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Variação de parâmetros em função da trajetória de tensões

4 C OMPORTAMENTO M ECÂNICO DOS S OLOS R ESIDUAIS

4.1.4 Variação de parâmetros em função da trajetória de tensões

A prática comum nos laboratórios de Mecânica dos Solos, para obtenção de parâmetros geotécnicos, é a realização de ensaios triaxiais nomeados como convencionais, nos quais a tensão confinante é mantida constante e a axial é acrescida até a ruptura do corpo- de-prova. Entretanto, o mecanismo de alteração do campo de tensões do maciço nem sempre é análogo a tais ensaios convencionais. De acordo com a trajetória de tensões seguida, as relações tensão-deformação serão diferentes.

Será aqui demonstrada a influência da trajetória de tensões no comportamento geomecânico de um solo, tendo-se como base alguns dos autores que estudaram este assunto.

De maneira simplificada, pode-se imaginar a trajetória de tensões ao redor de um túnel, de acordo com Ng e Lo (1985), da seguinte maneira: a escavação altera o estado de tensões inicial do solo, ocorrendo uma redistribuição de tensões e aliviando as tensões em suas proximidades, o que resulta em um efeito de descarregamento na massa de solo.

Lambe e Whitman (1969) apresentaram resultados de ensaios triaxiais em amostras de areia para diferentes trajetórias de tensão, como visto na Figura 4.11 a seguir, obtendo deformabilidades e variações volumétricas diferentes para cada trajetória.

Figura 4.11 – Curvas tensão-deformação para diferentes trajetórias de tensões, a partir de Lambe e Whitman (1969)

Ensaios de laboratório em um solo siltoso residual de migmatito foram analisados por Pinto e Nader (1991), discutindo sua heterogeneidade e anisotropia, seu comportamento mecânico, os estados de tensões in situ e sua resistência residual.

Utilizando o mesmo solo residual de migmatito, coletado na cidade de São Paulo, Nader (1993) realizou ensaios triaxiais variando suas trajetórias de tensões, desde 45 graus em relação à horizontal no plano s’-t (compressão axial), até 135 graus (descarregamento lateral). Ou seja, não foram realizados ensaios de extensão axial, com tensão desviadora decrescente. Como o intuito era a obtenção de parâmetros para a aplicação nos modelos constitutivos estudados pelo autor, os ensaios foram executados com o solo desestruturado.

A partir deste estudo, Pinto e Nader (1994a) desenvolveram o modelo constitutivo SUEF (superposição de efeitos), com base no modelo hiperbólico proposto por Duncan e Chang (1970), considerando o módulo de elasticidade e o coeficiente de Poisson como função das tensões atuantes. Este modelo utiliza um módulo de elasticidade e um coeficiente de Poisson para a situação de compressão axial, e outro par distinto para a situação de descarregamento lateral, tendo-se em vista que o comportamento do solo varia em função da trajetória de tensões a que é submetido. Para uma trajetória qualquer, em que as tensões vertical e lateral variam simultaneamente, como mostrado na Figura 4.12, o modelo considera a superposição dos efeitos das duas ações isoladas.

s = (σ1 + σ3) / 2 t = ( σ 1 - σ 3 ) / 2 compre ssão axial desc ar regam ento la teral AB: incremento da solicitação AC: acréscimo de σ1 AD: decréscimo de σ3 A C B D

Figura 4.12 – Esquema do conceito de superposição de efeitos, modificado de Pinto e Nader (1994a)

O mesmo solo siltoso residual de migmatito foi estudado por Anjos (1996), o qual realizou ensaios triaxiais em amostras remoldadas seguindo as trajetórias de tensões apresentadas na Figura 4.13 (a), complementares às utilizadas por Nader (1993) por incluírem ensaios de extensão axial. Os ensaios foram adensados anisotropicamente até o estado de tensões in situ e em seguida cisalhados até a ruptura, resultando nas curvas tensão-deformação

apresentadas na Figura 4.13 (b). Segundo o autor, pôde-se comprovar como o comportamento tensão-deformação é dependente da trajetória de tensões seguida. Críticas foram efetuadas aos resultados obtidos por Anjos (1996) em relação às etapas de adensamento dos ensaios realizados, as quais não foram uniformes. O solo em questão, por possuir características de fluência, apresentou propriedades diferentes em função do tempo destinado ao adensamento.

(a) trajetórias de tensões (b) curvas tensão-deformação obtidas Figura 4.13 – Ensaios realizados por Anjos (1996)

São apresentados na Figura 4.14 resultados de ensaios de triaxiais drenados em uma argila siltosa rija e em uma areia densa, realizados por Medeiros e Eisenstein (1983). Os valores de módulos de elasticidade tangente podem ser comparados, notando-se uma variação principalmente em função do tipo de trajetória de tensão a que o solo foi submetido.

