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Vírus da leucemia felina (FeLV), vírus da imunodeficiência felina (FIV) e lentivírus de puma (PLV)

6 CONCLUSÕES 76 7 REFERÊNCIAS

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 AGENTES VIRAIS

2.3.4 Vírus da leucemia felina (FeLV), vírus da imunodeficiência felina (FIV) e lentivírus de puma (PLV)

O FeLV quanto e os demais lentivírus felinos, como o FIV e PLV, pertencem à família Retroviridae; associam-se com uma variedade de síndromes, envolvendo tumores malignos de longa latência, doenças de emagrecimento progressivo, desordens neurológicas e imunodeficiências, e determinam altos coeficientes de morbidade e mortalidade em gatos domésticos no mundo todo (WORLEY, 2001).

Na maioria dos estudos sobre FIV em felídeos selvagens, não foi relatada patogenicidade aparente atribuída ao vírus. No entanto, estudos recentes envolvendo leões mantidos em cativeiro concluem que, de maneira similar aos gatos domésticos, esses animais

atravessam um período assintomático, sucedendo-se então disfunções linfocitárias, imunológicas e neurológicas (KENNEDY-STOSKOPF, 1999).

Acredita-se que exclusivamente para o gato-selvagem-europeu (F. silvestris silvestris), em que o FeLV é consistentemente encontrado em populações de vida livre, o vírus não apresenta alta patogenicidade. A alta prevalência gatos-selvagens-europeus soropositivos sugere que o vírus é mantido nestas populações. A possibilidade de que a infecção por FeLV seja constantemente adquirida através de contato com gato doméstico é pouco provável, uma vez que a prevalência em gatos-selvagens-europeus é constantemente maior que aquelas para gatos domésticos nas respectivas regiões estudadas (HOFMANN- LEHMANN, comunicação pessoal; DANIELS et al., 1999; FROMONT et. al., 2000; LEUTENEGGER et. al. 1999a). Entretanto, o FeLV foi também associado com doença severa em um espécime de puma (JESSUP et al., 1993) e de guepardo (MARKER et al., 2003). Apesar de ser raramente encontrado infectando outros felídeos selvagens que não o gato-selvagem-europeu, se estabelecido nestas populações, pode ter efeitos devastadores (ARTOIS; REMOND, 1994; WORLEY, 2001).

Os retrovírus apresentam a capacidade de de se integrar no genoma das células hospedeiras, não ser detectados pela vigilância imunológica celular e humoral e desta forma estabelecendo infecções persistentes. Incorporados nas células hospedeiras, em forma de DNA, são chamados provírus. As partículas virais infecciosas são chamadas exógenas; são transmitidos vertical e horizontalmente, direta ou indiretamente, mas não através de células germinativas. São muito lábeis no ambiente, sendo mantidos na natureza porque hospedeiros infectados podem viver e liberar vírus por anos. A transmissão do FeLV ocorre principalmente através da ingestão de partículas virais, na saliva e secreções nasais. A replicação viral inicial ocorre em linfócitos e macrófagos na orofaringe e linfonodos regionais. Nesta fase de viremia, uma resposta imune eficiente pode eliminar a infecção. Caso contrário, o vírus se dissemina para a medula óssea e infecta células progenitoras mielóides e eritróides, macrófagos e linfócitos circulantes. A inabilidade do sistema imunitário em inibir a replicação inicial do FeLV leva ao estabelecimento de uma viremia persistente, caracterizada pela presença tanto de vírus livres quanto associados a células no sangue, quando o animal torna-se fonte de infecção. Tal estado geralmente progride para alguma doença relacionada a FeLV. Neste caso, a replicação contínua em tecidos hemolinfáticos leva a um estado progressivo de imunossupressão. Outros animais, porém, contêm a replicação viral através de resposta imune adequada. Alguns gatos tornam-se resistentes e conseguem

extinguir a infecção. No entanto, a maior parte dos animais desenvolve infecção autolimitante, albergando provírus latentes integrados em células da medula óssea, podendo haver resposta imune parcial. O risco de reativação espontânea e de desenvolvimento de doenças relacionadas ao FeLV, nos animais com este tipo de infecção, é pequeno. Nesse caso, não há replicação e excreção de vírus, a não ser que o animal experimente um estado de imunossupressão. (FILONI; CATÃO-DIAS, 2005a; 2005b; GOMES-KELLER et al., 2006)

