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I.3. Mudanças Climáticas

I.3.1. Variabilidade Climática e Malária

Vários estudos a respeito do clima ressaltam e dão ênfase ao fenômeno das mudanças climáticas, porém, considerando que se trata de um evento complexo, estudar a sua variação torna-se fundamental para a sua compreensão ainda que a variabilidade seja uma componente conhecida da dinâmica climática como referido anteriormente, o seu impacto mesmo “dentro dos limites esperados” pode ter reflexos significativos nas mais diversas atividades humanas e nos processos de saude-doença (Nunes e Lombardo, 1995, p.21).

Buscando as palavras de Christofoletti (1992), a variabilidade climática pode ser entendida como a forma por quais os valores de um elemento climático variam no interior de um determinado período registro, ou seja, numa série temporal. Já Confalonieri (2003) considera a variabilidade climática é uma propriedade intrínseca do sistema climático terrestre, responsável por oscilações naturais nos padrões climáticos, observados em todos os

níves da escala espacial. Inclui as variações sazonais, bem como variações em grande escala na circulação atmosférica e oceânica, como o El Niño / Oscilação Sul - ENOS. Em geral, as mudanças no clima ocorrem como resultado da variabilidade interna do sistema climático e de fatores externos (naturais e antropogênicos).

Geralmente, tem se sustentado que a temperatura média global e as variações de precipitação pluvial são consideradas como indicadores simples da variabilidade interna do clima, conclusões estas obtidas por intermédio de simulações com modelos e em observações.

De igual forma, é comumente usada como o índice mais simples de variabilidade e mudança do clima. Desta maneira, à semelhança do presente estudo desenvolvido na Região Centro de Moçambique, várias pesquisas anteriores a esta têm sustentando que estudar as séries meteorológicas - de dados extremos - são fundamentais para compreender a dinâmica climática em qualquer escala espacial. Por isso, a temperatura do ar, a precipitação e a umidade relativa do ar exercem um papel fundamental para o estudo tanto da variabilidade do clima como da sua mudança (Braganza et al, 2003; Queiroz e Costa, 2012).

Todavia, as mudanças climáticas locais são medidas por meio de análise de séries históricas de variáveis meteorológicas, a exemplo da temperatura do ar e da precipitação pluvial. De acordo com as tendências destas variáveis para um determinado local é observado se ocorreram mudanças no clima. Por outro lado, é sabido que a variação espacial e temporal são características próprias ao tempo e clima. A variação temporal é uma característica que deve ser estudada com maiores detalhes e em diferentes escalas cronológicas, pois estes estudos permitirão o conhecimento do clima no passado, presente e até mesmo fazer projeções para situações climáticas futuras, a partir de modelos (Queiroz e Costa, 2012, p.

347).

A respeito da variabilidade climática no continente africano, os sistemas atmosféricos que exercem uma influência significativa na região tropical são as Zonas de Convergência Intertropical - ZCIT e a Zona de Convergência do Índico Sul - ZCIS7. A região sul do continente africano é fortemente influenciada pela convecção tropical que é considerada um dos fatores importantes na ocorrência de precipitação durante os períodos de Dezembro a Fevereiro porque a ZCIT se posicionar mais a sul de acordo com a figura abaixo. Os 3 _______________

7 A ZCIT é um dos sistemas meteorológicos mais importantes para a região tropical pelo fato de estarem associadas à atividade convectiva, correntes ascendentes de ar e, por sua vez resultam na formação de nebulosidade e ocorrência de precipitação na maior parte dos casos (Hastenrath e Haller, 1977).

principais fluxos responsáveis pelas condições de tempo e clima naquela região são: fluxo de sudeste, fluxo de nordeste e fluxo de Oeste de acordo como se apresenta na figura abaixo (Tyson; Preston-White, 2000; Torrance, 1972 e Nicholson, 1986).

Figura 8 - Fluxos predominantes próximos em superfície e zonas de convergência sobre a região SA/SEA.

Fonte: (Torrance, 1972).

O primeiro fluxo (do leste) é proveniente do oceano Índico, fluindo para o continente e é originado pela divergência em superfície causada pelo Anticiclone subtropical do Índico - ASI que por vezes varia de leste para sudeste, de acordo com a posição do Anticiclone em questão (Behera; Yamagata, 2001 e Ohishi et al, 2014).

Já o fluxo de sudeste que atua sobre o continente ocorre quando o ASI se posiciona mais para o sul, em torno da latitude de 35ºS e tem relação com variações da temperatura da superfície do mar na região subtropical do Índico, o que explica o surgimento do padrão de dipolo da temperatura da superfície do mar na região subtropical do oceano Índico.

