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Venda premiada configura o crime do art 16 da Lei 7.492/86, de competência da Justiça Federal

No documento Informativo comentado: Informativo 637-STJ (páginas 32-35)

Importante!!!

A simulação de consórcio por meio de venda premiada, operada sem autorização do Banco Central do Brasil, configura crime contra o sistema financeiro, tipificado pelo art. 16 da Lei nº 7.492/86, o que atrai a competência da Justiça Federal.

STJ. 3ª Seção. CC 160.077-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/10/2018 (Info 637).

O que é um consórcio?

O consórcio ocorre quando um grupo de pessoas (físicas ou jurídicas) se reúne com o objetivo de comprar um determinado tipo de bem (móvel ou imóvel) ou adquirir um serviço. O exemplo mais comum é o consórcio para compra de veículos, mas existem para diversas outras espécies de bens, inclusive para imóveis. Cada pessoa que faz parte do consórcio pagará parcelas mensais e, todos os meses, haverá a possibilidade de um ou mais integrantes do consórcio serem contemplados.

A contemplação pode acontecer de duas formas: por meio de sorte ou pelo maior lance. O sistema de consórcios é regido pela Lei nº 11.795/2008.

Esta Lei exige que o consórcio seja promovido (organizado) por uma administradora de consórcios. A administradora de consórcio é, portanto, a pessoa jurídica responsável pela formação e administração de grupos de consórcio.

A atividade de consórcio é regulada pelo Banco Central, que edita circulares para disciplinar o tema. A atual é a Circular 3.432/2009.

Vale ressaltar, inclusive, que a administradora de consórcio somente pode funcionar se for autorizada pelo Banco Central.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João, proprietário de uma empresa que vende eletrodomésticos e motocicletas, ofereceu para Laura o seguinte negócio: ela entraria para um grupo de pessoas que todos os meses paga R$ 200,00; a cada mês, uma pessoa desse grupo é sorteada; o sorteado ganha, então, uma motocicleta Honda NX Bros 150 e não precisa mais pagar nada; por outro lado, a pessoa, enquanto não for sorteada, fica obrigada a continuar pagando as prestações mensais.

Laura aceitou a proposta e ficou pagando todos os meses o valor ajustado.

Qual é o nome desta operação realizada?

Esta operação foi realizada em diversas cidades do interior do Brasil e ficou conhecida como “venda premiada” ou “compra premiada”.

A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, em seu site, alertou a população a respeito desta prática:

A “Venda Premiada”, ou outra denominação adotada, consiste em operações em que empresas atraem consumidores, com a promessa de adquirir um bem móvel, como motocicletas, com a formação de grupos de participantes que pagariam parcelas mensais e concorrem em sorteios pelo bem objeto do contrato. Quando sorteado, o contemplado ficaria exonerado da obrigação de pagar as demais parcelas e outro consumidor seria inserido no grupo. Essas operações não apresentam viabilidade financeira e a exigência de substituição da pessoa contemplada por outro consumidor caracteriza a fraude conhecida como “Pirâmide”. (SEAE alerta população sobre

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http://www.seae.fazenda.gov.br/noticias/copy6_of_seaeconclui-analise-sobre-acs-no-varejo-de- bens-duraveis.)

Simulação de consórcio

Trata-se, na verdade, da simulação de um consórcio. As empresas envolvidas nestas operações exigiam que os clientes pagassem parcelas mensais e prometiam a realização de sorteios mensais dos bens objeto desse negócio (ex: motos). Quem era sorteado, recebia a moto e deixava de pagar a dívida e outro consumidor era inserido no grupo.

Essa sistemática configura a chamada “pirâmide financeira”, que é proibida e considerada crime.

Vale ressaltar que há uma pirâmide financeira porque não existe um patrimônio garantidor por parte das empresas e o dinheiro que é utilizado para comprar os bens (exs: as motos) depende sempre da entrada de novos consumidores. Em determinado momento, essa entrada de novos consumidores acaba ou diminuiu e falta dinheiro para comprar os bens para aquelas pessoas que já estão pagando as mensalidades há algum tempo.

Qual foi o crime praticado por João? Qual é o crime cometido pelo indivíduo que organiza essa “venda premiada”?

Esta conduta configura o delito do art. 16 da Lei nº 7.492/86 (crime contra o sistema financeiro):

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O que é uma instituição financeira?

A definição do que seja instituição financeira, para os fins do crime do art. 16, é encontrada no art. 1º da Lei nº 7.492/86.

Neste art. 1º, temos duas espécies de instituição financeira:

1) Instituição financeira em sentido próprio (prevista no caput do art. 1º); 2) Instituição financeira por equiparação (definida no parágrafo único do art. 1º). Podemos assim resumir o tema:

Instituição financeira em SENTIDO PRÓPRIO é a pessoa jurídica que realiza...

