ainda da hipótese que existe uma utilização mais frequente destas ferramentas nos níveis de ensino mais baixos.

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https://comunidade.ese.ipb.pt/ieTIC Bragança, 1-2 de Junho de 2012 Com que frequência promove a utilização das seguintes

ferramentas, por parte dos seus alunos, em contexto de sala de aula? TOTAL Hierarquia das médias N=40 PRE N=10 1CEB N=10 2CEBN=10 3CEBN=10 Internet 3,2 2 3,2 3,6 3,8

Apresentações Eletrónicas (PowerPoint...) 2,9 1,8 2,8 3,6 3,2

Processamento de Texto (Word…) 2,6 1,3 2,9 2,6 3,7

Jogos 2,2 1,9 2,6 2,4 1,9

Desenho Digital (Paint…) 1,7 1,8 2,5 1,4 1,1

Fonte: Inquérito por questionário 1 – Nunca 5 – Diariamente

Quadro III – Utilização de Ferramentas TIC em contexto de Sala de Aula

Face aos resultados obtidos constata-se que, globalmente, a Internet, em contexto de sala de aula, é a ferramenta mais utilizada. Regista-se uma utilização progressivamente maior, em função dos níveis crescentes de escolaridade. Todavia, pelos resultados obtidos, considera-se que a utilização da internet está ainda distante de uma plena integração no quotidiano do trabalho dos professores e na assunção de que a sua utilização vai ao encontro das medidas previstas nas Metas de Aprendizagem.

O desenho digital, por sua vez, é a ferramenta globalmente menos utilizada. Também os jogos registam níveis de utilização pouco frequentes. De referir, ainda, que o processamento de texto apenas regista uma frequência favorável no 3.º CEB e as apresentações electrónicas neste e no 2.º CEB. De um modo geral, é ainda possível verificar que: (i) no pré-escolar todas as ferramentas apresentam médias de frequência igual ou inferiores a 2; (ii) no 1.ºCEB somente a internet apresenta uma média pouco acima do 3; (iii) no 2.º CEB, são apenas duas as ferramentas (internet/apresentações electrónicas) que apresentam uma média superior a 3 e (iiii) o 3.ºCEB é quem fomenta mais frequentemente a utilização de um maior número de ferramentas (internet/apresentações electrónicas/processador de texto), mas sem que nenhuma atinja média 4.

Desta forma, e relativamente à primeira hipótese, assinala-se uma utilização pouco equitativa da internet nos diferentes níveis de ensino, verificando-se uma diferença considerável, entre a reduzida utilização no pré-escolar e os restantes níveis de ensino, pelo que a hipótese não é válida.

No que concerne à segunda hipótese os dados revelam que os jogos e os programas de desenho digital apresentam uma frequência bastante baixa no pré-escolar e 1.ºCEB, contrariamente ao conjecturado.

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https://comunidade.ese.ipb.pt/ieTIC Bragança, 1-2 de Junho de 2012 6. Conclusão

Numa sociedade onde a evolução das tecnologias e comunicações assume uma posição de destaque, tornou-se imprescindível o papel das escolas no combate à infoexclusão. A educação tende a movimentar-se no sentido de combater as desigualdades de acesso às TIC, disponibilizando meios técnicos e incentivando situações de aprendizagem que potenciem uma utilização activa, crítica, inovadora e geradora de novos conhecimentos, numa perspectiva de promoção da inclusão digital. Portugal tem desenvolvido esforços neste sentido através do apetrechamento técnico das escolas e da implementação de medidas no âmbito curricular e da formação docente.

Foi objectivo desta investigação ponderar se estes movimentos se reflectem nas concepções e práticas educativas dos professores que constituem a amostra deste estudo. Sem deixar de considerar que as limitações do método de estudo de caso remetem para a não generalização das conclusões e para uma menor objectividade na selecção dos documentos e atributos escolhidos para a investigação em curso, constatou-se que, apesar: de os professores apresentarem uma percepção positiva face a este recurso, da formação e do currículo preconizarem a utilização das TIC, dos alunos terem acesso a equipamentos informáticos, os docentes, com particular relevância os do pré-escolar, manifestam ainda dificuldade em promover a utilização, pelos seus alunos, das ferramentas aqui apresentadas, em contextos educativos.

Constatou-se ainda, que a Internet é a ferramenta a que mais se recorre em todos os ciclos de ensino, embora numa frequência ainda bastante baixa, particularmente no pré-escolar.

