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Noite Longa

3.2 Vão dos Buracos: documentário interativo

Conforme discorremos anteriormente, o documentário interativo “Vão dos Buracos” é resultado do experimento que teve como objetivo transpor a narrativa clássica do telefilme de mesmo nome para uma narrativa hipermidiática utilizando o modelo de banco de dados como gênero, proposto por Lev Manovich. Para realizar tal transposição, partimos da desmontagem do telefilme que dividimos em 76 clipes aos quais acrescentamos outros 78, editados a partir do material captado e não utilizado na montagem clássica. Dessa forma, criamos um banco de dados com 154 clipes audiovisuais e duas interfaces através das quais esses clipes podem ser acessados.

Sobre as interfaces discorreremos no item seguinte, aqui nos interessa esclarecer que para o estabelecimento dos percursos narrativos disponíveis para o usuário, nos orientamos pelas teorias estudadas e discutidas ao longo dessa pesquisa e, principalmente, pelo pensamento de Lev Manovich no que diz respeito ao banco de dados como gênero. Conforme colocamos anteriormente, Manovich afirma que para se construir uma narrativa dentro de um banco de dados é preciso controlar os elementos semânticos e a lógica das conexões que a compõem.

No caso desse trabalho, o controle dos elementos semânticos esbarra numa questão que vem da história que estamos contando: a chegada da luz elétrica na comunidade de Vão dos Buracos. Esse elemento divide o telefilme em dois momentos cronológicos (antes e depois da luz elétrica) e está diretamentamente relacionado às mudanças, ainda que sutis, na fotografia e no ritmo do telefilme. Depois da chegada da energia, a fotografia é mais lavada e impregnada com o tom azul da luz fria. Já a micro-estrutura, ou a estrutura das sequências sobre a qual discorremos no início desse capítulo, foi construída com mais cortes, o que imprime um ritmo um pouco mais acelerado à narrativa.

Em decorrência desses fatos, alguns questionamentos vieram à tona. Eles estão expostos e estão respondidos a seguir. Vale esclarecer que as conclusões às quais chegamos são resultado da reflexão e experimentação de alguns percursos, com base em experimentos narrativos. Ou seja, na organização dos elementos semânticos de forma a contemplar as questões que buscávamos responder.

1-

Se a nossa intenção é realizar uma obra aberta com múltiplos possíveis começos e finais, precisamos respeitar um elemento cronólogico tão determinante como a chegada da luz elétrica? Se sim, como organizar os elementos semânticos e estabelecer uma lógica entre as conexões para que a narrativa se constitua?

Não precisáriamos respeitar a divisão cronológica da chegada da luz elétrica. Isso porque os clipes que compõem o banco de dados se configuram como pequenos flagrantes do cotidiano da comunidade, possibilitando que, independente da ordem em que o usuário começa a navegar, a história se constitua. Apesar disso, optamos por organizar o material sob esse crivo. Como o objetivo dessa pesquisa era verificar de que maneira uma narrativa clássica poderia ser transposta para uma narrativa hipermidiática, nos interessava saber como os elementos estruturantes da primeira se comportariam em um modelo criado para o desenvolvimento da segunda. Dessa forma, para o estabelecimento dos percursos narrativos disponibilizados para o usuário, criamos uma lógica de conexões baseada na estrutura: noite sem luz / dia / noite com luz conforme pode ser observado no mapa de navegação que será apresentado mais adiante. É importante ressaltar que, apesar de ainda não disponível no protótipo que acompanha a presente pesquisa, a intenção é trabalhar com uma programação que possibilite desabilitar os clipes acessados imediatamente após seu visionamento.

2-

O tempo lento do telefilme funciona numa obra hipermidiática? Ou seja, a micro-estrutura do telefilme presente em cada um dos clipes do banco de dados se sustenta num documentário interativo? Que soluções podemos proceder para que esses tempos possam conviver?

O funcionamento do tempo filme depende da disposição do usuário para conviver com ele numa obra hipermidiática. Para justificar tal afirmação, voltamos ao que pontuou Illana Snyder ao discorrer sobre o universo da hiperficção. Segundo ela, esse tipo de obra possibilita que os leitores estejam dispostos a modificar suas expectativas em relação ao texto. Ambos, escritor e leitor, precisam expandir os limites da narrativa tradicional para inventar um espaço próprio para a escrita eletrônica. (SNYDER, 1997:97). Nesse tipo de obra, que tem como característica elementos como multiplicidade e simultaneidade, acreditamos haver lugar para a coexistência de diferentes tempos narrativos. Dessa forma, independente da trajetória escolhida pelo usuário optamos por dar a ele duas possibilidades de visualização dos clipes. A primeira segue o ritmo normal da montagem. A segunda permite um avanço na micro-narrativa de cada sequência mediante o acionamento de um botão na interface. Esse botão dispara uma seleção de frames representativos da sequência que proporcionam uma espécie de resumo do que está disponível para visionamento. Tal opção não está ainda disponível no protótipo.

A criação da interface do documentário interativo “Vão dos Buracos” foi orientada por duas diferentes propostas. A primeira partiu do desejo de explicitar a reflexão sobre a construção da narrativa através de um banco de dados e a segunda da vontade de compartilhar com o usuário algumas sensações experimentadas na comunidade documentada. Por exemplo: a imersão no breu e a ausência total de referência espacial no momento de nossa chegada, devido à escuridão. A vastidão do lugar avistada durante o dia e a surpresa diante dos inúmeros acontecimentos que pulavam diante de nossos olhos quando tudo levava a crer que nada de extraordinário aconteceria. Por exemplo, um sobrevôo de araras, o trânsito de pessoas e veículos pouco usuais dentro das veredas que cortam a geografia local.

