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CAPÍTULO 4 A VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR NO

4.2 Percepções acerca da realidade do CEREST

4.2.1 Valorização da atenção à saúde do trabalhador

Na abordagem à atenção à saúde do trabalhador e sua devida valorização, importa não só discutir as políticas públicas e órgãos que a executam, como também a percepção que os sujeitos envolvidos têm sobre o trabalho que realizam. Assim, esta unidade de análise contempla as percepções dos sujeitos sobre o trabalho, sobre a política de saúde do trabalhador no SUS e sobre o CEREST.

a) O significado de trabalho vai além do retorno financeiro

Trabalho, para os respondentes, significa uma atividade do dia a dia, contínua, física e intelectual, realizada em troca de um valor, de um benefício financeiro, visando um objetivo final, a realização pessoal ou simplesmente a subsistência. Admitem que este significado seja contemplado no trabalho que realizam. Avaliam seu trabalho/profissão/atividade no CEREST de forma positiva, entendendo que o mesmo beneficia pessoas, é em prol de outras pessoas, possibilita melhorias para o trabalhador e trabalhadora em seus ambientes de trabalho (Sujeitos 2, 4, 6, 7, 8, 9 e 10).

Essa percepção condiz com a visão capitalista, do trabalho como mercadoria, ainda que sui generis27, podendo ser vendido e comprado por um determinado preço no mercado (LANGER, 2003, p. 26); da força de trabalho humano se distinguindo da força animal, não pela sua capacidade de produzir um excedente, mas pelo seu caráter inteligente e proposital, dando-lhe infinita adaptabilidade e produzindo as condições sociais e culturais para ampliar sua própria produtividade (BRAVERMAN, 1987, p. 58).

A referência dos respondentes em relação ao seu trabalho não se prende somente no retorno financeiro. Fica evidente que para esses profissionais que se dedicam à saúde pública, o trabalho é também doação de seus talentos no cumprimento de uma tarefa cujo objetivo final é a melhoria das condições de trabalho e saúde da classe trabalhadora, sendo recompensados com a realização pessoal.

Como o trabalho passa a ser, ao mesmo tempo, fator de sobrevivência, de humanização, de integração social, de auto-estima e de utilidade social, a realização do homem moderno depende grandemente da sua vinculação ao trabalho, afirma Langer (2003, p. 22). A concepção sobre o significado do trabalho se completa com a união destas várias facetas.

b) O descompasso entre o que preveem as Políticas Públicas e o que está em prática

Aos respondentes, membros da equipe do CEREST, foi indagado sobre “como vêem a política de saúde do trabalhador no SUS, enquanto profissionais da área”.

A percepção dos respondentes a respeito da política de saúde do trabalhador no SUS e seus desdobramentos normativos, é de que a mesma é bem elaborada, é um marco na história da saúde do trabalhador, seu teor é muito bonito, é excelente, e se aplicada na prática, muito eficiente. Contudo, afirmam que não está implementada em sua totalidade, está ainda iniciando, deixando a desejar (Sujeitos 2, 4, 6, 7, 8, 9 e 10). “Há um longo caminho para realmente efetivar esta política em níveis federal, estadual e municipal” (Sujeito 6).

27

Sui generis - Do seu gênero; peculiar, singular. Designa coisa ou qualidade que não apresenta analogia com nenhuma outra. (DICIONÁRIO DE LATIM, 2016).

Tais colocações acerca da política de saúde do trabalhador no SUS, induzem à reflexão sobre o processo de implementação e efetivação dessa política.

Quando o artigo 200 da CRFB/88, em seus incisos II e VIII, dispõe que ao SUS compete, além de outras atribuições, executar ações de vigilância em saúde do trabalhador e colaborar na proteção do meio ambiente do trabalho, insere a saúde do trabalhador no SUS e garante o direito à saúde ligado ao de cidadania, embasado nos princípios da universalidade, integralidade e equidade (PAIM, 2015, p. 28).

A partir da década de noventa iniciou-se o processo de implantação e consolidação de ações em saúde do trabalhador no SUS que vem ocorrendo gradativamente. Houve avanços significativos com o lançamento da NOST-SUS e a estruturação da RENAST. Esta, por meio dos CEREST desencadeia a VISAT. Contudo, a VISAT é compreendida “como um processo de construção em permanente busca de ampliação de seu espectro de influência nos condicionantes da saúde relacionados aos processos de trabalho” (VASCONCELLOS, et al, 2014, p. 4.619) e por esta razão, sempre haverá algo por fazer. Entretanto, quando os respondentes apontam para a implementação parcial e falta de efetivação da política de saúde do trabalhador no SUS, sem previsão de solução imediata, referem-se ao que já poderia estar em andamento e ter avançado levando-se em conta o tempo transcorrido desde a sua criação. Já se vão praticamente três décadas e os entraves ao seu pleno funcionamento são recorrentes (os quais serão abordados em tópico próprio), dentre os quais, a carência de profissionais para atuarem exclusivamente na área da saúde do trabalhador, pois na conformação atual, os profissionais se desdobram atuando em mais de uma área ao mesmo tempo, ficando a saúde do trabalhador em segundo plano.

