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3.2 Descrição do Estudo de Caso

3.4.3 Vendo, Ouvindo, Analisando

Finalizamos o diagnóstico fazendo um resgate das análises anteriormente apresentadas, buscando relacionar os dados obtidos a partir das diferentes metodologias utilizadas.

Sentimos claramente que aquilo que observamos a partir da Análise Ergonômica do Trabalho pode se confirmar na análise do conteúdo obtido a partir das entrevistas individuais. Constatamos que a vivência com a equipe e o tempo de permanência foram grandes aliados na construção da confiança, refletindo na fidedignidade dos dados.

Mas quem são esses trabalhadores? Dizem-se pessoas com um forte vínculo com a profissão, permeada de sentimentos dicotômicos entre prazer e sofrimento, necessidade e devoção. Evocam como requisitos para desempenhar a função, além da capacidade técnica, o equilíbrio emocional e o espírito de equipe.

Voltamos neste momento ao pressuposto aqui investigado: “O programa de gestão humanizado no serviço hospitalar valoriza os condicionantes relacionados às condições de trabalho, refletindo positivamente no comportamento alimentar”?

Num primeiro momento pensaríamos que a finalidade de um programa que busca humanizar as condições de trabalho identifica e corrige as disfunções apresentadas para poder implementar mudanças no comportamento das pessoas envolvidas e, paralelamente, na humanização no atendimento.

Porém, avaliando as condições de trabalho utilizando a AET constatamos que vários condicionantes observados apresentaram disfunções, que, por sua vez, podem influenciar no comportamento alimentar.

Entre os aspectos ambientais, destacamos os aspectos físicos relacionados a infra- estrutura, que tornam algumas atividades desumanas. Os pequenos espaços de trabalho, a falta de material, equipamentos em número insuficiente e inadequados sobrecarregam os trabalhadores e exigem um grande esforço físico e mental. Essa situação tem sido fonte de grande insatisfação para os trabalhadores da saúde, tornando sua atividade ainda mais árdua.

As exigências físicas e gestuais impostas pela atividade e agravados por condições inadequadas para executá-las geram grande desgaste físico, que, por sua vez, também aumenta a demanda energética. Constatamos vários relatos, especialmente entre os trabalhadores do turno matutino, das dificuldades encontradas para repor a energia necessária para desempenhar a atividade.

Analisando os condicionantes organizacionais, percebemos que a jornada de trabalho de 30 horas concedida informalmente não tem sido uma realidade nas unidades de internação. Trabalham em média 36 horas por semana, porém observam que outros trabalhadores da enfermagem no próprio hospital conseguem usufruir esse benefício. Tal situação acaba gerando estresse nos TE.

Cabia à instituição, ao conceder tal vantagem, fazer um dimensionamento de pessoal. Hoje fazem horas complementares para cobrir faltas, atestados, licenças, aposentadorias, etc., sentindo o peso de trabalhar em plantões não oficiais. Essa situação reflete diretamente na alimentação, pois nesses plantões eles não têm direito à alimentação. Outra questão diz respeito à troca de horários de trabalho, o que altera sua rotina de vida e, consequentemente, a sua alimentação.

Muitos trabalhadores acumularam outros empregos quando ocorreu a redução da carga horária, pensando ser possível conciliá-los. Entretanto, o problema de pessoal tem se agravado cada vez mais, e o desgaste tem se refletido nas queixas e doenças que podemos observar na maioria das entrevistas. As duplas jornadas impõem alterações nas rotinas pessoais, tornando a alimentação um mero momento de reposição de energia.

As questões relacionadas com o Programa de Humanização sofrem seu primeiro impacto com o desconhecimento dos funcionários a respeito da sua implantação. Mudanças organizacionais concretas, como exige o Programa, passam por um forte movimento de divulgação e motivação. Cabe à equipe responsável pela implantação buscar junto ao trabalhador estratégias para alcançar as metas do Programa.

Entre os aspectos que dificultam a humanização das condições de trabalho, as entrevistas valorizaram as questões observadas pela AET, representadas pelas precárias condições materiais e físicas. Os aspectos organizacionais também foram apontados, especialmente os relacionados com a pouca valorização profissional, manifestada pelos baixos salários e condições inadequadas de trabalho.

A maioria dos trabalhadores não observou mudanças positivas nos últimos anos e muito menos atitudes positivas relacionadas com a alimentação do trabalhador.

Não podemos deixar de ressaltar o número de programas e benefícios que a instituição oferece para o trabalhador, porém não checamos a eficácia deles. O fato de existirem não significa a possibilidade de usufruí-los, queixa constante da maioria dos TE. Logicamente, não podemos atribuir apenas à instituição a culpa pelo não-aproveitamento dos benefícios, tendo em vista que a maioria dos trabalhadores alega falta de tempo por motivos pessoais. Entretanto, estratégias poderiam ser pensadas no sentido de realmente atingir esse público.

Quando pensamos na alimentação do trabalhador, vários aspectos emergem, desde as condições relacionadas à instituição até aquelas relacionadas com aspectos econômicos e sociais envolvidos.

Quando buscamos identificar os problemas relacionados com as condições de trabalho, acreditamos estar lutando por melhores condições de vida. O trabalhador passa pelo menos um terço do seu dia no trabalho. Mora longe, faz longos percursos de deslocamento, duplas e, às vezes, triplas jornadas, considerando o trabalho doméstico, uma vez que 80% são mulheres.