Poderiam aqui abrir-se novas linhas de investigação que considerassem os possíveis constrangimentos à integração das tecnologias nos ambientes educativos dos diversos ciclos de ensino e, em particular, que analisassem as implicações desses ou de outros no pré-escolar. Poderia sugerir-se que o pré-escolar se encontra refém de um investimento tecnológico inferior ao dos restantes ciclos de ensino. Ou poderia pensar-se que a formação docente não está a ser ajustada às exigências dos níveis etários mais baixos. Ou ainda que os educadores privilegiam metodologias menos tecnológicas, até porque são eles quem mais questiona o facto de as TIC serem imprescindíveis.

Em suma, trata-se de propostas de investigação que, na sequência deste estudo, possam vir a dar um contributo para uma implementação coerente e articulada das TIC ao longo dos vários ciclos de ensino. Acreditamos que a eficácia desta implementação depende do

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https://comunidade.ese.ipb.pt/ieTIC Bragança, 1-2 de Junho de 2012 envolvimento efectivo de todos os elementos que compõem sucessivamente o processo educativo, numa perspectiva sistémica e longitudinal.

Agradecimentos

Este estudo não teria sido possível sem o contributo dos docentes que se disponibilizaram a colaborar com os autores. Não obstante disso, é de reconhecer, também, o apoio prestado pelos professores da Unidade Curricular - Educação na Sociedade do Conhecimento, do Mestrado em Ciências da Educação, Especialização Pedagógica em TIC, durante a execução deste artigo.

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https://comunidade.ese.ipb.pt/ieTIC Bragança, 1-2 de Junho de 2012 Educar e inovar na sociedade de informação segundo Rancière Educate and Innovate in information society according to Rancière

Maria José Barbosa

Faculdade de Letras da Universidade de Porto (Portugal)

mrjsobarbosa@gmail.com

Resumo

A sociedade de informação, com a orgânica que lhe é própria, permeou o aparecimento de um novo paradigma conceptual. A mudança do regime conceptual opera uma transformação caleidoscópica na percepção, na medida que abre fissuras na relação estabelecida entre objectos, signos de pensamento e sentimentos associados. Ao deslocar as fronteiras entre o espaço interior e o exterior do homem, agravado por uma perturbação do eixo temporal, que desviou o homem da concepção sequencial e teleológica, as novas tecnologias de informação criaram uma forma de cognição intermédia, promovida por um modus operandis mais próximo do pensamento mítico do que do categorial. Este novo contexto implica, não só um novo conceito de participação e integração dos seus elementos (humanos e ideativos), mas, e sobretudo, uma nova abordagem pedagógica por parte das instâncias educativas, com vista a evitar a dissolução da própria sociedade. Para tal, sugerimos a proposta educativa de J. Rancière como uma possibilidade de solução.

Palavras-Chave: instrução, conhecimento, criação e individualidade

Abstract

The society of information, with the organic that is its own penetrated the appearance of a new conceptual paradigm. The change of the conceptual regime operates as a kaleidoscope transformation in perception, on the measure that opens fissures in the established relation between objects, signals of thought and associated feelings. By shifting the boundaries between interior and exterior of the man, aggravated by disturbance of the temporal axis, which diverted the man of the sequential and teleological conception, the new technologies of information have created an intermediate form of cognition, promoted by a modus operandis nearest of mythic thought than the categorical one. This new context implies, not just a new concept of participation and integration of its elements (human and ideative), but, and mostly, a new pedagogical approach by the educative instances, with view to avoid the dissolution of society itself. For that, we suggest the Rancière educative propose as a possible solution.

Keywords: education, knowledge, creating and individuality

Introdução

O receio de corrupção da juventude é uma constante na história ocidental, sendo o mais famoso o processo acusatório contra Sócrates. A educação é entendida usualmente como um processo através do qual se conduz os jovens espíritos à verdade, se substitui as trevas da ignorância pela luz do conhecimento. O explicador é aquele que circunscreve e suprime a distância entre o não-saber e o saber, ao desdobrar e reabsorvê-la no seio de sua palavra. O segredo do mestre é a capacidade de reconhecer a distância a percorrer entre o conhecimento e a ignorância, a distância entre aprender e compreender, e de a suprimir através do processo assente no conceito de ordem, de respeito pela hierarquia dos nossos pensamentos que, partindo dados mais simples (dados pela intuição) se alcançam os mais complexos (dados pela dedução). A compreensão traduz um estado, e não uma faculdade, que resulta de um processo