A infecção por lentivírus relacionados ao FIV, em leões e pumas, na África, América do Norte e Europa, foi demonstrada por Olmsted et al. (1992) e Spencer e Morkel (1993), entre outros autores. O gene pol do vírus da imunodeficiência felina (FIV) obtido a partir de uma suçuarana mantida em um zoológico brasileiro foi seqüenciado (CARPENTER et al., 1996). Antes disso, Brown et al. (1993) havia detectado anticorpos para FIV em um espécime de suçuarana brasileira de vida livre. Adicionalmente, Leal e Ravazzolo (1998) detectaram provírus de FIV em onça-pintadas, suçuaranas, jaguarundis, jaguatiricas, gatos-maracajá, gatos-palheiro e gatos-do-mato-pequenos no Brasil. Em um estudo sorológico conduzido em populações de pequenos felinos neotropicais mantidas em cativeiro no Estado de São Paulo, não foram encontradas evidências de exposição aos retrovírus FeLV e FIV (FILONI, 2001; FILONI et al., 2003a). Desde então, foram encontrados três espécimes de felídeos neotropicais virêmicos para FeLV (um gato-maracajá e dois gatos-palheiros) em um levantamento conduzido em zoológicos norte-americanos (KENNEDY-STOSKOPF, 1999). Foram encontrados, no Brasil, onça-pintadas, suçuaranas, gatos-maracajá e um gato-palheiro mantidos em cativeiro, assim como uma jaguatirica de vida livre, soropositivos para FeLV (SCHMITT et al., 2003). Mais recentemente, Carvalho et al. (2004) encontraram leões soropositivos para lentivírus felinos na população de felídeos da Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP) (APÊNDICE D).

2.3.5 Vírus da cinomose canina (CDV)

Desde que o CDV foi isolado a partir de cães domésticos (Canis familiaris), em 1905, verificou-se que em pelo menos oito famílias de carnívoros terrestres (Canidae, Felidae, Hyaenidae, Mustelidae, Procyonidae, Ursidae, Ailuridae e Viverridae) foram notificadas

espécies susceptíveis à infecção pelo CDV (DEEM et al., 2000). O virus da cinomose canina (CDV) tem se mostrado um problema mundial afetando uma ampla gama de carnívoros. Uma onça-pintada foi infectada por CDV durante uma epizootia ocorrida em felídeos mantidos em cativeiro na América do Norte (APPEL et al., 1994, CLEAVELAND et al., 2003; FUNK et al., 2001).

