• Nenhum resultado encontrado

6. Resultados e discussão

6.5 Valores

Aos moradores foram questionados quanto aos valores que eles atribuíam ao fragmento florestal urbano localizado na vizinhança. Ao total, foram propostos 14 valores identificados por cartas com ilustrações associadas ao significado de cada valor ambiental. No momento da entrevista, ao morador foi solicitado que dividisse os valores em dois grupos: os valores positivos, aqueles que para o morador estão presentes na sua percepção em relação ao fragmento e os negativos, aqueles que o morador considerava inexistir na sua relação afetiva com o fragmento. Após a separação das cartas nos dois grupos, aos moradores era solicitado que ordenasse as cartas segundo um ranking decrescente, do mais alto para o mais baixo valor, para uma das pilhas de cartas.

A representação e denominação dos 14 atributos socioambientais (Tabela 5) foi baseada e adaptada de acordo com um estudo realizado por Brown e Reed (2000).

Os resultados obtidos estão representados na Figura 12. O Boxplot é um gráfico conhecido também como diagrama de caixa que capta importantes aspectos de um conjunto de dados através do seu resumo dos cinco números, formado pelos seguintes valores: valor mínimo, primeiro quartil, segundo quartil, terceiro quartil e valor máximo. No presente estudo o gráfico representa a variação do ranking dos atributos do fragmento florestal urbano para o conjunto dos entrevistados do mais positivo ao mais negativo.

Tabela 7 - Atributos socioambientais dos FFU com as suas definições.

Atributo O que é?

Estético (1) Valoriza o fragmento porque aprecia a sua paisagem, imagens, cheiros e sons.

Recreacional (2) Valoriza o fragmento, pois permite um lugar para a realização de atividades de recreação tais como caminhadas. Diversidade biológica

(3)

Valoriza o fragmento porque fornece uma variedade organismos vivos de todas as origens, compreendendo também os ecossistemas terrestres e aquáticos.

Intrínseco (4) Valoriza o fragmento em si mesmo pela a sua existência, não importando o que os outros pensam sobre ele.

Histórico (5) Valoriza o fragmento porque tem lugares e coisas naturais e da história humana importantes para você, outros ou a nação. Futuro (6) Valoriza o fragmento, pois você deseja que as gerações

futuras conheçam e experimentem o fragmento como é agora.

Terapêutico (7) Valoriza o fragmento porque lhe faz sentir melhor física e mentalmente.

Cultural (8) Valoriza o fragmento porque é um lugar para você continuar transmitindo a sabedoria e o conhecimento, tradições e modo de vida dos seus antepassados.

Sustentar vida (9) Valoriza o fragmento porque ajuda a produzir, preservar, limpar e renovar o ar, solo e água.

Espiritual (10) Valoriza o fragmento porque você considera um lugar sagrado, religioso, espiritual, e sente reverência e respeito por essa natureza.

Econômico (11) Valoriza o fragmento, pois fornece madeira, pesca, minerais e oportunidades de turismo.

Aprendizagem (12) Valoriza o fragmento porque permite aprender sobre o meio ambiente.

Subsistência (13) Valoriza o fragmento, pois fornece alimento e suprimentos necessários para se sustentar.

Ecoético (14) Valoriza porque nele habitam seres não humanos que também tem direito à vida.

Conforme a Figura 12, o valor mais positivo para o conjunto dos entrevistados, foi o ecoético (V14), seguido do valor diversidade biológica (V3), futuro (V6) e sustentar a vida (V9). Por outro lado, o valor de subsistência (V13) e econômico (V11) foram os valores mais negativos atribuídos ao fragmento florestal pela população.

Figura 12 - Gráfico tipo Box-Plot dos valores atribuídos aos fragmentos florestais urbanos.

A preponderância do valor ecoético deu-se pela maioria acreditar que o valor do fragmento florestal não reside num direito humano, e sim no direito dos animais e outros seres vivos para os quais o fragmento florestal é o hábitat natural. O valor diversidade biológica também teve a sua justificativa semelhante ao ecoético, pelos animais que habitam o remanescente florestal, conforme alguns relatos:

"Pra mim os bichos têm muito mais direito do que o ser humano, porque a floresta é dos bichos."