Na política de saúde do trabalhador no SUS há um descompasso entre o que a mesma prevê e o que de fato se põe em prática; segundo os respondentes, “na teoria é linda mas na prática deixa a desejar, está iniciando” (Sujeitos 7 e 8), “com um teor muito bonito se analisada no papel, porém com um longo caminho a ser percorrido para que seja de fato efetivada” (Sujeitos 2 e 4).

Os respondentes acenaram positivamente acerca da política de saúde do trabalhador no SUS. “A política de saúde do trabalhador melhorou” (Sujeito 2), o trabalhador está sendo valorizado com iniciativas voltadas à melhoria da sua qualidade de vida. Contudo, os respondentes apontam para a necessidade de sua

efetivação. Assim, vislumbra-se a perspectiva de que a sua completa implementação e consequente efetivação irá decorrer de ações pontuais a serem executadas neste sentido no “longo caminho a ser percorrido”.

c) CEREST, o apoio necessário

Na RENAST, as práticas em saúde do trabalhador devem ser disseminadas pelo CEREST, por tratar-se de uma ferramenta estratégica para tal. O CEREST representa um polo irradiador da cultura especializada que está subentendida na relação processo de produção/saúde/trabalho/meio ambiente. Deverá assumir a função de suporte técnico e científico, desse campo do conhecimento, junto aos profissionais de todos os serviços do SUS, orientando-os nas suas práticas de atenção (BRASIL, 2011).

Esse suporte do CEREST não deve limitar-se à função de núcleo de inteligência, de supervisão ou de capacitação desses serviços. Sua atuação deve concretizar-se em práticas conjuntas de intervenção especializada, principalmente em práticas de vigilância e de assistência especializada, de maior complexidade (BRASIL, 2011). É um apoio que consiste no desempenho de funções de suporte técnico de educação permanente, de coordenação de projetos de promoção, vigilância e assistência à saúde dos trabalhadores, além da articulação de ações intra e intersetoriais de saúde do trabalhador (BRASIL, 2012).

Entre os profissionais respondentes da pesquisa, houve consenso em relatar que o CEREST presta todo o apoio às Regionais de Saúde, conseguindo atuar como parceiro para melhoria das condições de trabalho, sendo bem recebido onde realiza intervenções. Afirmam que o CEREST é um órgão necessário para as atividades de prevenção e promoção da saúde dos trabalhadores (Sujeitos 2, 4, 6, 7, 8, 9 e 10).

Identifica-se, nos Relatórios de Atividades do CEREST (triênio 2014-2016)28 que o suporte do mesmo junto às Regionais de Saúde e seus municípios de abrangência envolve ações de educação (capacitações, reuniões, eventos) e práticas de vigilância e articulação com outros órgãos, mediante:

 Inspeções em estabelecimentos;

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 Investigações dos acidentes de trabalho graves;  Intervenções em estabelecimentos;

 Reinspeções em estabelecimentos;

 Visitas a estabelecimentos para divulgação de campanhas (p. ex. campanha do benzeno/postos de combustível);

 Visitas Técnicas;

 Elaboração de Relatórios Técnicos;

 Apoio para elaboração de Diagnóstico da Saúde do Trabalhador nos municípios;

 Avaliação do PPRA das Regionais de Saúde;

 Monitoramento de Programas (ex. VIGIASUS, SISPACTO);  Fiscalização de convênios de transferências voluntárias;

 Apresentação de Projetos (ex. Projeto da Reconversão do Tabaco);  Supervisão do Programa de Reconversão do Tabaco;

 Coleta de água para análise (Programa Reconversão do Tabaco);

 Apoio ao encaminhamento de produtores de fumo para realização de exames audiológicos;

 Apoio na instalação da nova versão do Programa do SINAN nos municípios;  Orientação para preenchimento de ficha de notificação ao SINAN e roteiro de

inspeção;

 Atendimento a Termo de Cooperação Técnica entre SESA e MPT;

 Exigência junto a estabelecimentos de cumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) (por demanda do MPT).

Observa-se no levantamento documental e no depoimento dos respondentes que o CEREST realiza ações com a sua equipe e também articula com associações, sindicatos, órgãos públicos e instituições de ensino, na busca dos saberes específicos para aprofundamento necessário de conhecimento a ser aplicado em cada situação. O CEREST conta com parceiros que contribuem na tarefa da irradiação da cultura especializada em saúde do trabalhador, porém também enfrenta alguma resistência na sua atuação, como se verá a seguir.