CAPÍTULO 2: A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO: O GÊNERO NOTÍCIA E A
2.4.4 Verbos introdutores de opinião
Esta teoria de Marcuschi (2007) é de suma importância para o desenvolvimento
deste trabalho, pois é a partir das classificações que o professor Marcuschi faz é que
abordaremos, classificaremos e analisaremos os verbos dicendi. Veremos essa
classificação mais adiante. Por agora, verificaremos que o autor se diz contrário à
crença de que a notícia é totalmente objetiva e se utiliza dos verbos introdutórios de
opinião para comprovar a subjetividade do texto jornalístico. Isso ocorre na
interpretação, seleção ou avaliação dos discursos inseridos na notícia, nesse sentido o
autor afirma que:
(...) apresentar ou citar o pensamento de alguém implica, além de uma oferta de informações, também uma certa tomada de posição diante do exposto. Assim, a avaliação linguística terá um caráter não
meramente estilístico, mas sobretudo interpretativo e avaliativo. O
mais notável é que isso se processa através do instrumento linguístico usado e não mediante uma interpretação explicita paralela. Não me refiro, portanto, aos comentários; refiro-me tão somente às palavras que introduzem opiniões alheias com pretensão de felicidade ao pensamento do autor. (p. 147).
Segundo o autor, a opinião não vem anexada por um sintagma específico que a
identifique como tal, mas surge como se fizesse parte do texto em si, fundindo-se nele.
Marcuschi (2007) dividiu as formas de “interpretação” da manipulação dos enunciados
nos textos jornalísticos em três aspectos diferentes, apresentados a seguir:
a) Interpretação explícita, em que há um comentário feito pelo redator da notícia;
b) Interpretação implícita, que é feita pela seleção dos verbos que introduzem as opiniões ou por expressões equivalentes, sem um comentário adicional;
c) Interpretação pela seleção, do que é informado. O fato de se prestar uma e não outra parte das opiniões de alguém já é uma forma de
interpretar o discurso através da omissão. A simples seleção é, pois, um tipo especial de interpretação pelo interesse. (p.150/151).
Portanto, o autor considera qualquer informação como forma de interpretação,
ou seja, sempre haverá um discurso interpretado. Dessa maneira, a opinião pode ser
montada a partir de contrapostos e é onde os verbos introdutores de opinião ganham
uma função importante dentro do texto. Às vezes, a partir de um desses verbos,
podemos dizer que alguém disse algo que não disse exatamente. Esta manipulação
sutil é chamada de interpretação implícita.
Marcuschi (2007) divide os tipos de discurso em Discurso de Poder e Discurso
de Populares. O primeiro é divido em três que são:
1) Discurso Oficial: discurso do governo (Executivo, Legislativo e Judiciário) e
ainda o militar;
2) Discurso para-oficial: produzido por algumas camadas do Clero que são
simpatizantes do governo;
3) Discurso da oposição: sindicatos patronais e outras Instituições que são opostas
ao governo;
O pesquisador afirma que, enquanto os discursos oficiais e para-oficiais são
considerados verdadeiros, o discurso da oposição é visto com certa reserva e a
responsabilidade recai em quem produziu. Os verbos mais fortes e dominadores são
mais comumente usados pelo discurso relatado do Governo, como por exemplo,
reiterar, frisar, sentir, classificar, ressaltar, afirmar, destacar etc. Dessa forma, o
enunciador corrobora implicitamente com os ideais oficiais.
Já o Discurso de Populares, segundo Marcushi (2007) é aquele produzido por
pessoas anônimas e que quase nunca são lembradas nas entrevistas ou nos noticiários.
A questão central aqui colocada é a de saber até que ponto é possível informar a opinião de alguém sem ao mesmo tempo interpretá-la de alguma forma ou em alguma direção. Tudo se resume no seguinte: qual a diferença em se relatar que alguém “disse” algo ou que alguém “declarou”, “enfatizou”, “confirmou”, “reiterou”, “revelou”, “advertiu”, “contou”, “condenou”, “elogiou”, “confessou”, “achou” isso ou aquilo com o seu discurso? A hipótese que tento defender é a de que a ação desses verbos hierarquiza, reforça, discrimina, classifica etc. os autores das respectivas opiniões relatadas. (p. 158).