"Mais pelos animais, pelo futuro deles e não somente nosso."

Outro valor positivo atribuído pela população foi o valor de futuro (valor de opção). Muitos demonstraram as suas preocupações com os seus filhos e netos, para que os mesmos possam usufruir futuramente desse bem ambiental que é o fragmento florestal.

"Sem futuro não vivemos e eu penso no meu neto, quero que ele tenha uma qualidade de vida."

"Servirá para os nossos filhos e netos, melhor fazer no ar puro do que na rua, o ar é diferenciado e me preocupo com as futuras gerações."

Por fim, o valor “sustentar a vida” foi mencionado pois os moradores acreditam que o fragmento florestal contribui para a renovação dos recursos naturais e também pela qualidade de vida que o mesmo pode proporcionar.

"É importante porque ela ajuda a fazer a manutenção da vida."

"Uma área verde contribui muito pra subsistência de qualquer coisa. É o benefício de trazer muitas coisas boas pra gente."

De acordo com Motta (2011), esses valores podem ser classificados como Valor de Não-Uso ou Valor de Existência (VE). Este valor está dissociado do uso (embora represente consumo ambiental) e deriva de uma posição moral, cultural, ética ou altruística em relação aos direitos de existência de outras espécies que não a humana ou de outras riquezas naturais, mesmo que essas não representem uso atual ou futuro para ninguém, o que se pôde observar diante desses resultados apresentados.

Segundo Bishop e Welsh (1992), as pessoas avaliam um recurso natural mesmo se não o consomem, porque são altruístas para com os amigos, familiares, a fauna e a flora, as futuras gerações e por entenderem que a natureza possui seus direitos de existir. Em relação aos valores negativos, o valor econômico foi o mais rejeitado pelos moradores, seguido do valor de subsistência, justificado pelo os mesmos motivos do econômico. A maioria dos entrevistados disse não utilizar do fragmento florestal para fins econômicos ou de sobrevivência e outros associaram o valor econômico a destruição da área.

"Eu nunca tirei nada daí e eu também não sobrevivo disso." "Porque só de pensar em madeira eu penso que vai destruir, porque corta, explora e isso é crime ambiental."

Quanto ao valor espiritual este foi o que mais apresentou variação entre os moradores. Os depoimentos foram bem divididos quanto a esse valor, uns achavam que o “espiritual” estava ligado ao próprio espiritismo e a energias negativas, outros não, associavam a paz ou algo divino, conforme relatos:

"Porque eu nunca fiz essas coisas de espiritismo aí e não faz diferença nenhuma isso pra mim."

"Acho que Deus está lá, a gente sente a paz de espírito." "Só se for pros macumbeiros."

O ranking de valores desta pesquisa corrobora com os resultados do trabalho realizado por Brown e Reed (2000), onde o valor sustentar a vida, diversidade biológica e futuro encontram-se entre os cinco primeiros valores mais frequentes. Enquanto que o valor espiritual é um dos valores menos frequente, ficando em décimo segundo lugar dos treze valores.

Figura 13 - Gráfico de pontos das componentes 1 e 2 resultantes da Análise de Componentes Principais do ranking atribuído pelos moradores aos 14 valores ambientais.

Cada ponto no gráfico corresponde a um entrevistado, identificado segundo o fragmento (1 = Mundo Novo; 2 = Da Ilha) e o estrato (adjacente ou distante). Os grupos 1, 2, 3, 4 correspondem aos conjuntos de moradores conforme os quadrantes criados pela interseção da CP 1 e 2.

