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3.3 Memória e cotidiano no Bairro Lagoinha

3.3.4 Verticalidades e horizontalidades no Bairro Lagoinha e adjacências

Apesar das tentativas de dessemantização da Lagoinha e bairros vizinhos por meio das visões negativas que são criadas a partir da mídia e de transeuntes que enxergam somente a região por suas “bordas”, é relevante como a região ainda permanece carregada de significados e memórias afetivas que reforçam o sentimento de pertença dos moradores em relação a esse lugar. Sobre o conceito de lugar, Bessa (2011, p. 37) coloca que:

É a parte do território que, obrigatoriamente, resulta das relações afetivas dos homens com o meio, ecológico e/ou técnico, dos homens com os homens, onde se cria uma relação de pertencimento (o homem sentindo-se em casa), uma identidade entre comunidade e sítio. O lugar está na escala do homem, ao alcance de seus limites. É nele que acontece a história de cada um, que, somada às histórias de tantos outros, ao longo dos tempos, forma a memória coletiva.

De acordo com Santos (2006), são múltiplas as forças que atuam sobre o espaço urbano e que interferem na vivência cotidiana. Assim, é importante para o reconhecimento do contexto e dos fatores que interferem nas características locais, analisar as forças atuantes em uma escala macro (totalidade) e em uma escala micro (lugar): “Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente” (SANTOS, 2006, p.231).

Ademais, Santos (2010) ressalta que as forças verticais atuam sobre o lugar em prol de interesses ou motivações que muitas vezes distanciam da realidade local. Esses processos podem provocar estranhamentos e reações dos microatores contra esses macroatores que buscam transformar o espaço urbano por meio de uma lógica hegemônica, técnica e científica.

Já nas forças horizontais predominam ações colaborativas que se inserem no cotidiano e que são construídas coletivamente (SANTOS, 2010):

Esse espaço banal, essa extensão continuada, em que os atores são considerados na sua contiguidade, são espaços que sustentam e explicam um conjunto de produções localizadas, interdependentes, dentro de uma área cujas características constituem, também, um fator de produção. [...] Em tais circunstâncias pode-se dizer que a partir do espaço geográfico cria- se uma solidariedade orgânica, o conjunto sendo formado pela existência do comum dos agentes exercendo-se sobre um território comum (SANTOS, 2010, p.109).

Tendo em vista as forças que atuam sobre o espaço urbano, configuram manifestações de verticalidades na Lagoinha e adjacências:

- o poder público e parceiros privados que têm atuado na região nas últimas décadas produzindo mutilações no espaço urbano pelas obras viárias e interferido negativamente no cotidiano da população residente;

- empresas que têm atuado na compra de imóveis e terrenos no local e que têm potencializado a derrubada de edificações históricas. Neste sentido, é importante mencionar que a Lagoinha possui muitos imóveis subutilizados e terrenos vazios sendo veladas as questões que envolvem a especulação imobiliária na região;

- organizações sociais atuantes no Bairro Lagoinha e adjacências que podem ser vistas tanto como macroatores, quando reivindicam interesses particulares sem o consentimento dos moradores, quanto como forças horizontais, quando articulam interesses coletivos, como a manifestação que ocorreu contra o Decreto de Desapropriação em 2013.

Já como forças horizontais podemos citar, entre outras:

- os projetos culturais que tem ocorrido no Mercado da Lagoinha que buscam resgatar a memória coletiva e as práticas culturais que são singulares na região;

- as ações sociais vinculadas às Igrejas Nossa Senhora da Conceição, do Bonfim e Batista da Lagoinha e aos Centros Espíritas;

- as ações pontuais de moradores que tem promovido o resgate da história e de manifestações culturais na região, além de contribuir para o fortalecimento do sentido de comunidade;

- as instituições acadêmicas, ao mesmo tempo em que podem atuar como forças horizontais colaborando para o fortalecimento da comunidade, das práticas culturais e memória da região, podem também ser reconhecidas como verticalidades quando não estabelecem uma relação de troca de conhecimento com os moradores. Bessa (2011) atribui ainda outra conceituação para as forças que são capazes de modificar as estruturas organizacionais verticais e horizontais. São denominadas de forças de filtro:

Assim, as forças de filtro são legislações e ordenamentos públicos que são criados de fora dos territórios e disciplinam ações e comportamentos que valem para diversas localidades. Elas podem modificar a ação das forças verticais e/ou horizontais, podendo ser acionadas tanto pelos macroatores que comandam as verticalidades quanto pelos atores que comandam as forças horizontais (BESSA, 2011, p.243).

Neste sentido, podemos citar no caso da Lagoinha a Secretaria Municipal de Cultura que têm atuado na conservação da paisagem por meio de ações de proteção de tombamento de imóveis na região. A apropriação dos instrumentos de proteção de tombamento de imóveis por forças hegemônicas podem provocar o “congelamento” da paisagem e o progressivo estado de degradação dos bens pela falta de articulação com políticas de restauro e de conscientização social, todavia, quando apropriado por forças horizontais como a população residente, o vínculo com o lugar pode contribuir para o interesse coletivo em recuperar o patrimônio histórico e cultural.

Outro instrumento que pode ser acionado tanto por macroatores quanto pelo interesse coletivo da população residente é a legislação da OUC ACLO. Quando o instrumento é apropriado essencialmente por macroatores, representados pelo poder público e parceiros privados, sem o envolvimento da comunidade, pode resultar em ações perversas de renovação do espaço urbano. Já quando há o envolvimento com as comunidades locais pode se caracterizar como ações horizontais. Nesse sentido, na Lagoinha e adjacências verifica-se de forma incipiente a tentativa do corpo técnico do setor de planejamento da prefeitura em manter um diálogo mais próximo da escala local, contudo, tendo em vista que a construção da proposta se deu, sobretudo, pela contribuição das lideranças de bairro não é possível afirmar que há o envolvimento significativo da população local na etapa de elaboração do projeto.

Todavia, é importante ressaltar que essas forças atuantes sobre o espaço urbano não se esgotam, foram mencionadas nesse trabalho aquelas que adquirem maior relevância a partir da análise da influência dessas forças no cotidiano.

3.3.5 Perspectivas futuras: a OUC ACLO na visão dos moradores da Lagoinha