Dessa forma, optamos por desenvolver duas interfaces para que o usuário possa escolher a cada momento por qual delas quer navegar. Abaixo apresentamos as 2 interfaces:

3.2.1 Interface

Interface 1

Essa é a interface inicial do trabalho: a porta de entrada para a história e para a interface 2. Ela é composta por 4 diferentes telas disponibilizadas segundo o ponto da narrativa em que o usuário se encontra. As quatro telas são as seguintes:

Ambiente noturno sem luz

A intenção desse ambiente é levar o interator a experienciar fisicamente aspectos do cotidiano da vida sem luz. Ou seja, propomos um ambiente no qual ele navegue quase no escuro. Pretendemos que ele experiencie a sensação de caminhar ao ar livre, no escuro, apenas com a luz de uma candeia. De se sentir espacialmente perdido por não conhecer a geografia do local. De ir se familiarizando com a comunidade de dentro para fora, ou seja, de conhecer o interior das casas, das cozinhas, para depois conhecer o local e descobrir onde ele está inserido. Para tanto, a idéia é que ele interaja numa interface preta por meio de um cursor que se assemelha a luz de uma candeia. Esse cursor o deixará perceber que trata-se de casas isoladas, mas não revelará a geografia do vale. O trabalho de áudio será fundamental para concretização essa experiência. O som de passos passará a sensação da caminhada e, por meio de clipes de áudio acessados por mouseover, entrará em contato com os sons da noite. Esse ambiente é composto por 2 telas conforme explicaremos a seguir:

Tela 2

Tem o mesmo comportamento da tela 1, porém da acesso todos os clipes da noite antes da chegada da luz. Novamente, no final de cada clipe o interator cai na interface 2 e pode escolher se quer continuar navegando por ela ou voltar à interface 1. Se optar por voltar à interface 2, cairá novamente na tela 2 e poderá acessar qualquer clipe da noite sem luz.

Tela 1

Essa tela é composta por dois layers.

O primeiro é uma imagem em still que apresenta a geografia de Vão dos Buracos: trata-se do vale visto de cima de um morro. Sobre a imagem foram aplicadas três casas que representam respectivamente as casas das três famílias personagens do filme: sr. Quincas, sr. Anísio e Zezus. Estes são os links que iniciam a navegação que dão acesso a 3 diferentes começos. O segundo layer é uma tela preta na qual encontra-se a luz que simula a claridade emanada por uma candeia. Essa luz é o cursor do mouse. Quando o interator movimenta o cursor ele “clareia” a imagem revelando alguns pontos do primeiro layer, ou seja, alguns pontos da foto que apresenta a geografia do Vão dos Buracos. Esta ação possibita identificar que trata-se de casas espalhadas ao longo de um vale, mas não revela detalhes do lugar. Enquanto o interator está movendo o cursor ouve-se ruído de passos. Quando ele posiciona o cursor sobre cada uma das imagens links, ouvimos seu respectivo áudio e cessam-se os passos. A idéia é provocar a sensação de se estar caminhando no escuro iluminado apenas pela luz de uma candeira. Além do som de passos, há ainda o áudio da noite, composto por grilos e outros ruídos que ficará na tela todo o tempo em que o interator estiver navegando pela interface. Além disso, na tela 1, assim como em todas as outras, haverá 4 áreas sensíveis mediante mouseover que disparão 4 diferentes clipes de ruído da noites. Não há nenhuma indicação da localização desses clipes e o interator só se dará conta deles se posicionar, sem querer, o mouse sobre eles.

Ambiente diurno

A mesma foto do ambiente noturno, porém, clara e com todos os seus pontos visíveis. Se no ambiente noturno a intenção é esconder tudo, aqui é revelar tudo. A localização geográfica das casas e da escola, que funciona como uma espécie de praça pública do lugarejo, estão absolutamente claros. Nesse ambiente, além das casas dos moradores, inúmeras outras partes da imagem são clicáveis, por exemplo, os buritis, as serras, os caminhos, o chapadão no alto da foto, etc. Nessa tela estão disponíveis todos os clipes diurnos. Cada clique abre um determinado clipe, de um momento diferente da história, permitindo ao interator avançar ou retrocedor na narrativa linear. Uma vez acessado qualquer clipe, o interator poderá continuar navegando pelos clipes através de links da interface 1 ou voltar a interface 2.

Do ponto de vista do acesso à narrativa a tela 1 inicia a história e dá acesso apenas a um clipe de cada família. Após o primeiro clipe, o usuário passa a ter acesso a interface 2 cujos links estão inseridos na última imagem da sequência. Nesta área há também um link para voltar a interface 1. Se ele clicar nesse link irá direto para a tela 2 dessa interface. Adiante explicaremos melhor o funcionamento da interface 2.

Ambiente noturno com luz

É composta apenas do primeiro layer da tela do ambiente noturno sem luz. Ou seja, é uma imagem de noite, porém sem a máscara negra. Esse ambiente dá acesso o todos os clipes da noite com luz e sua forma de acesso à interface 2 funciona exatamente da mesma maneira que os outros ambientes da interface 1

Interface 2

A interface é composta pelo último frame de cada clipe visionado pelo usuário. Ou seja, após o visionamento do clipe o último frame entra em still e uma marcação gráfica sobre a área sensível da imagem indica que aquilo é um link. Esse frame dá acesso a todos os clipes relacionados ao que acabou de ser visto no mapa de navegação.

Do ponto de vista da narrativa esse mapa foi contruído levando em conta o avanço da história segundo um percurso sugerido pelo roteiro. A interface 2 conta ainda com links temporários que interrompem a narrativa levando para o clipe imediatamente relacionado ao acontecimento que se está vendo. Uma vez terminado o acontecimento, o link desaparece e o usuário não pode mais acessá-lo.

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