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2. Avaliação de informação arquivística: conceitos, modelos e métodos

2.2. Conceitos fundamentais

2.2.1. Avaliação de informação arquivística

2.2.1.3. Valor

A noção de valor em arquivística é central no processo de avaliação, uma vez que implica estabelecer um conjunto de critérios que deteminarão os traços distintivos entre informação passível de eliminação ou de conservação permanente (Couture, 1998, pp. 170-171). A construção da noção de valor na teoria da informação arquivística não se constituiu em torno da teoria de valor ou axiologia no âmbito filosófico da ética e deontologia (McCrank, 2002, p. 291), apesar dos paralelismos terminológicos entre estas duas áreas de conhecimento (Schroeder, 2014). De acordo com Burell,

the value of information can be determined ‘post facto’ – but not before its use (2004, p. 57). Os

critérios de valoração de documentos ou de informação levaram ao desenvolvimento de uma taxonomia arquivística que radica na axiologia de Schellenberg (primary e secondary values). Os diversos critérios de determinação de valor dos documentos consistem nos seguintes elementos:

(1) VALOR ARQUIVÍSTICO. A NP 4041:2004 define como valor atribuído a um documento de

arquivo ou outra unidade arquivística, para efeitos de conservação permanente num serviço de arquivo e acrescenta: resulta do seu valor probatório e/ou relevância do seu valor informativo (p. 8). Também designado como valor permanente ou histórico (ICA/CIA,

2013).

(2) VALOR PROBATÓRIO. A NP 4041:2004 (p. 8) define como valor inerente aos documentos de

arquivo, na medida em que consignam ou comprovam factos, constituem direitos e obrigações e são reconhecidos como garantia e fundamento de actos, factos e acontecimentos. Este conceito é também chamado como administrativo ou primário. A

definição dada em português do Brasil consiste no valor intrínseco que permite a um

documento de arquivo servir de prova legal (ICA/CIA, 2013). Porém as definições dadas

são vagas, pois que na terminologia anglo-saxónica a definição de evidential value possui sentido distinto em Pearce-Moses (2005), que o define como The quality of records that

provides information about the origins, functions, and activities of their creator (p. 152).

(3) VALOR INFORMATIVO. A NP 4041:2004 define como valor decorrente da informação

veiculada por um documento de arquivo ou outra unidade arquivística (...), testemunham a constituição e funcionamento da administração produtora (p. 8), também conhecido

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como valor secundário . Pearce-Moses (2005) define informational value como The

usefulness or significance of materials based on their content, independent of any intrinsic or evidential value (p. 206).

(4) VALOR LEGAL. A NP 4041:2004 define como valor decorrente da relevância de um

documento de arquivo, para comprovar, perante a lei, um facto ou constituir um direito

(p. 8). Pearce-Moses (2005) define legal value como The usefulness or significance of

records to document and protect the rights and interests of an individual or organization, to provide for defense in litigation, to demonstrate compliance with laws and regulations, or to meet other legal needs (p. 229).

De acordo com Doom (2005), este sistema de valoração tem sido adotado e explorado através da combinação de um conjunto de parâmetros para a construção de instrumentos de avaliação, a saber:

(1) Para atribuição de valor primário, os parâmetros baseados em Rousseau & Couture

(1998);

(2) Para atribuição de valor secundário, baseados no método de Boles & Young (1991).

Este modelo taxonómico schellenberguiano encontra-se refletido no Manual para a Gestão

de Documentos do IAN/TT, conforme quadro abaixo:

VALOR CRITÉRIO DE PROVA PARÂMETRO EXCEÇÕES

Primário,

administrativo Administrativa

 Natureza da utilização;  Frequência da utilização;  Prazo de prescrição;

 Fundamento legal ou normativo. Legal

Financeira e fiscal Secundário,

informativo

Informativo  Memória da entidade produtora (constituição,

regulamentação, contencioso e

jurisprudência, controlo arquivístico, direitos e deveres, principais atividades, organização e funcionamento, planeamento e controlo, outra função);

 Memória coletiva (acontecimentos, indivíduos, assuntos, locais, grupos minoritários, proteção de direitos, movimentos ou tendências políticas económicas, sociais, culturais, religiosas, científicas ou outras);

 Função testemunhal;  Fins de investigação.

