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V2 nas línguas germânicas

No documento A ordem de palavras no português medieval (páginas 47-52)

Capítulo 2 – V2: um panorama

2.2. V2 nas línguas germânicas

As línguas germânicas, com exceção do inglês moderno13, têm em comum o fato de apresentarem o efeito V2 pelo menos nas orações matrizes. No alemão a restrição V2 se manifesta exclusivamente, ainda que com algumas exceções, nas orações raízes, o que a enquadra no rol das línguas V2 assimétricas. Nesta língua observa-se que, em orações dependentes, desconsiderando o complementizador, o verbo flexionado não aparece em segunda posição e sim em posição final. Os exemplos abaixo, adaptados de Kroch (2001:20), ilustram a assimetria entre orações matrizes e subordinadas no alemão.

(5) Er hat sie gesehen.

Ele tem ela visto.

“Ele a viu”

(6) ... daß er sie gesehen hat.

... que ele ela visto tem.

“... que ele a tenha visto”

No alemão o contraste entre orações matrizes e dependentes em relação à posição do verbo finito é bastante evidente devido à natureza verbo-final dessa gramática nas orações subordinadas. No holandês, também uma língua verbo-final em orações encaixadas, observa-se uma assimetria similar à encontrada no alemão. Kroch (2001) destaca que, entre as línguas germânicas que apresentam traços V2, algumas são verbo-medial e outras são verbo-final, mas todas as línguas que perderam essa propriedade eram verbo-medial. No caso do inglês, a perda de V2 é resultado da mudança da ordem verbo-final para verbo-medial.

Diferente do alemão e do holandês, o dinamarquês não apresenta ordem verbo-final em orações encaixadas. Não obstante, no que respeita à posição do verbo,

13 De acordo com Kroch (2001) o inglês antigo era uma língua amplamente verbo-final em sentenças

subordinadas e V2 em sentenças matrizes. A partir do começo do inglês médio, por volta de 1200, a ordem subjacente era verbo-medial. Nesse ponto, a língua ainda podia ser considerada uma língua V2, mas algum tempo depois de 1250 essa ordem começou a ser menos produtiva e, por volta de 1400, já tinha desaparecido, pelo menos nos dialetos centrais.

nessa língua também há uma assimetria entre orações matrizes e subordinadas. Observem-se abaixo os exemplos adaptados de Vikner (1995:47).

(7) Peter har ofte drukket kaffe om morgenen

Peter tem frequentemente bebido café na manhã-a

“Peter frequentemente bebe café de manhã” (8) ... dat Peter ofte har drukket kaffe om morgenen

... que Peter frequentemente tem bebido café na manhã-a

“... que Peter frequentemente bebe café de manhã”

Na oração matriz do exemplo (7) o verbo está em segunda posição, a posição imediatamente à sua esquerda é ocupada pelo sujeito e o verbo precede o advérbio ofte. No exemplo (8) temos uma oração encaixada com o sujeito em primeira posição e o advérbio precedendo o verbo. No dinamarquês a assimetria entre orações matrizes e encaixadas está relacionada à posição do verbo finito em relação aos advérbios. O mesmo é observado no sueco e no norueguês.

Ainda que a assimetria seja característica do alemão, algumas exceções se aplicam. Nesta gramática a ordem linear V2 é possível nas subordinadas com complementizador nulo, conforme os exemplos abaixo, adaptados de Vikner (1995:66).

(9) Er sagt, daß die Kinder diesen Film gesehen haben

Ele diz que as crianças este filme visto têm.

“Ele diz que as crianças viram este filme.” (10) Er sagt, die Kinder haben diesen Film gesehen

Ele diz, as crianças têm este filme visto.

“Ele diz, este filme têm as crianças visto.”

Os exemplos acima evidenciam que quando o complementizador é visível, como em (9), o verbo flexionado da oração encaixada está obrigatoriamente em posição final. Em orações com complementizador nulo, como (10) e (11), licencia-se a ordem V2. Destaque-se que a ausência do complementizador está diretamente relacionada ao tipo de verbo da oração matriz que introduz a encaixada: verbos “ponte”, como sagen (dizer) e glauben (acreditar), podem selecionar uma oração encaixada com complementizador nulo e ordem V2. O mesmo não é possível com outros tipos de verbo, como evidenciam os exemplos abaixo com o verbo beweisen (provar), adaptados de Vikner (1995:71).

(12) Holmes bewies, daß Moriarty nur das Geld gestohlen hatte.