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https://comunidade.ese.ipb.pt/ieTIC Bragança, 1-2 de Junho de 2012 moroso e controlado, que o discípulo percorre, respeitando a ordem progressiva sob orientação do mestre. O acto essencial do mestre é explicar, isolar os elementos simples dos conhecimentos, harmonizando-os com a simplicidade que caracteriza os espíritos jovens e ignorantes, aos quais serão progressivamente associados novos elementos, sempre no sentido de maior complexidade. Esta fórmula cartesiana garante, num só movimento, a transmissão de conhecimentos e a formação dos espíritos, conduzindo-os, segundo uma ordem progressiva, do simples ao complexo. Ao preservar esta tradição pedagógica perpetua-se igualmente a consagração dos estratos sociais, entre os sábios e os ignorantes, assim como a hierarquia do conhecimento, determinando o que deve e pode ser conhecido. O acto pedagógico encontra a sua base de sustentação na parábola de um mundo dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes, espíritos maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e os ingénuos. Os primeiros conhecem as coisas pelas suas razões, procedem por método - do simples ao complexo, da parte para o todo - enquanto os segundos registam as percepções que retêm, interpretam e repetem empiricamente, no estreito círculo dos hábitos e/ou necessidades, facultadas pelos primeiros. O mestre instaura, em dois gestos inaugurais, a implantação do acto inaugural da aprendizagem e o ritmo de desvelamento da verdade a comunicar. Neste processo duas verdades são simultaneamente apresentadas, a que se desvela e a dependência do discípulo face ao seu mestre.

Contudo, segundo Rancière (2010), aprender e compreender são dois termos que remetem para uma só experiência, a de tradução, isto é, processo pelo qual se estabelece equivalências entre signos, e não as razões que sustentam determinada asserção, de que dependerá para sua consagração de uma comunidade de iguais. Esta é a prática manifesta na sociedade em rede, o que impõe uma nova ordem entre o docente e o discente e, sobretudo, entre o conhecer e manusear conceitos.

A revolução operada no espaço cibernético

Na sociedade de informação a realidade humana, que o hábito consagrou como a verdadeira realidade, foi deslocada para a periferia face aos nós ou centros de comutação das redes hipertextuais. Estas redes de sentido constituem o actual mundo sensível, operado pelos sentidos e pela experimentação empírica, mas que nos desenraíza da dinâmica do empirismo clássico, para uma espécie de meta-empirismo, onde o que absorvemos como mundo objectivo pelos sentidos, é a nossa própria cultura. Associando a este especial contexto, o efeito provocado pela navegação à velocidade da luz, que tende a abolir a distância entre ligado e desligado, criando, tal como afirma Bragança de Miranda, (2002), “uma ligação instantânea e

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https://comunidade.ese.ipb.pt/ieTIC Bragança, 1-2 de Junho de 2012 automática que lesa a natureza dividida e divisora do humano” (p.145), inviabiliza a identificação dos indivíduos com os grandes nomes da história, facto que gera alguma angústia na maioria das pessoas que analisam o fenómeno como a dissolução do vínculo social e a passagem das colectividades sociais ao estado de uma massa composta de átomos individuais. Esta cisão é reforçada pelos sucessivos deslocamentos operados nas fronteiras constituintes da

imagem-corpo. As limitações de um narrador corpóreo caíram a partir do uso do ponto de vista omnisciente, persistindo apenas na ideia de foco a experiência de incorporação, ponto a partir da qual se desenha o espaço existencial, entendido como espaço de criação e da experiência.

O mundo sensível actual resulta do entrelaçamento dos distintos aspectos culturais, onde o espectador designer, na sua função de bricoleur1, se apropria de fragmentos culturais através de actividades menos discursivas e mais interactivas, combinatórias e exploratórias. O que caracteriza esta práxis é o facto de operar, de forma desinteressada, com materiais fragmentários já elaborados, sem recurso a matéria-prima, implicando unicamente, como acção preliminar, a retrospecção. Cada unidade do corpus representa um conjunto de relações, simultaneamente concretas e virtuais, passíveis de serem utilizadas em qualquer tipo de operações em função de um determinado enquadramento. O espaço de interação virtual permeou uma infinidade de possibilidades de consagração de gestos de criação, entendidos como um conjunto de operações resultante da síntese das energias motoras e ideativas que são colocadas em jogo para a produção de signos, provocando uma proliferação inaudita de cenários simbólicos e corpus utópicos. O signo, tal como é definido por Lévi-Strauss no prefácio do Cru et le Cuít (2009), é uma instância de mediação entre imagens e conceitos, ao qual está ligado indissoluvelmente, o quantum (afecto) criador. Cada signo gerado, tal como nos esclarece Rancière (1987), representa uma mónada em torno da qual gravitam ideias que, pela sua fecundidade, irradiam energia em todas as direcções, formando um corpo de uma ideia. Neste processo de construção de sentido toda a imagem adquire um valor de acto, no sentido que constitui uma proposta para habitar formas, são puras intensidades.