Como esquecer esse contexto e discutir apenas a atividade já desgastante que desempenham?

A alimentação tem um significado enorme na vida desses trabalhadores, tanto no contexto familiar como no trabalho. Existem vários esforços por parte do trabalhador em fazer dessa atividade um momento de convívio social e de confraternização, enriquecendo as relações e os laços de amizade e companheirismo.

Fazem sua refeição preferencialmente na copa, que é o local mais perto do seu posto de trabalho. Consideram algumas facilidades nessa escolha, como sentir-se mais seguros em caso de emergências, gastar menos tempo de deslocamento e, acima de tudo, compartilhar o momento com o grupo. Embora exista manifestação clara do trabalhador por esse espaço, as copas são pequenas e pouco equipadas, o que dificulta um lanche num ambiente agradável.

O conceito de alimentação saudável é bastante abrangente e segue vários preceitos científicos, entretanto as escolhas alimentares em casa são influenciadas por vários aspectos, como sabor dos alimentos, hábitos familiares e o poder de compra. Mesmo assim, quando observamos a alimentação no trabalho, o critério das escolhas alimentares foi basicamente movido pela disponibilidade dos alimentos.

A maioria dos trabalhadores considera sua alimentação falha no trabalho e atribui esse fato a questões organizacionais. Sobrecarga de trabalho, falta de horários fixos, qualidade da refeição oferecida, poucas opções saudáveis para realizar a refeição e pouco poder de compra foram os aspectos mais destacados. Se a instituição provesse alimentação para o trabalhador, como era feito antigamente, de alguma forma se tentaria garantir uma alimentação mais saudável.

A partilha das marmitas, embora seja considerada por alguns como refeição, constatamos também se tratar de uma beliscada coletiva. Torna-se evidente essa afirmação, uma vez que a refeição para uma pessoa é dividida entre cinco ou até seis trabalhadores. Não podemos considerar um almoço ou um jantar aquilo que é comido dentro de um copinho plástico com apenas duas ou três garfadas. O fato de sobrar pães e café com leite dos pacientes quase que diariamente demonstra uma possibilidade ainda que remota de formalizar

um lanche aos trabalhadores dessas unidades. Essa atitude certamente traria benefícios e possibilitaria mais dignidade aos trabalhadores que se utilizam desses alimentos.

Identificamos que é um hábito no grupo beliscar entre as refeições, tanto em casa como no trabalho. Alegam várias razões para justificar essa atitude, embora condenem esse comportamento. Constatamos que os trabalhadores da manhã beliscam tanto em casa como no trabalho. Por outro lado, os trabalhadores noturnos são os que mais adotam essa estratégia, tanto no trabalho como em casa. Percebemos que os contextos de vida “casa e trabalho” vão se entrelaçando, fazendo com que determinadas condutas se incorporem e se cristalizem no comportamento alimentar dos trabalhadores.

Falar de humanização das condições de trabalho passa necessariamente pela preocupação em relação ao bem-estar do trabalhador. Ao trabalhador do plantão de 12 horas é oferecida uma única refeição, se estiver formalmente escalado. Isso representa pelo menos seis horas de jejum, considerando que o trabalhador more ao lado do hospital. Como esquecer que ele irá gastar no mínimo mais duas horas em seus deslocamentos e mais algum tempo no preparo da refeição? Sabemos que um jejum prolongado é perigoso e diminui a concentração.

Após a implementação do vale-refeição, a responsabilidade com a alimentação passou a ser exclusiva do trabalhador. Buscando auxiliar de alguma forma na promoção de uma alimentação mais adequada, o Hospital poderia ter adotado a fiscalização e viabilização dos serviços de alimentação terceirizados, cobrando opções de qualidade e adequados ao poder aquisitivo do trabalhador. Como instituição de saúde, poderia fazer valer os preceitos relacionados com a prevenção e manutenção da saúde.

Sentimos uma tentativa dos trabalhadores em reproduzir no trabalho seus hábitos alimentares domésticos, porém existe o impedimento real para esse comportamento. Falta de tempo, aliado à pressa para se deslocar para outros empregos, falta de recursos financeiros para fazer uma alimentação adequada, locais que ofereçam refeições equilibradas e de baixo custo são alguns dos problemas identificados.

Notamos uma simplificação da alimentação no trabalho, com uma oferta tanto em quantidade como em qualidade inferior a consumida em casa: horários irregulares, falta de alimentos alternados com excessos, consumo exagerado de carboidratos simples e pouco consumo de frutas e verduras. Essas alterações do comportamento podem comprometer a saúde do trabalhador, predispondo-o ao ganho de peso. Evidências apontam para esse fato, uma vez que mais da metade dos TE entrevistados apresenta sobrepeso e obesidade.

Considerando que o PNHAH prevê melhoria das condições do binômio paciente/trabalhador, muito tem que ser feito no que diz respeito às condições de trabalho dos TE, para que eles possam repassar ao cliente valores humanizados. Damos aquilo que recebemos. Esses profissionais tentam, ainda que se sintam pouco valorizados na sua prática profissional, transpor as dificuldades e oferecer um trabalho de qualidade, como podemos acompanhar em nossas observações.

Concluindo nosso diagnóstico, não podemos considerar que existam iniciativas humanizadoras em relação à alimentação do trabalhador que possam refletir de forma positiva no seu comportamento alimentar. Dessa forma, o programa necessita rever várias questões em relação às condições de trabalho, buscando promover mudanças que certamente também irão refletir na saúde dos TE.