I – a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros;

II – a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Instituição financeira POR EQUIPARAÇÃO é...

I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; e

II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades próprias de instituição financeira, ainda que de forma eventual.

Consórcio

Quem desempenha a atividade de “consórcio” é equiparado à instituição financeira. Justamente por isso, o STF entende que a pessoa que faz funcionar consórcio sem autorização legal pratica o delito do art. 16: De acordo com os artigos 1º, parágrafo único e inciso I, e 16 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, consubstanciam crimes contra o Sistema Financeiro Nacional a formação e o funcionamento de consórcio à margem de balizamento legal, de instrução do Banco Central do Brasil. (...)

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Compra premiada é uma simulação de consórcio

A compra premiada possui uma diferença em relação ao consórcio “puro” (“real”, “tradicional”): no consórcio puro, a pessoa, mesmo sendo contemplada, continua pagando as prestações mensais até o fim do contrato. Na compra premiada, a pessoa sorteada fica desobrigada de pagar as demais parcelas. No entanto, mesmo não se caracterizando como um consórcio puro, a compra premiada é um simulacro de consórcio, considerando que capta e administra recurso de terceiros. Logo, esta conduta se enquadra no tipo penal previsto no art. 16 da Lei nº 7492/86.

Logo, o agente que faz a “compra premiada” faz uma espécie de simulação de consórcio. Ocorre que quem faz consórcio é equiparado à instituição financeira. Consequentemente, quem faz “compra premiada”, faz operar, sem autorização, uma instituição financeira.

Nesse sentido:

(...) 3. O Paciente, sócio administrador da sociedade FS MOTOS LTDA ME supostamente ofereceu e organizou grupos de consórcios, disfarçado na modalidade 'Compra Premiada', sem autorização do Banco Central do Brasil. Em suma, pessoas organizadas em grupo, pelo denunciado, pagavam parcelas mensais para a aquisição de um bem determinado. Tais fatos subsumem-se, em tese, ao tipo penal previsto no art. 16, caput, da Lei n.º 7.492/86 (...)

STJ. 5ª Turma. HC 261.150/PE, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 10/04/2014.

O fato de o indivíduo contemplado não precisar mais arcar com prestações demonstra apenas o alto risco do negócio, diante da possibilidade de não se conseguir o ingresso de outra pessoa para sustentar a viabilidade de aquisição dos bens. Ademais, ainda que não haja identidade perfeita entre a venda premiada e o consórcio, é evidente que não se trata de venda comum, na medida que a pessoa jurídica capta recursos de terceiros, podendo, portanto, ser considerada instituição financeira, a teor do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.492/86.

Para que uma instituição financeira seja criada e funcione, é necessário autorização?

SIM. Uma instituição financeira é uma atividade econômica que, se conduzida de forma inadequada, pode gerar gravíssimos prejuízos a terceiros e à economia do país. Como exemplo, basta recordar os inúmeros problemas que ocorreram em razão da liquidação dos Bancos Econômico, Nacional e Bamerindus, na década de 90. Além disso, se não houver uma intensa fiscalização, a atividade bancária pode servir como instrumento para a prática de delitos, como a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas.

Por essas razões, a Lei nº 4.595/64 afirma que as instituições financeiras somente poderão funcionar no País com a prévia autorização do Banco Central. Se forem estrangeiras, será necessário ainda um decreto do Poder Executivo (art. 18).

De quem é a competência para julgar o crime do art. 16 da Lei nº 7.492/86?

Justiça Federal. Compete à Justiça Federal julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional previstos na Lei nº 7.492/86.

Com efeito, a CF/88 prevê, em seu art. 109, VI:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

O inciso VI afirma que os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira somente serão de competência da Justiça Federal nos casos determinados por lei.

Em outras palavras, nem todos os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico- financeira serão de competência da Justiça Federal, mas apenas nas hipóteses em que lei assim determinar.

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Os crimes contra o sistema financeiro estão previstos na Lei nº 7.492/86 e são julgados pela Justiça Federal por expressa previsão legal. Isso porque o art. 26 da Lei nº 7.492/86 estabelece:

Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.

Logo, o crime do art. 16 da Lei nº 7.492/86 é de competência da Justiça Federal.

Em suma:

A simulação de consórcio por meio de venda premiada, operada sem autorização do Banco Central do Brasil, configura crime contra o sistema financeiro, tipificado pelo art. 16 da Lei nº 7.492/86, o que atrai a competência da Justiça Federal.

STJ. 3ª Seção. CC 160.077-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/10/2018 (Info 637).

No documento Informativo comentado: Informativo 637-STJ (páginas 32-35)