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2 – B ASES DO MÉTODO

2.1.2. Variação linguística

A língua se defi ne como um sistema de sinais orais ou escritos que os indivíduos de uma sociedade utilizam como instrumento de comunicação, cada um a sua maneira. Enquanto código (conjunto de unidades mínimas de número fi xo de níveis diferentes, mais regras combinatórias) a língua seria comum a todos e existiria em função da coletividade. A sua utilização, em qualquer ato de comunicação, é diferente cada vez que se realiza, não só porque as regras combina- tórias são utilizadas diferentemente, mas também porque os usuários da língua têm objetivos diferentes e usam estratégias diferentes para atingi-los. Isto permite dizer que a língua não é um código, mas uma forma de interação, de atuar na sociedade. Assim, um indivíduo, ao utilizar a língua, o fará de forma diferente dos demais e, ainda, cada utilização da língua por esse mesmo indivíduo será diferente das demais, mesmo para a consecução de objetivos semelhantes, porque sempre há uma variação qualquer na situação que faz com que o uso de outros recursos seja mais adequado.

Verifi ca-se, pois, a existência de uma grande variedade de for- mas de expressão em qualquer língua usada para vários propósitos por um grande número de falantes. O problema da variação remete ao jul- gamento do que é certo ou errado em linguagem que, por sua vez, é

julgamento relativo e dependente do conceito de norma. Norma em lin- guagem pode ser tratada dentro de duas perspectivas. Tradicionalmente

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se considera, dentro da norma, a linguagem que estiver de acordo com os padrões de língua culta que as gramáticas normativas tradicionais preconizam e, numa perspectiva menos tradicional, norma seria o uso comum que vários indivíduos de um mesmo grupo social fazem da lín- gua. No primeiro caso (tradicional) seria contrário à norma a utilização, por exemplo, de frases como as que temos abaixo:

(1) Obedeço suas determinações. (2) Me dê quinhentas gramas de carne. (3) Tem muitos alunos na sala.

(4) A festa estava ruim (onde ruim é pronunciado com o di- tongo [uy]).

Isso porque, de acordo com o aceito na norma culta, em (1) a re- gência é indevida: o verbo obedecer é transitivo indireto e exige a pre- posição a; em (2) a colocação do pronome me não atende à exigência de não se iniciar frase com pronome oblíquo átono e o gênero da pala- vra grama ( = unidade de medida) é masculino e não feminino como se colocou; em (3) é o uso do verbo ter pelo verbo haver (impessoal) e em (4) é a pronúncia inadequada da palavra ruim. Para a norma no sentido não-tradicional ou linguístico a utilização das frases (1) a (4) acima não apresenta qualquer problema; são apenas anotadas como formas de uso frequente em uma determinada variedade linguística.

A ocorrência de uma variedade específi ca de língua depende de quatro elementos básicos da comunicação: emissor, recebedor, si- tuação e mensagem, sabendo-se que essa dependência não é precisa nem estanque.

Há três tipos de variedades linguísticas1: as modalidades, os 1 A classifi cação das variedades linguísticas que apresentamos aqui é de Halliday, McIntosh e Strevens e foi retirada de Bowen (BOWEN, J. Donald. A variação de registro e o ensino de inglês. In: SOARES, Magda. Didática de pportuguês. Belo Horizonte: Opus, 1972).

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dialetos e os registros. As modalidades são as línguas oral e escrita.

Os dialetos são variedades que dependem das pessoas que usam a língua, isto é, dos emissores. As variedades de registro dependem dos outros três elementos: recebedor, situação e mensagem, ou seja, do uso que se faz da língua. Os dialetos podem ser conside- rados dentro de seis dimensões distintas: regional, social, de idade, sexo, histórico e função, enquanto os registros se classifi cam em duas dimensões:

a) o grau de formalismo que varia numa escala de cinco graus básicos de acordo com o QUADRO 1 abaixo:

QUADRO 1

Língua oral Língua escrita

Oratório Hiper-formal Formal ou deliberativo Formal Coloquial Semi-formal Coloquial distenso Informal Familiar Pessoal

No ensino, parece-nos sufi ciente distinguir entre formal e co- loquial e mais ou menos formal.

b) sintonia (status, tecnicidade, cortesia e norma).

Dentro desse leque de variedades linguísticas é que o profes- sor deverá objetivar o ensino da língua, propor-se ao ensino de um dialeto padrão-culto por questões de ordem prática, social, política e econômica, mas não linguística, uma vez que, para a Linguística, to- das as variedades são plenamente válidas, por atenderem a um grupo de indivíduos que vive em sociedade e por serem propriamente usa- das em determinadas situações. Assim, é preciso aprender quando é

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pertinente e adequado usar determinadas variedades.

O conhecimento da diversidade linguística levará o profes- sor a objetivar o ensino da língua, levando em conta essa diversidade e que ensinar a adequação da variedade à situação é que constitui a gramática normativa mais pertinente, pois não cria preconceitos linguísticos desnecessários. O ensino do dialeto padrão-culto, a que a escola precisa dar um relevo especial em decorrência de razões sócio-culturais deverá ser feito observando o distanciamento ou a aproximação desse dialeto com o dialeto que o aluno utiliza. Fica claro que esse maior ou menor distanciamento implicará, necessa- riamente, uma maior ou menor difi culdade de aprendizagem pelo aluno da variedade culta e padrão. Todavia essa maior difi culdade não signifi ca incompetência ou incapacidade intelectual, signifi cará, sim, que aluno e professor deverão se empenhar mais para que se chegue a utilizar com maior competência o dialeto culto que a so- ciedade e o sistema educacional elegeram como padrão por razões sócio-político-culturais.