Os felídeos em geral apresentam um comportamento de menor risco para a transmissão-interespecífica de patógenos. Entretanto, algumas espécies, como as suçuaranas, podem ser encontradas tanto em áreas preservadas quanto em áreas periurbanas e rurais, podendo entrar em contato e mesmo predar animais domésticos, potenciais fontes de infecção. A susceptibilidade de gatos domésticos ao CDV foi demonstrada mediante infecção experimental, mas os gatos infectados apresentam apenas um discreto aumento de temperatura corporal e não eliminam vírus (APPEL; SHEFFY; PERCY, 1974). Por isso, por muito tempo pensou-se que que o CDV não poderia provocar doença em felídeos. Embora atualmente haja indicativos de que a infecção por CDV possa contribuir para a ocorrência de doenças respiratórias e hepáticas em gatos domésticos ( IKEDA et al., 2001), foi somente quando uma uma epizootia por CDV acometeu diversas espécies de felídeos em zoológicos norte-americanos, entre 1991 e 1992, que a importância deste patógeno foi reconhecida para a família Felidae. Naquela ocasião, uma alta mortalidade se concentrou em grandes felídeos, como tigres (Panthera tigris), leões (Panthera leo) e leopardos (Panthera pardus), além de uma onça-pintada, enquanto outras espécies, como suçuaranas, bobcats , servais (Leptailurus serval) e gatos-maracajá apenas soroconverteram (KENNEDY-STOSKOPF, 1999). Em seguida a esta epizootia, houve outra epizootia com efeitos devastadores na população de leões de vida livre no ecossistema do Serengeti, África, que eliminou cerca de 30% desta população em 1994 (ROELKE-PARKER et al., 1996). Os grandes felídeos do gênero Panthera evidenciam-se como mais susceptíveis ao curso letal da infecção pelo CDV (APPEL et al., 1994; KENNEDY-STOSKOPF, 1999). Nestes casos, foi demonstrado que os morbilivírus responsáveis por estas ocorrências eram relacionados com os que circulavam em outros carnívoros selvagens e cães domésticos locais (BARRET, 1999; HAAS et al., 1996). No ambiente de cativeiro, pode haver contato com outras fontes de infecção, como carnívoros domésticos; já foi reportada infecção por CDV em filhotes de tigre que tiveram contato com cães (APPEL et al., 1994; KENNEDY-STOSKOPF, 1999).

Os felídeos acometidos podem apresentar sinais neurológicos, respiratórios e gastrointestinais, embora em cerca de 60% dos casos apenas os sinais neurológicos se

manifestam, incluindo convulsões, tremores, mioclonia, desorientação, fraqueza, ataxia, paraparesia, hiperreflexia e coma. A duração dos sinais clínicos varia de um dia a várias semanas na maioria dos felídeos, mas já foi observado um caso de desenvolvimento de sinais neurológicos progressivos ao longo de mais de um ano. Alguns animais podem apresentar anorexia, letargia, descarga nasal e ocular mucopurulenta, diarréia sanguinolenta ou não. Leões de vida livre apresentam anemia, linfadenopatia, condições precárias corporal e do pelame e presença de múltiplos ferimentos. Felídeos acometidos podem apresentar alterações comportamentais, podendo se mostrar deprimidos ou com aumento de agressividade. (MUNSON, 2001; ROELKE-PARKER et al., 1996) Os felídeos do gênero Panthera desenvolvem sinais mais severos e apresentem um prognóstico pior. Apenas sinais gastrointestinais e respiratórios brandos foram observados em pumas, enquanto outras espécies de felinos menores, como bobcats, servais e gatos-maracajás apresentaram-se soropositivos e saudáveis. (APPEL et al., 1994)

2.4 AGENTES BACTERIANOS

2.4.1 Bartonella henselae

As bactérias do gênero Bartonella causam infecções intraeritrocitárias crônicas em uma ampla variedade de animais, incluindo humanos, em que a B. henselae é o agente etiológico da doença-da-arranhadura-do-gato (cat scratch disease) (CHOMEL et al., 2004b). O patógeno B. henselae é principalmente transmitido através de pulgas (Ctenocephalides felis) em gatos domésticos (CHOMEL et. al 1996), que se infectam ao se alimentar de animais bacterêmicos, e é potencialmente transmissível entre gatos domésticos e felídeos selvagens (CHOMEL et al., 2004b; JACOMO et al., 2002). Além de pulgas, tem sido sugerido que carrapatos do gênero Ixodes sejam potenciais vetores para Bartonella sp (CHANG et al., 2001; CHOMEL et al., 2004a; SCHOULS et al., 1999). Em gatos domésticos, a bacteremia pode persistir por mais de um ano e em colônias de gatos em que pulgas são endêmicas, mais da metade dos animais pode estar bacterêmica. Populações de

gatos errantes apresentam soroprevalências maiores que de gatos domiciliados (BREITSCHWERDT; KORDICK, 2000; JACOMO et al., 2002).