Normalmente, a variação do ASI quer no posicionamento ou na sua intensidade, implicam em variações do fluxo de leste sobre o continente e que tem implicações sobre as condições atmosféricas (Idem).

Segundo Nicholson (1986), geralmente o fluxo do nordeste está associado à monção da Ásia que ocorre apenas no período úmido sendo responsável pelo transporte de umidade para a região do sudeste africano. Assim, convergência que ocorre na região continental entre os fluxos de nordeste e leste/sudeste geram condições favoráveis à formação de sistema de baixas pressões com implicações sobre o estado de tempo.

Por último, o fluxo de oeste e que pode ser denominado por corrente de oeste, estende-se até a República da Angola e República Democrática do Congo, tem a sua origem na convergência entre o fluxo equatorial e a borda sudeste da alta subtropical do oceano Atlântico Sul. Geralmente as trajetórias dos três fluxos em níveis baixos sobre a região estão associadas a regiões oceânicas (oceano Índico tropical e oceano Atlântico Tropical) e estes fluxos são responsáveis pelo transporte de umidade para a região continental como também as variações na intensidade e direção dos fluxos podem ter implicações sobre o tempo e clima na mesma região (Torrance, 1972 e Nicholson, 2000).

No caso especifico da África autral no qual Moçambique se localiza, de forma geral nesta região destaca-se a influência dos modos de variabilidade climática como é o caso do El Niño – Oscilação Sul (ENOS)8, Oscilação Decadal do Pacífico (OPD)9, o Dipolo do Oceano Índico (DOI)10, zona de convergência intertropical11, a zona de convergência do oceano índico e os sistemas de baixas pressões associadas ao cavado equatorial. Os efeitos no clima mais conhecidos e de maiores impactos provocados pelo ENOS estão relacionados à variabilidade no regime térmico e, principalmente, no padrão de distribuição da chuva (Uele, 2013). Algumas destas ocorrências exercem influência nos padrões climáticos em

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8 Os ciclos de ENOS resultam da combinação de fatores oceânicos-atmosféricos. O ENOS possui duas fases, uma fria e outra quente que ocorrem em intervalos de 6 a 18 meses, mas entre um evento e outro podem transcorrer de 1 a 10 anos. Durante a ocorrência do ENOS, diversas partes do globo sofrem alterações na distribuição da precipitação e temperatura do ar, sobretudo nas regiões Tropicais e nas latitudes médias (Loiola, 2012).

9 Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) é um fenômeno oceânico-atmosférico associado à variabilidade climática do Oceano Pacífico. A ODP pode também ser definida, como o fenômeno que descreve o padrão térmico médio das águas superficiais do Pacífico, para períodos decadais, que vão de 20 a 30 anos. Segundo Dewes, apud Loiola, (2012), durante a ODP a cada duas ou três décadas ocorre inversão entre fases frias e quentes na TSM entre o Oceano Pacífico Tropical e extratropical, completando o ciclo em 50 a 60 anos.

10 A comunidade científica reconhece também o Dipolo do Oceano Índico (DOI), como um fenômeno acoplado da interação oceano-atmosfera. O DOI é um fenômeno interanual que foi descoberto recentemente, que ocorre nas regiões tropicais do Oceano Índico (Randriamahefasoa, 2011). O DOI é uma oscilação da TSM no Oceano Índico, que se tornou uma grande influência sobre as variações climáticas na região.

11 É um dos sistemas meteorológicos mais importantes para a região tropical pelo fato de estar associada à atividade convectiva, correntes ascendentes de ar e, por sua vez resultam na formação de nebulosidade e ocorrência de precipitação na maior parte dos casos (Hastenrath e Haller, 1977).

Moçambique e na sua variabilidade, porém, existem fatores locais que determinam a variação do clima no País.

Em geral, variados são estudos que têm sido elaborados tendo como tema a variabilidade climática, porém, ainda se está longe de chegar a um consenso, principalmente, no que tange a influência local nas tendências globais. Contudo os estudos de variabilidade climática local, principalmente sobre a temperatura, precipitação e umidade relativa são essenciais para se compreender os impactos que estas variações podem trazer para a população como um todo (Queiroz e Costa, 2012). Desta forma, se realmente as variações forem significativas em âmbito local, essas mudanças poderão causar impactos socioeconômicos e na proliferação de vetores de doenças.

A respeito da proliferação de doenças infecciosas e parasitárias, com o estudo e conhecimento da varialibidade climática enquanto determinante natural é possível à compreensão da distribuição espacial e temporal da prevalência de doenças como a malária, por exemplo, e das variáveis associadas ao clima nas áreas endêmicas (Bautista et al, 2006; e Germperli et al, 2006).

