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Utilizadores Frequentes dos Cuidados de Saúde Primários

CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. Os Cuidados de Saúde Primários

3.1 Utilizadores Frequentes dos Cuidados de Saúde Primários

Os pacientes que utilizam com mais frequência os serviços de saúde são considerados um problema pelos profissionais de saúde, principalmente devido à perceção de inadequação da sua utilização e dos recursos que usam (Neal et al., 2001). De facto, os médicos de família despendem uma grande quantidade do seu tempo numa pequena proporção dos seus pacientes (Smits, Brouwer, Ter Riet, & Van Weert, 2009), sendo estimado que cerca de 30-50% de todos os seus contactos são dirigidos para 10% dos seus pacientes (Vedsted & Christensen, 2005). Estes pacientes são designados na literatura como Utilizadores Frequentes (UF), e constituem um pequeno grupo de pacientes que têm elevadas taxas de utilização de vários serviços dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), nomeadamente médicos e sociais (Bergh & Marklund, 2003).

A utilização frequente dos serviços de saúde pode ser vista através de duas hipóteses. A primeira é que os UF são indivíduos que se comportam adequadamente em resposta a uma necessidade real, estando no topo das taxas de utilização. A segunda hipótese postula que os UF representam indivíduos com um comportamento de utilização desviante, criando uma carga de trabalho desnecessária e indesejada. A maioria dos UF posiciona-se entre estes dois extremos e compreendem um grupo heterogéneo de doentes com uma grande variedade de necessidades (Neal, Dowell, Heywood, & Morley, 1996).

Apesar da utilização frequente dos serviços de saúde ter vindo a ser apontada como uma característica persistente do comportamento de saúde dos pacientes (Gill & Sharpe, 1999), considerada como um sinal de comportamento inadequado de consulta (Booth, Ludke, Wakefield, Kern, & du Mond, 1991; Reid, Wessely, Crayford, & Hotopf, 2002; cit. in Smits et al., 2009), tem-se encontrado evidências de que a utilização frequente representa um fenómeno mais transitório (Andersson et al., 2004; Carney et al., 2001). Estas evidências conduziram ao crescente interesse pelo estudo da utilização frequente dos serviços de saúde em dois grupos distintos de utilizadores: os Utilizadores Frequentes Temporários e os Utilizadores Frequentes Persistentes (Koskela et al., 2010; Smits et al., 2009).

A preocupação com a utilização frequente dos CSP assenta em três questões fundamentais: se os UF têm necessidades de saúde que não estão a ser atendidas pela equipe de cuidados primários; a problemática das exigências feitas pelos UF no tempo da equipa de cuidados primários, com as consequentes pressões e gestão das relações paciente-profissional; e o argumento de que representa uma utilização ineficaz dos recursos dos cuidados primários em termos de economia de saúde (Pickvance, Parry, & Howe, 2004).

3.1.1 Definição de Utilizadores Frequentes

O termo UF geralmente refere-se a paciente que são considerados problemáticos dentro dos CSP devido ao seu elevado número de consultas e sintomas apresentados, que se tornam difíceis de gerir (Hodgson, Smith, Brown, & Dowrick, 2005).

A definição de UF comporta algumas dificuldades, desde o próprio conceito de consulta (quais os contactos entre o médico de família e o utente que deverão ser contabilizados), até à quantificação da frequência, ou seja, qual o número de consultas necessárias para se considerar UF (Neal et al., 1996).

Numa revisão da literatura sobre UF dos CSP, Vedsted e Christensen (2005) não encontraram uma definição geral aceite de UF. Verificaram que 16 (26%) dos artigos analisados definiam os UF em termos proporcionais (através de percentagens que variavam entre 3 e 25%), sendo que 9 desses artigos definiam os UF como os 10% de utentes com mais consultas e 44 (72%) dos artigos utilizaram um número absoluto para selecionar os UF, variando entre 2 e 24 consultas. Também observaram que o período de contagem dos contactos varia entre 2 a 48 meses, sendo que 45 (74%) dos artigos analisados usaram o período de 12 meses. Os autores consideram que em futuros estudos a definição deve de incluir uma descrição exata do tipo de contactos contabilizados, o período de contagem dos contactos, definir o ponto de corte utilizado no número de consultas (pode-se recorrer a percentagens, médias ou número absoluto) e o denominador, ou seja, o ponto de corte no número de consultas pode ser aplicado entre os utentes utilizadores ou a toda a lista de utentes).

Um estudo realizado por Smits e colaboradores (2008), com o objetivo de identificar o método mais fiável e eficaz na seleção dos UF dos CSP, aponta como melhor método o uso de grupos divididos por género e por pequenas categorias de idades, sendo os UF aqueles pacientes de cada subgrupo, que se encontrem nos 10% dos que mais utilizam os serviços de saúde. Em estudos com populações menores, os autores recomendam que se devida os pacientes em pelo menos três grupos de idade e por categoria de género.

3.1.2 Utilizadores Frequentes Temporários e Utilizadores Frequentes Persistentes

Como referido anteriormente, observa-se o crescente interesse pelo estudo do fenómeno da utilização frequente através da tipologia dos UF, nomeadamente, Utilizadores Frequentes Temporários e Utilizadores Frequentes Persistentes.

Uma dos estudos com foco na tipologia dos UF foi realizada por Smits e colaboradores (2009). Os autores realizaram um estudo longitudinal, com a duração de 3 anos, em 28.860 pacientes adultos pertencentes a 5 centros de cuidados de saúde primários, em Amesterdão. O objetivo deste estudo consistiu em determinar a proporção de Utilizadores Frequentes durante um ano (Utilizadores Frequentes Temporários) que permaneciam Utilizadores Frequentes durante os dois anos seguintes (Utilizadores Frequentes Persistentes), bem como calcular o tempo de trabalho dos médicos de família com cada um dos grupos de utilizadores. De todos os Utilizadores Frequentes Temporários, 15.4% tornaram-se Utilizadores Frequentes Persistentes, representando 1.6% de todos os pacientes. Os 3.045 (10.6%) Utilizadores Frequentes Temporários foram responsáveis por 39% de consultas face-a-face e os 470 (1.6%) pacientes que se tornaram Utilizadores Frequentes Persistentes foram responsáveis por 8% de todas as consultas durante o ano de 2003. Concluíram que 1 em cada 7 Utilizadores Frequentes Temporários torna-se num Utilizador Frequente Persistente. Verificaram também, que comparativamente aos Utilizadores Frequentes Temporários, os Utilizadores Frequentes Persistentes consomem mais serviços de saúde e não são diagnosticados apenas com uma doença somática, mas com mais problemas sociais, problemas psiquiátricos e sintomas físicos medicamente inexplicáveis.

Um estudo recente na Finlândia, levado a cabo por Koskela e colaboradores (2010), examinou fatores de risco que predizem a utilização persistente dos serviços de saúde entre os Utilizadores Frequentes. Concluíram que os fatores de risco que mais influenciam a persistência da utilização frequente entre os Utilizadores Frequentes são o género feminino, índice de massa corporal acima dos 30, medo da morte, abstinência de álcool, baixos níveis de satisfação dos pacientes e síndrome do intestino irritável. À exceção do género feminino, todos os outros fatores foram observados pela primeira vez neste estudo.