Bourriaud, na estética relacional, afirma que da noção de Umberto Eco de “obra aberta”, que elimina a concepção de receptor passivo em função da interatividade e participação do mesmo, culminou um novo esquema de comunicação. Esta concepção de espectador que compõe sentidos possíveis nos espaços brancos da obra é, para Pierre Lévi radicalizado no

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Os termos bricoler, bricoleur e bricolage remetem para o modus operandi da reflexão mitopoética e, necessariamente, para o pensamento de Lévi-Strauss. O bricoleur é o que executa um trabalho usando meios e práticas sem planificação prévia, distanciando-se assim do procedimento normal adotado pela técnica. As narrativas míticas configuraram-se como um corpus homogéneo, encadeado de forma ordenada e coerente, ou em fragmentos e desordenado, sem sentido aparente. O primeiro corpus (o unitário) Lévi-Strauss denomina clássico, e o segundo (o fragmentário) de barroco.

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https://comunidade.ese.ipb.pt/ieTIC Bragança, 1-2 de Junho de 2012 espaço cibernético. As novas formas de arte emergentes no ambiente tecnocultural, defende Piérre Lévi (1997), ignoram a separação entre emissão e recepção, composição e interpretação. O jogo de linguagem que proporciona novas concepções de espaço-tempo, ou novos modus

vivendi, já não é exclusivo dos artistas, mas sim de todos os cibernautas. Cada pessoa, à sua escala, ao produzir, reproduzir, compor, expressar, provoca variações na linguagem, inaugurando assim um diálogo com esquemas sociais alternativos de forma a criar novas formas de vida. Os artistas, ou os activistas sociais, conjecturam esta participação dos espectadores, convertidos em designers, a quem cabe, perante uma realidade pessoal reprimida, fazer a mistura sensível entre as imagens, comportamentos e formas que, pelo simples facto de

consumir já estão a produzir uma nova narrativa, ainda que inconscientemente. Esta película mental, suficientemente estruturada para captar a atenção do espectador e aberta para acolher as suas imagens-lembrança, incita à prática de um olhar flutuante através do qual o fluxo das lembranças se converte em matéria sensível. Ao carácter incompleto da obra, associa-se o imprevisível, a incerteza e o jogo, convertendo o corpo do espectador numa mesa de montagem e programação. Às formas ou estruturas sensíveis dispostas pelo espaço da informação em rede, a partir das quais enredos possíveis são projectados, serão associadas outras projectadas pelo espectador designer. Os dispositivos capazes de afectar o espaço de exposição e, consequentemente, quem o habita, criam novos modos de apreensão do real e novas formas de investimento no mundo da arte.

Assim, evoluindo num universo de formas preexistentes, desafectadas da sua carga simbólica, a arte actual, esta narrativa redigida à escala global, não se corporiza em objecto, mas sim num programa de utilização do dado, reconhecendo a própria cultura como campo artístico, considerada como um museu dos signos, em que estes se convertem em ferramentas e dados que devem ser manuseados, reordenados e lançados. “É essa a acepção” afirma Bourriaud (2009), “que poderíamos nos arriscar a chamar de comunismo formal.” (p.17) O termo “comunismo” traduz a ideia da introdução de um novo ideal utópico, o princípio da igualdade entre os artistas, que somos todos nós, e um sistema, o sistema computacional, atribuindo a ambos a capacidade e a possibilidade de uma relação igualitária na ordenação da própria história.

Efectivamente, assim como a natureza consome determinados compostos para a produção da própria planta, o homem consome formas para a produção da imagem de si. O consumo, longe da passividade a que foi remetido, é, em bom rigor, uma “produção silenciosa” que implica o uso e a interpretação do objeto. O usuário de uma cultura emprega toda uma retórica de práticas semelhantes ao uso de uma linguagem muda. A partir da

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https://comunidade.ese.ipb.pt/ieTIC Bragança, 1-2 de Junho de 2012 linguagem convencional, o designer bricoleur apropria-se dos signos, como se de amostras tratassem, para criar uma cadeia produtiva clandestina de novos enunciados possíveis, e não