Holmes provou, que Moriarty somente o dinheiro roubado tenha.

“Holmes provou que Moriarty roubou somente o dinheiro” (13) *Holmes bewies, dieses Geld hatte Moriarty gestohlen.

Holmes provou, este dinheiro tenha Moriarty roubado.

Nas línguas escandinavas as orações encaixadas com ordem V2 também são possíveis quando introduzidas por um verbo “ponte”. Contudo, diferentemente do alemão, V2 também é licenciado em construções com complementizador foneticamente expresso, como mostram os exemplos do norueguês abaixo, adaptados de Wilklund et al. (2009:1918).

(14) Han sa at han kunne ikke synge i bryllupet.

Ele disse que ele poderia não cantar no casamento

“Ele disse que ele não poderia cantar no casamento” (15) Han sa at denne sangen kunne han synge i bryllupet

“Ele disse que esta música ele poderia cantar no casamento”

Na construção em (14) vemos uma oração subordinada com ordem V2 em que o verbo flexionado precede a negação ikke, assim como ocorre em orações matrizes. Em (15) observamos uma construção V2 com fronteamento de objeto. Casos como estes evidenciam que no norueguês a presença do complementizador não bloqueia o licenciamento de V2 em construções encaixadas com verbos “ponte”.

Como vimos na seção anterior, o islandês, assim como o alemão, o holandês e as línguas escandinavas, também se caracteriza por licenciar V2 em orações matrizes declarativas. Nas orações principais desta gramática o verbo finito se encontra necessariamente em segunda posição, sendo a primeira ocupada por diferentes tipos de XP. Além disso, o islandês também permite a ordem linear V2 nas orações encaixadas. À semelhança das línguas escandinavas, nas subordinadas o fenômeno é licenciado mesmo com a presença de um complementizador. Todavia, diferentemente do que ocorre no norueguês, dinamarquês e alemão, que só licenciam V2 com verbos “ponte”, no islandês isso não é uma regra, uma vez que nesta língua a ordem V2 é produtiva mesmo quando a oração subordinada é introduzida por outros tipos de verbo. Para ilustrar essa comparação, observem-se os exemplos abaixo do alemão e do dinamarquês, adaptados de Vikner (1995:72). Nesses casos verbos factivos não licenciam complementos sentenciais com ordem V2.

(16) *Johan bedauert, dieses Buch habe ich gelesen.

Johan lamenta, este livro tenho eu lido.

“Johan lamenta que eu tenha lido este livro” (17) *Johan beklager at denne bog har jeg læst.

Johan lamenta que este livro tenho eu lido.

“Johan lamenta que eu tenha lido este livro”

Os casos acima, agramaticais no alemão e no dinamarquês, são possíveis no islandês, como indica o exemplo abaixo, adaptado de Rögnvaldsson & Thráinsson (1990:23).

(18) Jón harmar að þessa bók skuli ég hafa lesið.

Jón lamenta que este livro devo eu ter lido.

“Jón lamenta que eu tenha lido este livro”

Como apontado na seção anterior, o islandês não é a única língua germânica que licencia V2 de maneira mais generalizada nas orações encaixadas. O iídiche também se comporta de maneira semelhante. No exemplo abaixo, adaptado de Vikner (1995:72), temos uma construção do iídiche com verbo factivo, lamentar, que seleciona uma oração com ordem V2.

(19) Jonas bedoyert az dos bukh hob ikh geleyent.

Jonas lamenta que este livro tenha eu lido.

“Jonas lamenta que eu tenha lido este livro”

Com base no que foi apresentado até o momento, é possível concluir que, de certa maneira, todas as línguas germânicas que licenciam V2 em sentenças matrizes também licenciam algum tipo de V2 nas orações subordinadas. Nas línguas escandinavas, assim como no alemão e no holandês, o efeito V2 nas orações dependentes está relacionado ao tipo de verbo – V2 só é gramatical em subordinadas introduzidas por verbos “ponte”. Nessas línguas, portanto, V2 pode ser entendido como um fenômeno limitado ou assimétrico. Por outro lado, em línguas como o islandês e o iídiche, o efeito V2 em orações encaixadas não é restrito a contextos com verbos “ponte”, uma vez que qualquer verbo licencia V2 em subordinadas. Nessas duas línguas V2 é um fenômeno generalizado e estas são, portanto, línguas V2 simétricas.

No documento A ordem de palavras no português medieval (páginas 47-52)