Por isso, apesar de alguns estudos sustentarem que o conjunto de dados climáticos é utilizado para explicar a variação espacial, sazonal e interanual na prevalência de doenças como a malária em África, por exemplo, muitas vezes não há consenso sobre a importância relativa dos diferentes factores envolvidos (Mabaso et al (2006) e Thomson et al (2005).

Porém, é de notar que as variações climáticas exercem fortes influências nas distribuições geográficas da prevalência da malária.

Um estudo realizado por Adu-Prah & Tetteh (2014) no Gana, demonstrou que para a compreensão da prevalência da malária ao longo do tempo foi necessário estudar a variabilidade climática e os seus impactos na prevalência da doença. Outro estudo realizado em Bangladesh demosntrou também que as tendências nos fatores climáticos são também forças motrizes que afectam a transmissão da malária (Sutherst, 2004).

Por isso, autores como Bayoh; Lindsay (2004) e Sutherst (2004) suatentam que a malária é grandemente influenciada pelas condições climáticas e é amplamente aceite que a sua transmissão aumenta como resultado da variabilidade climática de um determinado local.

A respeito do ponto mencionado no paragráfo acima, pesquisas realizadas em várias partes do mundo (Sri Lanka, Quênia, India e Ruanda, Malawi), correlacionaram a variabilidade climática com a incidência de malária através da influência nos padrões de chuva, temperatura e umidade exerciam nos níveis de propagação da doença (Briet et al,

2008; LindBlade, 1999; Hashizume, 2009; Epstein, 2005; Bhattakarya et al, 2006). Por isso, para o caso de estudo de surtos de doenças quer sejam em escalas sazonais ou interanuais, a análise da variação do clima, materializada através das observações da variabilidade da temperatura e preciptação tornam-se fundamental para a sua compreensão.

Um exemplo a levar em consideração circunscreve-se no facto do Departamento de Meteorologia no Quênia durante o evento El Niño de 1997/1998, ter registado a temperatura máxima em fevereiro de 1998 o valor correspondente a de 5,9° C acima do normal. Estudos reslizados por Zhou et., al. (2004), tem demonstrado que a variabilidade climática esteve fortemente associada ao número de pacientes ambulatoriais de malária em três regiões montanhosas no oeste do Quênia (Kericho, Kilgoris e Eldoret), tendo contribuido com 40%

da variância temporal nos números ambulatoriais de malária.

Segundo Hashizume et al (2009), houve uma associação entre o aumento da precipitação causada pelo modo Dipol do Oceano Índico positivo e os casos de malária em alguns locais nas terras altas do oeste do Quénia. Por outro lado, Githeko; Ndegwa (2001) e Kovats et al (2003) sustentam que a oscilação sul do El Niño tem um impacto global e afeta a hiper-transmissão da malária no sul da Ásia, África e América do Sul, pois temperaturas anômalas prolongadas e chuvas fortes são associadas a eventos de El-Niño e epidemias de malária.

Para o caso concreto do Quênia, registou-se um atraso de um a dois meses entre a temperatura anormal máxima e a precipitação e um atraso de um a dois meses entre as chuvas e as epidemias de malária. Estas observações foram usadas para construir um modelo baseado no clima para a “previsão precoce da epidemia da malária”. O modelo tem uma vantagem significativa sobre o sistema de detecção epidêmico precoce baseado em casos clínicos que tem um prazo de duas semanas entre o início da epidemia e sua detecção. Uma vez que a epidemia tenha começado, ela só pode ser administrada usando medicamentos eficazes. No caso de previsão antecipada da epidemia, há tempo suficiente para iniciar o controle do vetor e reduzir ou prevenir a epidemia. Geralmente, a aplicação geral de pulverização residual interna não é recomendada para o controle de epidemias, devido a custos e considerações logísticas (Githeko e Ndegwa, 2001).

Em suma, através da teoria geográfica voltada para o estudo dos processos de saúde e doença, tornou-se evidente a necessidade de olhar e entender o espaço agregando-lhe a componente relacional, pois, as relações espaciais são o garante para o funcionamento da

sociedade, sobretudo nos aspetos atinentes a relação entre a sociedade e a natureza, bem como os resultados decorrentes desta associação. Neste âmbito, no contexto deste trabalho, o clima enquanto fator natural apresenta-se como um determinante de saúde na medida em que as suas variações e os seus efeitos exercem influências nos “modos de vida” de um grupo social, particularmente no que se refere à sua saúde. Por isso, a variabilidade dos elementos naturais do clima, principalmente a temperatura e precipitação, estão na origem da ocorrência de doenças como a malária, por exemplo, que geralmente está associada a condições climáticas especificas, ou seja, doença caraterística de ambientes com clima tropical úmido. A respeito da malária em si, nas linhas abaixo são apresentadas as abordagens genéricas a respeito das particularidades desta doença.