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Densidade de área plana (? ? )

2.1.5 Vento, convecção e advecção

Numa escala regional o vento flui horizontalmente e a origem deste fluxo pode ser gerado por diferenças de pressão entre regiões. Qualquer alteração do nível do solo, seja ela devido à topografia, vegetação ou elementos construtivos, irá exercer uma perturbação ao fluxo de vento, modificando seu padrão (ERELL; PEARLMUTTER; WILLIAMSON, 2011).

Devido ao efeito da fricção, a velocidade do vento é menor junto à superfície terrestre (BROWN; DEKAY, 2004). Por isso, terrenos com diferentes rugosidades induzem diferentes perfis de vento e a alteração desse perfil é uma das alterações introduzidas pela cidade (Figura 2.20).

A viscosidade do ar e a inércia fazem com que as camadas de menor velocidade junto à superfície exerçam uma força de arraste sobre as camadas de ar logo acima delas. Em

oposição ao arraste, as camadas superiores da atmosfera, com maior velocidade, exercem o efeito de momento, induzindo o movimento das camadas de ar logo abaixo delas. A combinação dos efeitos opostos de arraste e momento criam um perfil vertical de velocidade dos ventos, onde as velocidades são maiores quanto maior for a altitude da camada de ar.

Figura 2.20 – Perfil de velocidade dos ventos na Camada Limite Fonte: Adaptado de Oke (1978).

A uma determinada altitude, o efeito da fricção da superfície terrestre não será mais significativo, e a velocidade do vento dependerá apenas dos movimentos atmosféricos regionais. Essa é a Velocidade do Vento Geostrófico (Zg), localizada no topo da Camada Limite

(ERELL; PEARLMUTTER; WILLIAMSON, 2011). Uma vez que o perfil vertical de vento se altera conforme a rugosidade da superfície por onde o vento passa Figura 2.20, mas o vento geostrófico é constante regionalmente, Zg pode ser utilizada para fazer a “transposição” do

perfil de vento de uma localidade onde o perfil é conhecido, como a estação meteorológica de referência, para outra localidade próxima onde não se conheça o perfil vertical de vento, desde que se conheça os parâmetros de rugosidade do terreno em ambas as localidades. Esse conceito é utilizado pelo modelo de simulação CAT para a obtenção da velocidade do vento no topo do dossel, sobre o local de estudo.

Um elemento isolado de barreira ao fluxo de vento gera a barlavento uma zona de alta pressão, desviando o fluxo para cima do obstáculo. A Figura 2.21-a mostra as linhas de corrente (linhas paralelas à direção do fluxo de ar) ao redor de um obstáculo. Esse deslocamento cria uma zona de baixa pressão a sotavento (zona de cavidade), gerando turbulência na parte posterior do obstáculo, como ilustrado na Figura 2.21-a-b. Essas diferenças de pressão entre as regiões a barlavento e a sotavento de um obstáculo podem alterar tanto a intensidade como a direção do vento, nas proximidades do mesmo (Figura 2.21-c), e pode ainda gerar ventos de grande velocidade junto à base ou laterais, especialmente no caso de edifícios altos, o que eventualmente impactará o conforto de pedestres.

Figura 2.21 – Fluxo de ar ao redor de um obstáculo isolado: (a) Seções esquemáticas mostrando as linhas de fluxo; (b) nomenclatura das zonas de fluxo, e (c) ilustração do padrão de fluxo de ar ao redor de edifício alto e largo

Fonte: Adaptado de Erell, Pearlmutter e Williamson (2011).

Quando as edificações são bem espaçadas o fluxo de ar que contornou acima de um obstáculo retorna ao nível do solo após passá-lo, e antes de encontrar a zona de alta pressão do próximo edifício (Figura 2.22-a), não havendo interferência entre as zonas de cavidade e de deslocamento.

Quando o espaço entre os edifícios fica menor, há interferência de uma obstrução sobre o rastro da primeira, e neste caso, não há espaço suficiente após a obstrução para que o fluxo de ar retorne ao solo, e forma-se um fluxo relativamente contínuo, unindo as zonas de esteira e de deslocamento (Figura 2.22.b). Há ligeiras flutuações descendentes no espaço entre os edifícios que induzem turbulência no espaço do cânion, e promovem a mistura entre o ar do cânion com o ar acima do dossel.

Figura 2.22 – Regimes de fluxo de vento resultantes de obstáculos urbanos Fonte: Adaptado de Oke (1978).

Quando os edifícios se encontram muito próximos, o fluxo de esteira se torna contínuo acima do dossel urbano (Figura 2.22.c). Por isso, em regiões mais densamente edificadas, a dinâmica do vento no interior do dossel difere da dinâmica do vento sobre áreas abertas e descampadas, como é geralmente o caso da localização das estações meteorológicas, ou seja, nem sempre os dados coletados nas estações meteorológicas de referência são realmente representativos do microclima no interior do dossel urbano.

Segundo Erell, Peralmutter e Williamson (2011) dentro da Camada de Dossel Urbano a velocidade e a direção do vento são bastante variáveis. Geralmente há uma drástica redução das velocidades médias do vento abaixo do topo do dossel, mas as mudanças de geometria na microescala podem resultar em padrões localizados de altas velocidades de vento; e a direção dos ventos é afetada por aspectos geométricos diversos como a topografia local, a forma dos edifícios, orientação das ruas, e a distribuição de espaços abertos, como por exemplo parques e praças.