Tais verbos introdutores de opinião foram divididos por Marcuschi (2007) como
está apresentado no seguinte quadro:
Função
Exemplos
Indicação de posições oficiais e
afirmações positivas
Declarar,
afirmar,
comunicar,
informar,
anunciar,
confirmar,
assegurar, etc.
Indicação da força de argumento
Frisar, ressaltar, sublinhar, acentuar,
enfatizar, destacar, garantir, etc.
Indicação da provisoriedade do
argumento
Achar, julgar, acreditar, pensar,
imaginar, etc.
Organização
de
um
momento
argumentativo no conjunto do discurso
Iniciar,
prosseguir,
introduzir,
concluir,
inferir,
acrescentar,
continuar, finalizar, explicar, etc.
Indicação de retomadas opositivas,
organização dos aspectos conflituosos
Comentar, reiterar, reafirmar, negar,
discordar, temer, admitir, apartear,
revidar, retrucar, responder, indagar,
defender, reconhecer, reconsiderar,
reagir, etc.
Indicação
de
emocionalidade
circunstancial
Desabafar, gritar, vociferar, esbravejar,
apelar, ironizar, etc.
Interpretação do caráter ilocutivo do
discurso referido
Aconselhar,
criticar,
advertir,
enaltecer, elogiar, prometer, condenar,
censurar,
desaprovar,
incentivar,
sugerir, exortar, admoestar, etc.
Quadro 2: Classificação dos verbos pela função. (p. 163-164).
O verbo “dizer” é considerado pelo autor com um “coringa”, pois pode ser usado
em todas as funções elencadas no referido quadro. Marcuschi (2007) ainda revela que os
verbos introdutores de opinião têm um grande papel na economia jornalística, já que
eles têm uma função direta na construção do discurso relatado e reordenam o texto,
preservando a sua ação. Para tanto, três aspectos são levados em consideração:
a) Os verbos exercem uma ação sobre o dito relatado;
b) Os verbos organizam o discurso relatado numa ordem e numa estrutura própria;
c) Na reordenação discursiva que processam, esses verbos preservam sua ação interpretativa anterior. (p. 166).
Travaglia (2003) divide os verbos dicendi em três tipos, segundo a sua
funcionalidade: introdução de falas; tipos de produção (perguntar, responder) e, por
último, perspectivas da fala (segredar, acalmar).
Já Nascimento (2006) defende a tese de que a notícia, apesar de sua dita
neutralidade, carrega em si várias formas de argumentação como: “polifonia,
modalização, através de verbos dicendi, os operadores argumentativos, o arrazoado por
autoridade, entre outras” (pág. 72). A estratégia de modalização para este autor se dá
por meio da polifonia e do uso de verbos dicendi. O linguista também defende um
quadro de verbos mais sintético, que poderemos ver a seguir:
1. não-modalizadores, ou de primeiro
grupo
Dizer,
falar,
perguntar,
responder,
concluir, etc.
2. modalizadores ou de segundo
grupo
Acusar, protestar, afirmar, declarar, etc.
Tabela 3: Verbos dicendi (p. 80).
Dessa forma, Nascimento (2006) conclui que os verbos dicendi “não são apenas
meros introdutores de discurso ou relato. Além dessa função, eles são portadores de
sentido e podem indicar o modo como esse discurso ou relato pode ser lido” (p. 84).
Apesar de o autor dizer que essa tabela é mais sintética, portanto caberia melhor na
aplicação da análise de textos jornalístico, levamos em consideração para a análise a
tabela feita pelo professor Marcuschi por ela dar maior respaldo para uma análise do
discurso citado e os vários tipos de verbos dicendi, seus usos e significados dentro do
texto.
