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2.2.3.1- Os ramos colaterais curtos fornecidos pela

artéria uterina

para

o corpo do orgão originam-se por pares, todos ao mesmo nível, ou por um tronco comum que logo se bifurca em dois ramos, para cada uma das faces. Os vasos penetram na túnica muscular onde são envolvidos por fibras musculares que aí constituem um verdadeiro esfíncter. No momento do parto, são estes anéis musculares que constituem as ligaduras vivas de PINARD. (Fig.58)

Os ramos de divisão das artérias uterinas dão origem às artérias arqueadas (arteriae arcuata) anterior e posterior (Fig.60).

Na linha média ou sagital do útero, cada um dos ramos terminais das artérias arqueadas anastomosa-se com os do lado contralateral154.

Ao longo do seu trajecto, cada artéria arqueada fornece numerosos ramos, tanto centrífugos, para a serosa, como centrípetos, para o endométrio. Os ramos destinados à vascularização da serosa têm uma direcção inicialmente radiária, mas logo muitos deles adoptam um trajecto circunferencial. Os ramos dirigidos centripetamente às duas camadas mais internas do miométrio são as artérias radiárias, de trajecto tortuoso, que fornecem numerosos ramos para formar uma rica rede capilar destinada às fibras musculares circundantes.

154

FARRER-BROWN G, BEILBY JOW, TARBITT MH (1970)

Fig. 60 - Artérias arqueadas uterinas humanas e seus ramos de divisão, observados à lupa estereoscópica,

G. FARRER-BROWN et al (1970) atribuem a tortuosidade das artérias miometriais à necessidade de expansão do útero grávido, sem rotura ou sujeição a tensão excessiva. Do mesmo modo, a extrema densidade vascular do miométrio pode reflectir a capacidade de manutenção de suprimento sanguíneo adequado, à hiperplasia muscular lisa durante a gravidez155.

Verifica-se uma característica contractilidade espontânea das artérias uterinas, fenómeno especialmente marcado na fase secretora do ciclo menstrual. Na fase proliferativa, a contracção da parede dos vasos caracteriza-se pela baixa intensidade e frequência. Esta característica capacidade de contracção espontânea da parede dos ramos miometriais da artéria uterina poderá, segundo R CZEKANOWSKI (1975), ter um papel na actividade contráctil global da parede uterina.

Durante largas décadas, desde as observações de R. MEYER (1920)156, comparando o endométrio menstrual a um território de necrose circulatória indirecta, diversas gerações de estudiosos do útero foram atribuindo a involução endometrial da menstruação à marcada redução de fluxo vascular, atribuída por G.H. DARON (1932) a constrições que observou nas artérias radiárias miometriais. De modo semelhante, JM MARKEE (1933) fundamentado em 432 observações de úteros em fase menstrual, afirmava que "a vasoconstrição que precede o início da menstruação é o acontecimento mais constante e paradigmático de todo o ciclo menstrual"

PM HEIDGER et al (1983) detectaram, por microscopia electrónica de varrimento, confirmando os dados por técnicas histoquímicas, a existência de novelos ou coxins arteriais de fibras musculares lisas modificadas, dispostas circularmente sob a forma de bandas em torno da origem dos ramos arteriais uterinos. Estes achados sugerem uma semelhança metabólica com os tecidos circundantes e os estudos funcionais apontam para um papel no mecanismo de regulação do fluxo vascular uterino.157

155

RAMSEY EM (1955) 156

(Tal como citado por BARTELMEZ, 1956) 157

JA ESPERANÇA PINA e D.PAIS (1997 e 2007)têm vindo a referir observações semelhantes em diversos outros órgãos, nomeadamente atribuindo os novelos ou coxins de fibras musculares lisas a esfíncteres pré- divisionais.