Figura 4.14 – Resultados de ensaios realizados por Medeiros e Eisenstein (1983)

Lima (2002) apresentou dois fatores de correção que aplicou ao módulo de elasticidade obtido mediante um ensaio de compressão por carregamento, a fim de utilizá-lo na modelagem numérica de uma escavação em solo residual jovem. O primeiro fator está relacionado com as diferenças entre o campo e o laboratório (amolgamento, história de tensões, entre outros) e o segundo é relativo à diferença entre a trajetória de tensões empregada no ensaio e a trajetória de campo.

Uma modelagem numérica da escavação de uma contenção em solo grampeado foi realizada por Najar Jiménez (2008). Dentre outros assuntos, o autor analisou as trajetórias de tensões decorrentes da escavação e a influência dos parâmetros geomecânicos utilizados na modelagem, a qual contou com uma malha bidimensional de elementos finitos e com um modelo constitutivo elástico linear. Najar Jiménez (2008) efetuou uma análise iterativa, partindo de um maciço homogêneo e com parâmetros para a situação de compressão por carregamento, como visto na Figura 4.15 (a). Para a primeira iteração, o maciço foi subdivido de acordo com as trajetórias de tensões obtidas, utilizando-se parâmetros diferentes para cada tipo de trajetória. Ao final de cada iteração, a subdivisão das zonas mecanicamente heterogêneas do maciço eram readaptadas de acordo com as trajetórias de tensões obtidas, até a convergência dos resultados. Após a sétima iteração, o autor obteve a configuração final da

subdivisão do maciço, apresentada na Figura 4.15 (b), na qual se encontra a situação de compressão por descarregamento atrás da parede de contenção (cor laranja), a de extensão por descarregamento no piso da escavação (cor verde) e a situação de compressão por carregamento no pé da contenção (cor cinza).

a) fase inicial, antes da 1ª iteração b) fase final, após a 7ª iteração Figura 4.15 – Processo iterativo utilizado por Najar Jiménez (2008)

Um estudo sobre as características de expansibilidade do solo, por meio de ensaios triaxiais, foi realizado por Barla (1999) e Barla e Barla (2001). Foram executadas modelagens numéricas bidimensionais e tridimensionais de um túnel circular, com o intuito de obter as trajetórias de tensões geradas pela sua escavação. As características de expansibilidade foram estudadas a partir de ensaios triaxiais que seguiram as trajetórias de tensões obtidas.

Ng e Lo (1985) realizaram ensaios triaxiais em amostras de uma argila siltosa, coletadas no local onde se encontra o Túnel Neebing McIntyre, no Canadá. Foram executados

ensaios de compressão (carregamento axial) e de extensão (descarregamento lateral), drenados e não-drenados, de acordo com as trajetórias de tensões apresentadas na Figura 4.16 (a). As trajetórias dos ensaios não-drenados estão apresentadas em termos de tensões efetivas. Os autores puderam chegar às seguintes conclusões:

i) o valor módulo de deformabilidade (E’) no descarregamento é cerca de duas vezes o valor do módulo no carregamento;

ii) o coeficiente de Poisson ( ’) no descarregamento é cerca de três vezes o valor do coeficiente no carregamento;

iii) o módulo de deformação cisalhante (G’) é relativamente não afetado no descarregamento ou carregamento;

iv) o módulo de deformabilidade é sensível quanto ao modo de adensamento (isotrópico ou anisotrópico), à drenagem e à direção da trajetória de tensões;

v) os estados de tensões referentes à ruptura obedecem a uma das duas possíveis envoltórias de ruptura, de compressão ou de extensão.

σ'hor (kPa) extensão não-drenada 80 60 40 20 20 40 60 80 100 extensão drenada estado inicial de tensões σ'vert (kPa) 100 180 160 140 120 compressão não-drenada compressão drenada σ'hor =k oσ' vert ko = 1 trajetória obtida numericamente (teto do túnel) εa deformação axial (%) extensão não-drenada 20 10 -10 -20 -30 -4 -3 -2 -1 1 obtida numericamente (teto do túnel) -40 -50 te n são des v iado ra (k Pa)

a) trajetórias de tensões b) curvas tensão-deformação Figura 4.16 – Ensaios triaxiais realizados por Ng e Lo (1985)

Além destes ensaios, Ng e Lo (1985) também realizaram ensaios triaxiais seguindo trajetórias de tensões obtidas numericamente. Foram utilizados elementos finitos com um modelo constitutivo elasto-plástico para simular a execução do túnel e, assim, obter as trajetórias para um ponto no teto do túnel e outro em sua lateral.

A trajetória de tensões para o teto do túnel, também apresentada na Figura 4.16 (a), foi escolhida por ser semelhante à trajetória do ensaio de extensão não-drenada. Segundo Ng e Lo (1985), como pode se observar na Figura 4.16 (b), a comparação entre estes dois ensaios sugere que a variação do módulo de deformabilidade não é excessivamente sensível quanto à exatidão com que é seguida a trajetória de tensão. Entretanto, esta afirmação é válida apenas para pequenas deformações, sendo que para as deformações elasto-plásticas, ou até mesmo para as maiores deformações ainda do regime elástico, houve uma grande variação entre os dois ensaios.