Segundo Grillo (2001), esses verbos são denominados verbos de elocução e têm
como função principal marcar a presença do discurso citado, de resumir o sentido geral
do discurso proposto, de dar condições para sua recepção e, por fim, de organizar a
estrutura argumentativa do texto, principalmente no gênero notícia.
Para Cervoni (1989), os verbos dicendi fariam parte das modalidades impuras e
os tipos de modalização seriam divididos em:
Epistêmica: Considerações sobre o valor da verdade do seu conteúdo proposicional;
Deôntica: O conteúdo proposicional do enunciado deve ou precisa ocorrer;
Avaliativa: Uma avaliação ou juízo de valor a respeito do seu conteúdo proposicional... (pág. 75).
O conceito de polifonia dentro da análise do discurso é trabalhado pela
divergência, pois há uma simultaneidade de vozes dentro de uma mesma notícia; no
entanto, elas não convergem para uma mesma tonalidade. Pelo contrário, elas destoam
para tornar o texto polifônico e divergente, dando maior credibilidade ao texto, pois
assim se contemplam as diferentes opiniões referentes ao assunto tratado. É esse
processo que será observado na análise feita no próximo capítulo: as vozes que
divergem e confabulam para a construção e argumentação das notícias sobre educação.
Buscamos ainda saber como esse discurso inserido na notícia vem corroborar
com ou destoar de uma opinião oficial sobre educação. Desse modo, pretendemos
analisar linguisticamente como se comporta tal fenômeno, sabendo que “um texto nunca
é neutro em si” (Maingueneau, 2002). A própria construção textual pode revelar o que o
enunciador expressa como opinião favorável ou não à determinada questão, mesmo que
isso não ocorra de maneira explícita por se tratar de notícia de jornal.
Segundo Erbolato (2002), “(...) o jornal deve informar o máximo possível e com
neutralidade, a fim de que cada leitor possa ser seu próprio intérprete e seu próprio
editorialista” (p.36-37). O autor ainda afirma que a interpretação de uma notícia é uma
superdefinição, não devendo ser realizada em uma simples notícia que tem de ser direta
e relativamente curta. A estrutura da notícia evidenciará, de certo modo, mesmo que
velado, a opinião do jornalista, autor de tal notícia.
Assim, é importante também observar de quem é a voz trazida para o texto e que
efeitos de sentido podem ser construídos a partir do trecho enunciado e selecionado.
Dessa maneira, podemos perceber que a polifonia pode revelar diferentes
intencionalidades, dependendo do objetivo do enunciador e do autor social por trás
daquela fala.
Segundo Grillo (2001), o enunciador sempre irá dialogar com outros discursos
anteriores desde que tenham o mesmo objeto como foco e isso pode ser comprovado
pelas diferentes formas do discurso. Temos três tipos de uso de polifonia quanto à
classificação de pertencimento do discurso. São elas, segundo Bakhtin (2006):
- palavra neutra; - palavra do outro; - palavra minha. (p.37).
A presença do discurso citado é uma das características explícitas da polifonia,
pois, conforme Grillo (2001), ela ocorre em:
(...) função do gênero da imprensa e é responsável pela identidade de alguns gêneros. Pelo seu papel de testemunha dos fatos relatados e de constituinte da imprensa como um todo e de certos gêneros em particular, o discurso citado se constitui em uma categoria descritiva para apreender (...). (p.43).
É, portanto, sob essas perspectivas que analisaremos a polifonia em notícias
relacionadas à educação, publicadas pelo jornal FSP. Por fim, é preciso ressaltar aqui
que, para um analista do discurso em geral, é importante que se fundamente e se
constitua uma descrição das regularidades, revelando assim um paradigma. É a isso que
o próximo capítulo se propõe ao analisar o corpus mais detalhadamente.
“A confiança na palavra do outro, a aceitação reverente (a palavra autoritária), o aprendizado, as buscas e a obrigação do sentido, a
concordância, suas eternas fronteiras e matizes (...) sobreposições de
sentido, sobre o sentido, da voz sobre a voz, combinação de muitas vozes ... a saída para além dos limites do compreensível” (Bakhtin, 2006, p. 327)