Por outro lado, à medida que o fluxo sanguíneo atravessa o lume vascular, vai exercendo uma força mecânica sobre as células endoteliais. Estas reagem com a libertação de factores derivados do endotélio, nomeadamente óxido nítrico ou prostaglandinas. Adicionalmente, as alterações da pressão intravascular podem também contribuir para a regulação do tónus vascular. Apesar de ter uma origem miogénica, o tónus vascular é assim modulado por factores libertados do endotélio. 158

Destacam-se diversos péptidos vaso-activos com acção a nível das fibras musculares lisas uterinas, entre os quais o Polipéptido Intestinal Vasoactivo (VIP); Substância P; Somatostatina; e Encefalinas, envolvidos na

regulação das contracções uterinas e nos fenómenos hemodinâmicos.159

O relaxamento das fibras musculares lisas vasculares e tissulares do miométrio, induzido pelo óxido nítrico, envolve os canais de potássio.160

As hormonas esteróides ováricas exercem uma dupla acção sobre as fibras musculares uterinas, por um lado, e sobre a actividade de membrana, por outro lado, por dissociação do acoplamento excitação/contracção.161

Fundamentados nestes conceitos, encontramos aqui justificação para o facto observacional de termos sistematicamente encontrado maior dificuldade prática na injecção vascular dos espécimes mais expostos a elevados teores estrogénicos, sendo sempre mais fácil a obtenção de moldes vasculares nos espécimes uterinos correspondentes a idades mais avançadas, ou em fases do ciclo menstrual com menor influência estrogénica. 158 K KUBLICKIENE (1997) 159

B.OTTESEN et al (1980; 1981; 1983) ; B BARDRUM et al (1986); MJ LEROY et al (1991) 160

B MODZELEWSKA et al (2003) 161

A nível da túnica muscular do útero, analisámos sequencialmente, por observação em lupa estereoscópica (Fig. 61) e por observação em microscopia electrónica de varrimento (Fig. 63), os diversos aspectos característicos da vascularização miometrial.

Observámos com pequenas ampliações, em lupa estereoscópica, os padrões de distribuição dos ramos de divisão secundária da artéria uterina, uma vez chegados às camadas musculares do órgão.

Verificámos, nomeadamente, tentando analisar os diversos parâmetros mais característicos dos vasos uterinos, os seguintes três aspectos:

a) - Distribuição dos ramos de divisão secundários da artéria uterina; b) - Aspectos característicos dos vasos miometriais;

c) – Sinais morfológicos da capacidade de adaptação dos vasos uterinos aos cíclicos processos de angiogénese e apoptose uterina.

a)- Distribuição dos ramos arteriais:

As artérias arqueadas originam artérias radiárias internas (Fig. 61).

Fig. 61– Rede vascular (artérias arqueadas, radiárias e espiraladas) no miométrio do corpo uterino humano de 55 anos, observado à lupa estereoscópica, após injecção vascular de Micropaque®,

diafanização e transiluminação com 45º de inclinação (x30).

Artéria arqueada Artérias radiárias Artéria espiralada

Estas artérias distribuem profusamente os seus ramos a todo o tecido circundante, sob a forma de colaterais originados por irradiação transversal a todo o comprimento da artéria, tal como os ramos de um pinheiro (Figs. 62; 63 e 64).

O padrão distributivo dos seus ramos terminais é melhor analisado a nível da junção miometrio-endometrial, pela relativa diminuição de densidade vascular.

Fig.63 - Artéria radiária de útero humano de 63 anos observado em microscopia electrónica de varrimento, após injecção arterial de

Mercox® e corrosão (x15 – barra = 1mm). Fig.62 - Artéria radiária de útero

humano de 61 anos observada em lupa

estereoscópica, após injecção arterial de

Micropaque® , secções transversais e

diafanização (x30).

Fig.64 - Artéria radiária e artérias espiraladas de útero humano de 20 anos, observadas à lupa

estereoscópica (x10), após injecção arterial de

Micropaque®, secções transversais, diafanização

b)- Características dos vasos miometriais:

Os vasos miometriais relacionam-se de modo íntimo com as fibras musculares lisas envolventes, que neles se entrelaçam, imprimindo características marcas transversais de impressões anelares, denominadas por PINARD de ligaduras vivas (Fig. 65) 162.

Num dos casos em que procedemos a corrosão incompleta do parênquima, observámos, em microscopia electrónica de varrimento, uma imagem singular que nos parece demonstrar, pela regularidade do fenómeno, essa relação particular entre os vasos miometriais e as fibras musculares lisas circundantes (Fig. 66).

162

TESTUT, Appareil Uro-génital, 1911 – v.Fig.58 -

Figs. 65 – Características impressões transversais anelares, deixadas em vasos miometriais, observadas após injecção

arterial de Mercox®, corrosão incompleta, e observação microscopia electrónica de varrimento. (x350 – barra = 50μm).