Fragmento 1 - adjacente

Fragmento 1 – distante

Fragmento 2 – adjacente

Com base nas respostas individuais foi conduzida uma análise multivariada segundo a técnica da análise de componentes principais. Para elaboração da matriz numérica foram considerados os valores positivos e negativos resultantes do ordenamento das cartas por cada entrevistado. A análise de componentes principais (ACP) revelou 4 grupos de padrões de respostas, considerando-se as componentes principais (CP) 1 e 2, que juntas explicam 46,2% da variância dos dados. A ACP 1 (eixo horizontal) separa os grupos 1 e 2 em relação aos grupos 3 e 4. Os grupos 1 e 2 são os moradores que tendem a conferir mais valores positivos que negativos quando comparados aos grupos 3 e 4, como já foi analisado. Já a ACP 2 (eixo vertical) separa os grupos pela diferença do conjunto de atributos valorizados. Moradores adjacentes ao Fragmento 1 estão posicionados principalmente nos grupos 2 e 4. Já os moradores adjacentes do Fragmento 2 estão posicionados principalmente nos grupos 1 e 3, indicando que dependendo do fragmento, moradores adjacentes podem valorizar de modos e distintos os atributos potenciais do fragmento. Moradores distantes dos fragmentos estão posicionados nos grupos 1, 2 e 3, igualmente.

Na Figura 13 cada variável é representada por um vetor. A direção e o comprimento do vetor indicam como cada variável contribui para as componentes principais (JEONG et al. 2009). Todas as variáveis têm coeficientes positivos (vetores posicionados no lado direito do gráfico) em relação ao primeiro componente principal (eixo 1). No entanto, com relação ao segundo componente, nove variáveis (V4, V9, V13, V14, V6, V1, V12 e V5) têm coeficientes positivos (vetores posicionados no quadrante superior direito) e cinco variáveis (V11, V8, V7, V2, V10) têm coeficientes negativos (vetores posicionados no quadrante inferior direito).

Observa-se também que a variável 10 (V10) foi a que apresentou o maior comprimento de vetor (Figura 13), logo é a variável que mais contribui para o componente. Isso pode ser explicado pela maior variabilidade que esse valor obteve entre os moradores, como foi observado na Figura 12. Por outro lado, a variável 11 (V11) foi a que menos contribuiu para a componente (Figura 13) visto que foi a que menos variou entre as respostas obtidas pelos moradores (Figura 12).

Com base no gráfico da ACP, os moradores foram divididos em quatro grupos correspondendo ao posicionamento dos objetos (moradores) nos quadrantes criados pela intersecção dos dois eixos principais. Para cada um dos grupos foi calculado o ranking médio de cada valor ambiental (Tabela 6) e estes grupos foram analisados comparativamente.

Os moradores que compõem o Grupo 1, cujo perfil foi denominado de ecocêntricos, tendem a atribuir valores positivos a todos os atributos, exceto ao atributo econômico. Se diferenciam do grupo 2 por considerarem ser mais importantes os atributos ecocêntricos e impessoais e em primeiro lugar o direito das futuras gerações, atribuindo menor importância a atributos antropocêntricos (humanistas).

Os moradores do grupo 2, cujo perfil foi denominado de “humanistas”, também tendem a atribuir mais valores positivos que negativos para todos os atributos, porém se diferenciam do grupo 1 por darem maior importância para certos atributos antropocêntricos, com destaque para o atributo espiritual (Tabela 6). Para este grupo, ao contrário do grupo 1, atributos humanistas como o terapêutico e o cultural são mais valorizados. Para este grupo, há uma conexão pessoal com os fragmentos florestais.

Tabela 8 - Média dos atributos por grupo.

Atributos Grupos 1 2 3 4 Ecoético 8,1 8,1 5,8 4,6 Diversidade ecológica 8,1 6,6 4,9 2,7 Geração futura 8,6 5,5 4,0 3,1 Sustentar a vida 7,4 4,7 4,0 -0,3 Intrínseco 6,1 4,5 3,9 -0,5 Aprendizado 7,4 4,6 -0,2 0,9 Terapêutico 5,7 5,8 -0,3 1,2 Estético 5,4 3,4 2,2 0,0 Cultural 4,8 4,9 -1,2 -0,7 Histórico 4,1 4,0 -0,6 -2,5 Recreação 1,4 3,2 -2,0 2,3 Espiritual 1,5 7,58 -5,6 -0,9 Subsistência 0,9 -0,1 -2,1 -2,8 Econômico -1,5 -1,7 -4,2 -3,3

Os moradores do grupo 3 (não humanistas) e com mais intensidade os do grupo 4 (utilitaristas), como afirmado anteriormente, tendem a atribuir mais valores negativos que positivos aos atributos (Tabela 6). A característica do grupo 3 e a que o diferencia dos demais

grupos é a sua rejeição aos atributos antropocêntricos. Para este grupo, os fragmentos não têm valores socioculturais, e rejeitam com maior intensidade o valor espiritual. Para o grupo 4, ainda que fragmentos representem poucos atributos positivos, atributos ecocêntricos se equiparam a atributos humanistas (socioculturais) tais como recreativo, terapêutico, aprendizado e estético.

