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Verbalizando experiências

No documento lailahgarberodearagao (páginas 120-123)

1 ELEMENTOS TEÓRICOS PARA A COMPREENSÃO DO ESTRANHAMENTO

4.3 METODOLOGIA DE ENSINO

4.3.5 Verbalizando experiências

A série de atividades que configuram o preparo pré-técnica duram cerca de 40 minutos contínuos e é finalizada com uma pausa para descanso junto a verbalização das sensações e experiências vivenciadas na execução das proposituras. Esse momento é de fundamental importância porque as alunas transitaram por estimulações sensoriais distintas das vivenciadas cotidianamente, através de recursos musicais, metafóricos e que compõem uma ornamentação artística através da dança livre.

Quando retornam ao modo de interação usual que lhes é colocado pela sociabilidade – estabelecido, principalmente, através da fala – estimulo a tradução das experiências vivenciadas corporalmente como uma maneira de apropriação da capacidade expressiva de aprofundamentos temáticos incipientes na comunicação oral cotidiana: sentimentos, sensações corporais e emoções evocadas a partir da motricidade.

Ainda que esse trabalho se restrinja a realizar uma análise das repercussões sociais no que toca ao estranhamento da dimensão corporal humana, sem adentrar em questões referentes a psicologia, é indispensável considerar estágios emocionais, tendo em vista que conceber o corpo através de uma perspectiva meramente mecânica é desconsiderar a complexa dimensão fisiológica que ele carrega em seu funcionamento. Um exemplo disso é a secreção de hormônios que geram sensações de alegria e bem-estar durante a prática de exercícios físicos, como a serotonina. Outro é a secreção de hormônios provenientes de situações que o organismo seja submetido a stress, sustos ou outras respostas rápidas que ativem as glândulas suprarrenais de modo a liberarem adrenalina e cortisol, que informam respostas orgânicas tais como a aceleração dos batimentos cardíacos, aumento do fluxo respiratório e, também, do tônus muscular.

É importante destacar que observando objetivamente a sociabilidade do capital, são desproporcionais e mais recorrentes as condições que nos submetem a respostas orgânicas frente ao stress e a agitação em face de momentos geradores de bem-estar e prazer. Como mencionado anteriormente, o corpo é moldado de modo a ser revestido por uma utilidade funcional aos contornos do capitalismo, sendo cada vez mais possível compreender que hormônios, como os das glândulas suprarrenais, operam com maior presença em face daqueles como a ocitocina, serotonina e endorfina.

Dessa forma, a aproximação da consciência corporal e do movimento podem tocar, também, no campo emocional humano. Algo que elucido durante as aulas é o fato de as atividades não terem uma pretensão de promoverem processos psicoterápicos ou terapêuticos de modo a organizarem a compreensão das sensações ou algo relacionado, mas sim, amplificarem a auto-observação advinda do corpo que carrega inúmeras informações, dentre elas, as cargas emocionais.

Assim, parte do processo de desestranhamento da dimensão corporal passa, também, por saber objetivar e transmitir as aquisições de consciência como um estudo pessoal de cada aluna, para que nenhuma reatividade se sobreponha a uma capacidade de autonomia diante delas. Dessa forma, o desenvolvimento dos conhecimentos subjetivos advindos do trabalho com o corpo, é capaz de proporcionar bases para uma relação emancipatória em face das vulnerabilidades humanas frente as mazelas impostas pelo metabolismo cotidiano da sociabilidade do capital, com um entendimento de causa e efeito que se projeta sobre os seres sociais em sua dimensão corpórea.

Durante as tentativas de objetivação do entendimento pela via da oralidade é muito presente uma dificuldade generalizada de todas as alunas, seja pela via do silêncio através da sensação de incapacidade para encontrar palavras que expressem suas sensações, seja pela via da prolixidade desorganizada que não emite uma mensagem compreensível a pessoas que não vivenciaram as mesmas sensações e experiências. Entretanto, todas as aulas possuem este momento e a cada nova atividade, diante da habitualidade semanal dessas estimulações, há uma transformação nos discursos e um refinamento na capacidade narrativa de cada aluna.

Dessa forma, é possível perceber que a falta de aptidão para manejar assuntos relacionados a subjetividade sensível não é um simples efeito justificado por frases provenientes do senso comum como “há sentimentos que as palavras não são capazes de expressar”. Com o desenvolvimento das formas de estranhamento para a modulação de um corpo útil e produtivo, as características alheias a esse formato de “ser” foram se ocultando perante a consciência dos sujeitos sociais sobre si próprios e, ao mesmo tempo, se calcificando em premissas sustentadas por concepções distorcidas que afastam o domínio do conhecimento humano de suas próprias mãos.

Assim, como Marx preleciona nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos o resultado “fenomênico” do aparecimento de uma potência humana, distinta daquelas concebidas como expectativas cotidianas, são atribuídas a outrem que não a própria pessoa, por vezes entendidos como milagres divinos, inspirações advindas de outros seres espirituais e outras mistificações que limam a possibilidade de vislumbrar tais ocorrências como fruto da própria dimensão subjetiva do ser social (MARX, 2010, p.83).

É bastante recorrente tais comentários em sala de aula, principalmente por parte de alunas que carregam consigo algum tipo de crença religiosa e espiritual. Por vezes as ações corporais inusitadas e que surpreendem frente a gama de possibilidades que o corpo já acessou anteriormente é sucedida por algum comentário como esse relatado dado por uma aluna que teve contato pela primeira vez com a aula: “me pareceu que ‘baixou um santo’ aqui que não era eu. Nunca havia feito isso antes, não é possível”.

Dessa forma, os conhecimentos anatômicos e histórico-sociais que busco agregar nas aulas se apresentam como vias importantes para promover a possibilidade de compreensão de que as descobertas apreendidas durante as atividades, passam por um desconhecimento advindo de uma estrutura edificada a partir de uma gênese histórica, e que ao penetrar na subjetividade humana se instaura sobre um complexo de ferramentas com inúmeras capacidades de desarticulá-lo e fornecerem novas dimensões acerca do substrato material e subjetivo que possuímos: o corpo.

No documento lailahgarberodearagao (páginas 120-123)