 Duplicação de conteúdo informativo (exemplares principais, órgãos e serviços de nível hierárquivo superior, documentos síntese);  Importância em função do

contexto e conteúdo.

QUADRO 7: Sistema de valoração segundo. Fonte: IAN/TT (1998, p. 26-27).

Porém, as críticas em relação aos problemas de relativismo que os conceitos de valor evidenciam, designamente a nível dos critérios de atribuição de conservação permanente, incidem no facto de a taxonomia adotada para a valoração de documentos por arquivistas é incompatível com os princípios arquivísticos que defendem (Klumpenhouwer, 1988). Para McRanor (1996), os arquivos são impartial as to creation, authentic as to procedure, and interrelated as to meaning (p. 405).

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Por outro lado, a secção 9.2. da NP 4438-1:2005 (harmonizada a partir da ISO 15489-1:2001) dedica especial atenção para os critérios de atribuição de prazos de retenção, considerando que os critérios de atribuição de conservação permanente consistem em dados informativos que:

- fornecem elementos de prova ou de informação sobre políticas e acções da organização; - constituem prova ou informação da interacção entre a organização e os seus clientes; - documentam direitos e obrigações de pessoas singulares ou colectivas;

- contribuem para construir a memória da organização para fins científicos, culturais ou históricos; e - contêm prova e informação sobre actividades de interesse interno e externo (NP 4438-1:2005). Em matéria de atribuição de valor para efeitos de conservação permanente, o artigo 4.o do Decreto Legislativo Regional n.o 26/99/M, de 27 de agosto, estabelece como critérios:

a) Contenham documentos relativos à criação e constituição, organização e regulamentação do organismo produtor, bem como à sua extinção;

b) Reflictam o funcionamento do organismo, bem como a evolução das suas políticas e estratégias; c) Retractem [sic] as funções específicas do organismo;

d) Retractem [sic] sumariamente os meios de que o organismo dispõe no cumprimento das suas funções;

e) Permitam medir o impacte e eficácia das actividades desenvolvidas;

f) Integrem documentos que garantam a protecção de direitos do organismo produtor, de outras entidades ou indivíduos;

g) Incluam documentação relativa a casos de contencioso ou firmem jurisprudência; h) Sirvam ao controlo arquivístico;

i) Contenham documentos referentes a factos particularmente relevantes da vida do organismo produtor;

j) Contenham documentos de divulgação ou promoção do organismo;

I) Veiculem informações relevantes sobre acontecimentos, movimentos ou tendências em história política, económica, social, cultural, religiosa ou científica.

Independentemente dos critérios adotados para a valoração de informação arquivística, as diversas abordagens teórico-metodológicas centram o conceito de valor com os princípios arquivísticos (designadamente, proveniência e ordem original), pois que tais parâmetros visam a constituição do património arquivístico, aspeto sobre o qual assenta a maioria dos regimes jurídicos nacionais em matéria de arquivos (Hernández Olivera, 2013; Couture, 2005). Outros autores evidenciam que os critérios de valoração devem adaptar-se às mudanças constantes nos sistemas arquivísticos em função das tendências culturais, tecnológicas, sociopolíticas, jurídico-normativas e filosóficas da sociedade (Cermeno Martorell & Rivas Palá, 2010; 2011).

Para todos os efeitos, a valoração de documentos é um processo não isento de subjetividade, de forma que devem ser documentados todos os procedimentos subjacentes à avaliação arquivística na perspectiva da accountability.

Refira-se que a noção de valor baseada na taxonomia axiológica schellenberguiana é substituída tendencialmente pela noção de propriedades da unidade informacional/arquivística no processo de avaliação de informação arquivística (Silva & Ribeiro, 1998; 2000; 2004; 2009; 2012).

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ILUSTRAÇÃO 4: Modelos axiológicos de avaliação de informação arquivística. Fonte: elaboração da nossa lavra.