Um estudo de campo feito por Santamouris et al. (2001) em dez diferentes cânions espalhados pela cidade de Atenas, Grécia, encontrou que a velocidade média do vento no interior dos cânions raramente passa de 1 m/s, e geralmente é menor na ordem de dez vezes, se comparada à velocidade no topo do dossel urbano. A Figura 2.23 mostra a velocidade medida no interior e no exterior de um cânion com razão H/W de aproximadamente 1, apresentada por Santamouris.

Figura 2.23 – Gráfico horário da velocidade do ar no interior e no exterior de um cânion urbano de H/W=1 Fonte: Adaptado de Santamouris et al. (2001, p. 214).

No interior de cânions o padrão de fluxo do vento é afetado por muitos fatores, como a proporção do cânion (relação H/W), sua forma (simétrico ou assimétrico), orientação do eixo em relação à direção do vento, velocidade do vento no topo do dossel, entre outros. A Figura 2.24 mostra de maneira simplificada o fluxo de ar dentro de um cânion simétrico, de acordo com o ângulo do vento.

Figura 2.24 – Representação do comportamento idealizado do fluxo de ar gerado no interior do cânion: (a) quando o vento no topo do dossel incide perpendicularmente ao eixo do cânion, (b) paralelamente ao eixo do cânion e (c) em ângulo com o eixo do cânion

Fonte: Adaptado de Erell, Pearlmutter e Williamson (2011).

Em muitas configurações geométricas o interior do cânion representa um obstáculo ou “proteção” contra o vento, especialmente em configurações mais densas e regulares, à exceção de quando o eixo do cânion se alinha à direção do vento. Assim, é comum que a velocidade média do vento seja baixa no interior do cânion e, nestas condições, as trocas de calor sensível entre as superfícies e ar, e entre pedestres e ar, se tornam bastante limitadas, deixando espaço para que as trocas radiantes exerçam papel preponderante entre as trocas de energia no interior do cânion.

A definição do termo convecção em um dicionário de uso geral como o Houaiss (HOUAISS, 2007), traz duas acepções ligeiramente distintas. Sob a rubrica de física define convecção como “transferência de calor através de um fluido que ocorre devido ao movimento

atmosférica predominante vertical que tem origem no movimento do ar pelo aquecimento do solo, decorrente do calor solar”. Também sob a rubrica de meteorologia, define o termo

advecção como “transmissão do calor pelo deslocamento de massa atmosférica no sentido

horizontal”.

De acordo com Bergman et al. (2011, p. 2, 6-8), na obra “Fundamentals of heat and

mass transfer”4, o termo convecção refere-se à transferência de calor entre uma superfície e um

fluido em movimento quando estes estão a diferentes temperaturas. A transferência de energia no interior do fluido pode ocorrer por dois mecanismos distintos: através do movimento aleatório das moléculas do fluido (difusão) e através do movimento de massa, ou seja, de “porções” macroscópicas do fluído. O termo convecção seria usual ao se referir ao efeito conjunto dos dois tipos de transporte, enquanto o termo advecção se referiria ao efeito resultante do transporte de massa.

No “Glossário de termos técnicos em meteorologia e climatologia” (NERY; CARFAN, 2013), encontramos as seguintes definições para os termos convecção e advecção:

“ADVECÇÃO: Processo pelo qual tem lugar uma transferência das propriedades de uma massa de ar, em virtude do campo de velocidades existente na própria atmosfera. Em meteorologia, quando se fala de advecção de temperatura ou umidade, por exemplo, pensa-se no transporte horizontal de massa para uma determinada zona em que as propriedades térmicas e graus de umidade são diferentes. [...] CONVECÇÃO: Movimentos dos fluidos que transportam e misturam as propriedades de um fluido específico. Movimentos internos organizados dentro de uma camada de ar, produzindo o transporte vertical de propriedades atmosféricas [...]”. (NERY; CARFAN, 2013, p. 8, 98).

Logo, percebe-se que ainda os termos convecção e advecção façam referência aos mesmos processos essenciais de transferência de energia tanto na área de física como na de meteorologia, nesta última há uma forte sobreposição da associação de direção do transporte na atmosfera relacionado a cada processo: convecção promove o transporte vertical e advecção, o horizontal. Também em meteorologia, estes processos podem relacionar-se ao transporte de outras propriedades além do calor, como a umidade ou poluentes, por exemplo.

No contexto deste trabalho, o termo advecção tem a acepção comum à

meteorologia. Porém, o termo convecção assume a acepção comum à rubrica de física quando

se discorre sobre as trocas convectivas entre o pedestre e o ar e entre as superfícies do interior

do cânion e o ar. Nestas situações não se deve associar o termo convecção estritamente à direção vertical de transporte.

A disponibilidade de umidade influencia as trocas por calor latente que ocorrem na Camada Limite, e consequentemente, o transporte de umidade por advecção intervém no Balanço de Energia Superficial. Devido à influência da advecção, as fontes de umidade do terreno no entorno da localidade de simulação e da estação meteorológica de referência são levadas em conta pelo modelo CAT ao simular as condições microclimáticas do cânion.

Para exemplificar a influência da advecção sobre o microclima de uma localidade, tome-se o estudo de Coseo e Larsen (2014) a respeito da influência das características de uso do solo sobre a intensidade da ICU de Chicago. Os autores encontraram que os fatores de correlação mais significativa para a ICU diurna de uma localidade não eram os parâmetros de uso do solo da própria localidade, mas de regiões a barlavento. Os dois parâmetros de maior correlação com a variação de temperatura foram a distância a barlavento do centro industrial com 52% de correlação e a porcentagem de copas de árvores a barlavento, com 48%.