Embora o patógeno possa permanecer como parte da microbiota intravascular de gatos saudáveis, evidências recentes sugerem uma associação deste patógeno com manifestações insidiosas de doenças renais crônicas (GLAUS et al., 1997). Outras anormalidades relatadas em gatos infectados com B. henselae incluem febre, discreta anemia transitória, eosinofilia, linfadenomegalia, colangite, difunção neurológica, lesões cardíacas e falhas na reprodução (BREITSCHWERDT; KORDICK, 2000; ROTSTEIN et al., 2000).

Estudos têm demonstrado a exposição de uma variedade de felídeos de vida livre e mantidos em cativeiro à B. henselae, incluindo felídeos neotropicais mantidos em zoológicos da América do Norte (KELLY et al., 1998; MOLIA et. al, 2004; YAMAMOTO et al., 1998; PRETORIUS et al., 2004; ROTSTEIN et al., 2000). A soroprevalência nestas populações de felídeos selvagens são comparáveis às encontradas para gatos domésticos (BREITSCHWERDT; KORDICK, 2000; ROTSTEIN et al., 2000). Um levantamento extensivo conduzido nas Américas detectou suçuaranas soropositivas através da maioria das áreas de ocorrência natural da espécie. (CHOMEL et al., 2004b); a soroprevalência geral relatada em suçuaranas da América do Sul foi de 22.4%. O estudo incluiu amostras de 11 suçuaranas brasileiras de três estados (São Paulo, Tocantins e Goiás); porém não foram mencionados resultados individuais, áreas exatas de colheita ou condições de vida dos animais.

2.4.2 Ehrlichia canis e Anaplasma phagocytophilum

Recentemente foi demonstrado que gatos domésticos são susceptíveis à infecção e doença causada por Ehrlichia canis e Anaplasma phagocytophilum. A erliquiose em gatos domésticos tem sido reconhecida cada vez com maior freqüência no mundo todo , inclusive no Brasil (ALMOSNY; MASSARD, 1999; DAGNONE et al., 2003; TARELLO, 2005).

Classicamente, o diagnóstico da infecção tem sido realizado a partir da demonstração de inclusões em células. Entretanto, o diagnóstico realizado com métodos moleculares tem se mostrado eficiente e demonstrou que há pelo menos duas formas de erliquiose felina: uma causada pela E. canis, com inclusões em células mononucleares (BREITSCHWERDT et al, 2002) e outra pelo A. phagocytophilum, este último associando-se com inclusões em neutrófilos e possivelmente apresentando implicações zoonóticas (BJOERSDORFF et al.,

1999). Os sinais clínicos são semelhantes para os dois agentes, incluindo anorexia, hiperestesia, letargia, perda de peso, dores articulares, dispnéia, linfadenomegalia, anemia e hipergamaglobulinemia (TARELLO, 2005). As pulgas (C. felis) são consideradas potenciais vetores na transmissão destes agentes em gatos (LAPPIN et al, 2006), assim como carrapatos.

Pouco é conhecido sobre erliquioses de forma geral em animais selvagens, especialmente felídeos. Se em linces-eurasianos (Lynx lynx), um levantamento sorológico realizado para populações de vida livre no norte da Europa demonstrou uma prevalência de 4% (RYSER-DEGIORGIS et al., 2005), é razoável supor que o clima quente e úmido em pelo menos parte do ano no Brasil favoreça a transmissão destes agentes pelos vetores e a doença esteja presente com alta morbidade em nosso meio sem ser reconhecida. Entretanto, de acordo com nosso conhecimento, não há relatos prévios de infecções por E. canis e A. phagocytophilum em felídeos neotropicais, seja em animais cativos ou de vida livre.

2.4.3 Hemoplasmas: Mycoplasma haemofelis, ‘Candidatus Mycoplasma