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Validade e criticismo à análise documental

PARTE III – ANÁLISE DOCUMENTAL

1.3. A análise documental: características, vantagens e riscos

1.3.5. Validade e criticismo à análise documental

O método de análise documental tem sido erroneamente identificado como o trabalho dos historiadores, bibliotecários e especialistas em ciência da informação, enquanto que os métodos quantitativos, os questionários e as entrevistas têm sido mais associados ao trabalho dos sociólogos, em particular, e dos cientistas sociais em geral. Tradicionalmente, e como vimos, os cientistas sociais usam o método de análise documental apenas como método complementar e raramente como método de investigação principal. May (2004) observa que os documentos “[…] não só reflectem

mas também constroem a realidade social e versões dos acontecimentos. A procura do ‘significado’ dos documentos contínua, mas com os investigadores a exercitar também o ‘direito à dúvida’. Não é nem assumido que os documentos são artefactos neutros, que relatam de forma independente a realidade social (positivismo), nem que a análise deve estar enraizada naquele conceito nebuloso, o raciocínio prático”.

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• Ao analisar os documentos não é exequível aplicar critérios de validação convergente que comparem o resultado do teste com um ou mais critérios e variáveis externas, conhecidos ou assumidos, ao mesmo tempo que é importante saber até que medida é que os resultados da sua aplicação reflectem os conceitos teóricos subjacentes, atestando a validade do constructo e a confiabilidade dos dados para fins de investigação com os índices de vulnerabilidade (Webb et al., 1984; Herbert, 1990).

• As provas documentais são não-invasivas (Webb et al., 1984), visto que o sujeito não tem consciência de que os seus comportamentos estão a ser examinados e, acrescentamos nós, não-reactivas porque a referida falta de consciência de que está a decorrer uma investigação inviabiliza automaticamente qualquer mudança comportamental por parte dos sujeitos sobre observação. • Os autores de documentos não são susceptíveis de assumir a sua futura

utilização em estudos de investigação. Como Bailey (1994) observa “os métodos

de recolha de dados em si geralmente não alteram os dados que estão a ser recolhidos”.

• Os métodos documentais oferecem ao investigador uma oportunidade (tendencialmente) mais rápida e barata de obter dados. Dizemos tendencialmente porque a indisponibilidade de material, fragmentação de dados, dados incompletos, imprecisões, preconceitos e parcialidades inerentes a este método de investigação obriga necessariamente o investigador a dedicar muito tempo à pesquisa, recolha e tratamento de dados (Oliveira, 2007). Por outro lado, existem vários factores que podem influenciar o valor de um documento: a raridade, a antiguidade, o grau de confidencialidade, o conteúdo e o contexto são apenas alguns destes factores.

• As provas documentais ao disponibilizarem os dados libertam o investigador do trabalho de campo.

• As provas documentais facilitam a formulação de hipóteses e problemas de investigação.

A esta lista, ainda acrescentamos a vantagem das provas documentais libertarem o trabalho do investigador da dependência da disponibilidade, ‘boa vontade’ e

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sinceridade de terceiros para recolher dados através de inquéritos e entrevistas. De facto, esta é, na nossa opinião, talvez a vantagem mais significativa, pois a agitação em que se traduz o dia-a-dia das pessoas na actualidade e a permanente solicitação para participarmos em estudos de opinião e em outras formas de recolha de dados – fruto da digitalização, democratização de acesso, facilidade de produção e distribuição deste tipo de instrumentos oferecidos pelo estado-da-arte tecnológico actual –, origina no público em geral sentimentos de saturação e aversão face a estas técnicas e métodos de investigação, o que tende a diminuir a sua eficácia e utilidade.

Apesar destes pontos fortes, os métodos documentais são criticados por muitos investigadores (Denscombe, 1998; Judd, Smith e Kidder, 1991; Bailey, 1994; Treece e Treece, 1982; Stewart, 1984; Webb et al., 1984; While 1987; Hakim, 1993; Cohen e Manion, 1994), sobretudo devido à forma como é feita a recolha de dados:

• Ao utilizar documentos como fonte de dados, os investigadores ficam dependentes de algo que foi produzido para outros fins e não para os objectivos específicos da sua investigação;

• Os documentos podem ser mais um exercício interpretativo dos seus autores do que uma imagem objectiva da realidade;

• A análise documental é um método considerado pouco claro e que disponibiliza poucas ferramentas ao investigador para usar;

• Dado o seu contexto social e crenças identitárias, o investigador fará uma compreensão selectiva e tendenciosa de um documento, e pode até mesmo deliberadamente escolher e seleccionar documentos específicos. Esta é uma crítica comum a todas as técnicas de recolha de dados. Assim, os autores dos documentos irão escolher os dados de análise e inferir conclusões tendo como referenciais o ambiente social, político e económico do qual fazem parte;

• Embora as novas tecnologias (por exemplo, a Internet) ofereçam mais possibilidades de adquirir documentos, os investigadores deverão exercer uma grande reflexividade crítica já que grande parte dos documentos disponibilizados na internet são produzidos por grupos políticos e outros grupos de interesse poderosos que querem garantir que as suas visões particulares cheguem ao

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domínio público, com o desejo de influenciar favoravelmente a sua imagem junto da opinião pública;

• Apesar da tecnologia digital (por exemplo, computadores) oferecer novas oportunidades e novas formas de recolha de dados, informação e suporte à investigação, deve-se lembrar que também permite a criação, modificação, destruição e substituição de informações com muito pouco esforço e baixo custo;

• De modo geral, a utilização de documentos sem ter em devida consideração o processo e o contexto social de sua construção, deixa os investigadores (especialmente os semióticos) vulneráveis à acusação de fazerem leituras irreflectidas e acríticas;

• Análise documental é limitada pela disponibilidade de material, falta de dados, dados incompletos, imprecisões, preconceitos e parcialidades inerentes. De facto, neste aspecto é fundamental para o investigador certificar-se que as provas documentais que suportam a sua investigação não derivam ou, pior, resultam num “depósito selectivo”18 ou numa “sobrevivência selectiva”19 (Webb et al., 1984);

• Muitos documentos podem originar dados incompletos ou ser erradamente considerados apropriados e desta forma induzir em erro o investigador que tenha pouca ou nenhuma experiência a trabalhar sobre o objecto de estudo por falta de conhecimentos prévios (Bailey, 1994; Grimshaw e Russell, 1993).

1.4. Síntese conclusiva: mobilização do quadro teórico para a compreensão do