O antropocentrismo tem como base motivacional o interesse em manter a qualidade de vida, a saúde e a existência humana, e, para tanto, faz-se necessário preservar os recursos naturais e o ecossistema; havendo assim uma relação de troca, em que o homem preserva a natureza para seu benefício. Já para o ecocentrismo, a natureza é uma dimensão espiritual e de valor intrínseco que é refletida nas experiências humanas relacionadas com os sentimentos sobre o ambiente natural; o homem está conectado à natureza e a valoriza por si mesma (COELHO et al. 2006).

A forma como cada grupo determina os valores do que é mais positivo para o negativo pode estar ligado algum tipo de crença. Para Caixeta (2010), indica a forma como as pessoas se relacionam com o ambiente e sua predisposição de agir em prol da ou contra a natureza, contribuindo para compreender o comportamento ambiental. É o que de certa forma influencia se um indivíduo atribui ou não valor a um determinado espaço natural, como é o caso dos fragmentos florestais urbanos. Dessa forma, crenças ambientais são vistas no contexto de um sistema, onde o indivíduo associa situações, objetos, eventos, a partir de aspectos sociais, culturais e de sua própria experiência pessoal.

A Figura 14 demonstra que ao contrário do esperado, no Fragmento 1 - Mundo Novo, moradores mais distantes do fragmento tendem a valorizar mais positivamente os atributos que os moradores adjacentes. A média da soma dos valores dos atributos é três vezes maior para o conjunto dos moradores distantes, se comparada à média dos moradores adjacentes. No caso do fragmento 2 – Da Ilha, observou-se o contrário: como esperado, moradores adjacentes valorizam mais positivamente o fragmento que moradores distantes, cerca de duas vezes mais. De um modo geral, moradores do Fragmento 2 valorizam mais positivamente os atributos do fragmento florestal do que moradores do fragmento 1.

Figura 14 - Valor atribuído em função da distância do fragmento florestal urbano.

O contexto local e a relação entre os próprios moradores exercem forte influência na percepção dos moradores quanto à persistência do fragmento florestal nas vizinhanças. Este fenômeno é perceptível, particularmente entre os moradores adjacentes do Fragmento 1 – Mundo Novo. Comparados aos moradores do fragmento da Ilha, os moradores do Mundo Novo valorizam menos positivamente os atributos socioambientais do fragmento florestal. Como comentado anteriormente, para os moradores do Mundo Novo, um dos principais problemas observados ao morar no entorno de uma área verde como fragmento florestal é a insegurança, decorrentes da violência e criminalidade relatada pelos moradores, o que de certa forma os afastam e gera uma aversão ao ambiente.

Uma análise discriminante passo a passo foi executada, tendo-se como variáveis preditoras Idade, Gênero, Escolaridade, Tempo de moradia, Renda, Fragmento e Estrato considerando-se os grupos de percepção. Somente a variável Tempo permaneceu no modelo final (p = 0,018), com maiores acertos na classificação do grupo 2 (61%), o que se explica pelo fato de este grupo apresentar o maior tempo de moradia médio. Coincidentemente, os grupos 3 e 4 atribuíram os menores valores aos atributos dos fragmentos e também apresentam as menores média de tempo de moradia. O que pode ser mais um indício de que o tempo de moradia pode estar relacionado ao modo como os indivíduos valorizam as áreas verdes florestais em suas vizinhanças. Estes efeitos são mais destacados entre os moradores adjacentes que os distantes e maior entre os moradores do fragmento 2 que os do fragmento

1. Em todas as quatro situações, moradores posicionados no grupo 2 (humanistas – espiritualistas) apresentam as maiores médias de tempo de moradia (Figura 15).

Figura 15 – Médias do tempo de moradia para os diferentes grupos de percepção em acordo com o fragmento e

estrato.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS (páginas 60-70)

Documentos relacionados