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Na segunda metade do séc. XIX, numa altura em que a Regeneração havia pacificado e unificado os militares, num quadro de relançamento dos ideais do liberalismo e reforçando a ideia da reivindicação dos feitos gloriosos, no ano de 1860, a 21 de agosto, pelo Gabinete do Ministério dos Negócios da Guerra, foi emitida uma nota, no sentido de se passar uma portaria dando ordens para que os «commandantes das divisões militares, e das armas especiaes, bem como os chefes dos diferentes estabelecimentos militares remettam para a secretaria da guerra quaesquer plantas, correspondencias, diarios de operações ou documentos que possam esclarecer os escriptores incumbidos das historias da guerra peninsular e da guerra da restauração»292, leia-se guerra contra a usurpação, que restituiu o trono à rainha D.

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ZÚQUETE, 1989, pp. 163-164.

291 SILVA, 1892, p. 147-149.

292 A.H.M. - «Synopse do processo que tem por objecto a publicação das histórias da guerra peninsular e

da guerra da restauração», in Correspondência respeitante ao levantamento das plantas dos campos de batalha de Ponte-Ferreira, Souto Redondo, Pernes e Almoster e relativa a esclarecimento para a

Maria II. Encontrava-se «o ministerio empenhado na publicação das historias daquelas gloriosas campanhas»293. Assim, ainda no mesmo dia 21, em nota do referido gabinete foi determinado que um oficial do Estado Maior fosse «examinar os archivos da 3.ª e 4.ª divisões, bem como a bibliotheca da cidade do Porto para colher quaesquer documentos relativos á guerra da restauração». Foi ainda determinado o levantamento das «plantas dos campos de batalha de Souto Redondo e Ponte Ferreira». O major Serpa Pinto, incumbido da tarefa, solicita a 29 de agosto «instrumentos e mais objectos para desempenho da comissão». Foram dadas ordens para que se lhe colocasse à disposição «o número suficiente de soldados», assim como fossem «abonadas cavalgaduras de bagagem à razão de 600 reis diarios e ajudas de custo na razão de 60$000 reis mensaes». Em setembro seguinte ordena-se que sejam prestados esclarecimentos e fornecidos documentos relativos à história militar ao tenente José Maria Latino Coelho, sócio da Academia Real das Sciencias, e ao major graduado Joaquim da Costa Cascaes. Ainda em setembro, a 19, é passada a guia de marcha ao major Serpa Pinto, que parte para Ponte Ferreira até ao dia 28 do mesmo mês. Por serem insuficientes os instrumentos colocados à disposição pelas «obras publicas do Porto», o major comunica, a 12 de outubro, «não poder continuar os trabalhos»294 sem que o pedido, entretanto efetuado, fosse satisfeito. Regressou a Ponte Ferreira no dia 5 de novembro, cancelando contudo quatro dias depois os trabalhos «em consequência do mau tempo que sobreveio»295. Posteriormente, através de ofício, a Repartição de Obras Públicas, em resposta à requisição que entretanto havia sido efetuada de «duas alidades e uma bussola», comunica haver apenas disponibilidade para uma bússola296. Já em 1861, de 13 de janeiro a 7 de fevereiro, o major encontra-se em Ponte Ferreira, no entanto novamente, a 31 de janeiro, insiste na necessidade dos instrumentos solicitados, sem os quais «é impossivel satisfazer a commissão de que fora encarregado»297. Foram ainda mais três as deslocações temporárias ao campo de batalha. A última terminou a 24 de junho, sendo que houve mais interrupções dos trabalhos, como no caso da penúltima,

redacção da história da guerra da península e para a da guerra civil, 1860-1861, ref.ª

PT/AHM/DIV/3/15/12/2

293 A.H.M. – Nota do gabinete de 21.8.1861, in idem. 294 A.H.M. - «Synopse do processo…», in idem. 295

A.H.M. – Ofício do major José Maria de Serpa Pinto, datado de 12/11/1860, para chefe da 1.ª direção do ministério de guerra, in idem.

296 A.H.M. - Oficio, datado de 30.11.1861, da repartição de obras públicas para o ministro e secretário de

estado dos negócios da guerra, in idem.

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em que o major regressa a 19 de maio e diz: «por causa de soffrimentos provenientes d’huma pancada que recebi no peito, os quaes não me tem permittido continuar os mesmos trabalhos. Aproveito esta occasião para lembrar que a haver urgencia das duas plantas cujo levantamento me foi confiado, será talvez conveniente mandar outro official para Souto Redondo»298. Com este rocambolesco processo fica-se sem saber se efetivamente o levantamento da planta do campo de batalha de Ponte Ferreira foi ou não feito e concluído. Com a presente investigação tentou-se, junto do Arquivo Histórico Militar e da Direção de Infraestruturas do Exército, obter informação do possível paradeiro, tendo sido infrutíferos os esforços encetados. Esta planta, concluída ou não, resulta de um propósito nacional e de uma preocupação militar em fazer história, após quase trinta anos do seu terminus, dos feitos da guerra civil, que levou ao poder os liberais e na qual o episódio bélico de Ponte Ferreira se insere. Se a tivéssemos encontrado, teria sido de extrema importância, para este trabalho, na medida em que facilitaria a reconstituição dos factos.