Figs. 66 – Fibras musculares lisas dispostas em torno de vaso miometrial humano de 27 anos, obtidas por injecção

arterial de Mercox®; corrosão incompleta em hidróxido de potássio e observação em microscopia electrónica de varrimento

c)- o terceiro aspecto característico da vascularização miometrial que nos suscitou análise, foi a pesquisa de anastomoses artério-venosas, correspondendo mais frequentemente ao persistente achado de verdadeiras «comunicações», por proximidade parietal entre as arteríolas, originadas dos ramos secundários das artérias radiárias, e as veias ou as vénulas miometriais (Fig. 67; 68; 69).

67 68

A importância fisiológica fundamental destas comunicações entre vasos de diferentes calibres e trajectos, para troca de informações moleculares do campo neuro-hormonal, ficou bem patente, pelos dados colhidos da revisão bibliográfica efectuada. Sendo verdadeiras (como os dados actuais indicam), as observações de Léo Testut de que os vasos perdem no miométrio, a maior parte das camadas da sua parede, ficando reduzidos ao revestimento endotelial, não será necessária a existência de anastomoses arteriovenosas, no sentido convencional, anatomicamente definido, para que se verifiquem as trocas moleculares entre os sistemas arterial e venoso, para a iniciação dos mecanismos de angiogénese, a montante do leito arterial (Fig. 69).

Figs. 67 e 68 - Comunicações artériovenosas no miométrio humano de 61 anos observadas em lupa

estereoscópica após injecção arterial de Micropaque®, diafanização e transiluminação com 45º de inclinação

(67 - x40) e transiluminação transversal (68 - x50). [NB- nestes dois casos, o preenchimento venoso é

incompleto, por comparação com o preenchimento arteriolar, simulando-se assim a técnica de "duplo- contraste" radiológico, o que ainda melhor demonstra a riqueza de comunicações entre a parede das arteríolas e das veias miometriais.]

Outro aspecto favorável a estes nossos dados de observação, consiste na extraordinária profusão vascular, tanto em termos arteriais como venosos, que caracteristicamente se observa a nível miometrial, fazendo jus ao nome de «Stratum vasculare»163, atribuído pelos anatomistas clássicos á camada muscular média do útero, e facultando a íntima proximidade entre as finas paredes de todos os vasos (Figs. 70 e 71).

163

Léo Testut (1893) refere que «este tecido grita sob a lâmina do bisturi».

Fig.69 - Comunicação artério-venosa de útero humano de 63 anos observada em microscopia

electrónica de varrimento após injecção arterial de Mercox® e corrosão (x200 – barra = 100μm).

Fig. 70 - Relação artério-venosa da zona de junção miométrio-endometrial de útero humano de 61 anos observada em

microscopia electrónica de varrimento após injecção arterial de Mercox® e corrosão (x15 – barra = 1mm).

Fig. 71 - Relações artério-venosas a nível do corpo uterino humano de 61 anos observadas em microscopia

electrónica de varrimento após injecção arterial de Mercox® e corrosão (x35 – barra = 500 μm).

2.1.3.2- Junção Miométrio-endometrial:

As regiões de transição entre o tecido vascular miometrial e endometrial facultam-nos a observação e análise de alguns outros aspectos característicos do padrão de vascularização uterina, como por exemplo o padrão de ramificação terminal das artérias radiárias, com forma de estrutura de «chapéu-de-chuva» (Figs. 72 e 73).

72 73

Outro dos aspectos regularmente observados a este nível é a riqueza em comunicações artério-venosas, tornando-se aqui mais fácil a sua observação e análise, pela menor densidade de fibras musculares desta região de transição.

JJ BROSENS164 dedicou diversos trabalhos ao estudo das artérias da região de junção miometrial, demonstrando a importância fundamental da remodelação destas artérias no sucesso da implantação trofoblástica, para desenvolvimento de gravidez sem incidentes, podendo-se encontrar na desadaptação da capacidade de remodelação destas artérias, um dos mecanismos patogénicos da eclampsia.

164

J.J. BROSENS et al (2002)

Figs. 72 e 73 – Característica disposição dos ramos terminais das artérias radiárias humanas, em «estrutura de chapéu-de-chuva», tal como observados a nível da zona de transição miometrio-endometrial do

corpo uterino humano, após injecção arterial de Micropaque®, secções transversais, diafanização e observação em lupa estereoscópica sob transiluminação transversal. (x30)