Quanto aos esclarecimentos e ao fornecimento de documentos aos militares Latino Coelho e Costa Cascaes, parece que algo não correu bem. Ainda no ano de 1861, a 31 de outubro, Simão José da Luz Soriano assina contrato, através do qual se compromete a escrever a «historia da guerra civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal…»299. Havia sido convidado pelo ministro de guerra, o marquês Sá da Bandeira, que, chegando ao ministério em Dezembro de 1860, constatou «que o seu antecessor, o official de engenheiros Belchior José Garcez, havia não só contratado com o major de artilheria, Joaquim da Costa Cascaes, a historia da guerra da peninsula, destinada a commemorar os feitos gloriosos que o exercito português n’elle praticára, mas até começado a entabolar tambem um outro contrato com o capitão graduado, José Maria Latino Coelho, para a publicação de uma nova historia do cerco do Porto. Para esta publicação chegaram mesmo haver no gabinete da secretaria de guerra um ou dois projetos de contrato escripto, que se não levaram a effeito»300. No entanto, sabe-se que Latino Coelho, entre 1874-1891, publicou três volumes da História Política e Militar de Portugal, desde Fins do Século XVIII até 1814. Esta publicação resultaria de um concurso lançado por portaria de ordem do

298 A.H.M. - Ofício do major José Maria de Serpa Pinto, datado de 1/5/1861, para chefe da 1.ª direção do

ministério de guerra, in idem.

299 SORIANO, 1866, p. XIII. Prefácio. 300

exército de 4 de janeiro de 1866, na sequência da desistência de Joaquim da Costa Cascaes do «contracto feito com o governo, de escrever a gloriosa historia militar de Portugal desde o anno de 1801 até 1814»301. José Maria Latino Coelho foi o vencedor, ficando então encarregue de historiar a referida época302.

Ainda num cenário de glorificação e valorização, no já referido ano de 1860, é publicado o opúsculo O Conde do Bomfim: Noticia dos seus principaes feitos por G.N.. É dedicado à vida de José Lúcio Travassos Valdez, conde do Bonfim, militar também ele ao serviço da causa da libertação, agraciado com o título nobiliárquico em 1838 e que veio a falecer em 1862. «Pouco depois da batalha de Ponte Ferreira foi o conde do Bomfim nomeado ajudante general do exercito (28 de julho de 1832) e em 6 de agosto foi promovido a brigadeiro»303. Na nota introdutória304, o autor G.N.305 indica a sua intenção em dar à estampa o opúsculo, pois considera ser de justiça que o general, que ainda sobrevivia e que havia lutado no cerco do Porto, fosse lembrado.

No ano seguinte, o Marquês de Fronteira e d’Alorna, já acima analisado, começou a ditar as suas memórias. Naturalmente que o marquês valoriza os seus próprios feitos mas também os liberais. As suas memórias viriam a ser publicadas somente no século XX, não se sabendo se o seu propósito seria a publicação à época.

Antes, porém, no cenário de valorização e glorificação, encaixa a pintura da própria batalha de Ponte Ferreira306. É da autoria de Alexander Ernest Hoffman e ao que tudo indica encontra-se no Museu Militar de Lisboa, embora não tenhamos conseguido confirmar o facto. Em 1945, foi publicada na obra do general Ferreira Martins307 e, no ano de 1986, em D. Pedro d'Alcântara de Bragança, 1798-1834, Imperador do Brasil, Rei de Portugal: uma vida, dois mundos, uma história308, catálogo de uma exposição realizada, no Palácio de Queluz, onde se encontrou exposta, por ocasião da visita a Portugal do presidente brasileiro, Dr. José Sarney. A exposição, posteriormente, esteve

301 B.P.M.P. - Boletim Official do Exército, 1866, ref.ª SL-A-76. Ordens do exército, n.º 1, 10 de janeiro

de 1866, pp. 4-6.

302

B.P.M.P. - Boletim Official do Exército, 1866, ref.ª SL-A-76. Ordens do exército, n.º 27, de 23 de julho de 1866, p. 126.

303 N., 1860, p. 31. Não esteve presente no episódio, na medida em que «na véspera da batalha de Ponte

Ferreira foi mandado pelo imperador para o quartel general do duque da Terceira para S.M.I. ser por elle informado dos movimentos do inimigo» (p.32).

304

N., 1860, p. 3.

305 A autoria é identificada apenas por G.N. 306 V. fig. 1 a p. 2.

307 MARTINS, 1945, p. 360 (v. anexo 24). 308

patente ao público no Palácio Imperial do Rio de Janeiro. Alexander Ernest Hoffman, foi um oficial (tenente) estrangeiro que se encontrou ao serviço do exército liberal309.