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Vestígio: modo como o Infinito se anuncia na fenomenalidade ao desarranjá-la; manifestação como perturbação, “presença ausente” Maneira como o Rosto afeta o eu antes de qualquer iniciativa, como ele “se

CAPÍTULO I – APROPRIAÇÃO CRÍTICA DO MÉTODO FENOMENOLÓGICO E RADICALIZAÇÃO RUMO AO PARADIGMA DA

68 Vestígio: modo como o Infinito se anuncia na fenomenalidade ao desarranjá-la; manifestação como perturbação, “presença ausente” Maneira como o Rosto afeta o eu antes de qualquer iniciativa, como ele “se

grava” no visível como o “sulco” ou a “ferida” de um traumatismo inassumível e pela qual flui e reflui a significação. É pelo Vestígio que o Rosto significa como Apelo ao remeter a um “passado imemorial” e abrir ao “futuro imprevisível” entre os quais se produz uma significação diacrônica. (VdL, pp.58-9)

O rosto de outrem não é só a revelação do arbitrário da vontade, mas da sua injustiça. (...) Para me sentir injusto, é preciso que eu me compare com o infinito. (...) A existência singular é julgada e investida como liberdade. (...) Essa investidura da liberdade constitui a própria vida moral. (...) A liberdade que se descobre injusta, a vida da liberdade na heteronomia, consiste para a liberdade num movimento de questionamento infinito. E assim se escava a profundidade da interioridade. O aumento da exigência que tenho em relação a mim mesmo agrava o juízo que incide sobre mim, isto é, minha responsabilidade. E o agravamento da minha responsabilidade [pela presença de outrem] aumenta estas exigências. (Opus

cit., p.214-5) – [grifos nossos]

A responsabilidade se tornaria, então, a ordem de sentido mais profunda da subjetividade. Sentido o qual, partindo da exterioridade e da heteronomia – que é em si interioridade secreta e vida autônoma – que a unicidade do Eu se expressa na responsabilidade que exige um Eu separado e único. A unicidade se expressa na proximidade e na responsabilidade. “A proximidade para lá da intencionalidade é a relação com o Próximo no sentido moral do termo. (...) A proximidade não é simples coexistência, mas inquietude.” (LÉVINAS, 1998, p. 279-82): Desejo e transcendência.

f) Sobre a Unicidade: o Infinito como Responsabilidade Individual do Eu

Reunindo o feixe das reflexões rápidas e sucintas que, a guisa de mapeamento e exposição geral, fizemos aqui sobre o tema da unicidade e da renovação ética do Eu na filosofia levinasiana, resumiremos os pontos essenciais para a conclusão. Num primeiro lance expomos as duas ideias ou duas vertentes filosóficas que motivaram a humanidade, segundo Lévinas: Totalidade (Ser) e Infinito (Outramente-que-Ser).

A uma se aliava um primado do Mesmo como autonomia “à toda prova” e cultivo de um Eu narcisista absorto nos jogos histórico-políticos. Para a outra a heteronomia possuía um sentido, chamando os indivíduos a responderem por si e por seus atos frente aos demais, cultivando uma orientação ética e uma subjetividade profética. Atestando o fisco e a violência da Ideia de Totalidade, Lévinas aponta para a Ideia de Infinito como uma porta para um novo sentido de subjetividade.

A subjetividade é pensada como responsável desde a matriz, pressupondo a separação hipostática e a assimetria enigmática entre os indivíduos. Na responsabilidade se assentaria o “princípio de unicidade” em que o sujeito seria exigido como único: falante responsável singular. Cada indivíduo seria um enigma incomparável, um Dizer inesgotável que desconcertaria o fenômeno e lhe investiria um sentido ético. Como consta num ensaio denominado, muito propriamente, Sobre a Unicidade (LÉVINAS, 1997, p. 245-49) acerca do estatuto do único singular antes do individual genérico:

(...)...a situação semântica original em que o indivíduo recebe sentido ou se veste de direito...corresponde ao acesso original ao indivíduo enquanto Indivíduo Humano...que é o acesso característico onde aquele que vem pertence ele mesmo à concretude do encontro...sem poder livrar-se da relação e onde este não-poder- livrar-se, esta não-indiferença frente a diferença ou da alteridade do outro – esta irreversibilidade da responsabilidade – (...) consiste em afirmar a transcendência ou a alteridade do único. (LÉVINAS, 1997, p. 245-6)

E ainda, em O Humanismo do Outro Homem,

A relação com o outro questiona-me, esvazia-me de mim mesmo e não cessa de esvaziar-me, descobrindo-me possibilidades sempre novas (…) Eu me reencontro

diante do outro (…) A unicidade do Eu é o fato de que ninguém pode responder em

meu lugar (…) O Eu diante te do Outro é infinitamente responsável (…) o Eu

reconduzido a Si, responsável apesar de si, ab-roga o egoísmo do conatus e

introduz um sentido no ser. Não pode haver sentido no ser senão aquele que não se mede pelo Ser (…) É apesar de mim que o Outro me concerne (…) procurar um sentido ao humano sem medí-lo pela ontologia (…) Desde a sensibilidade, o sujeito é para-o-outro: substituição, responsabilidade, expiação (LÉVINAS, 1993, p. 56- 7/61/62/101-02/118-20) [Grifos nossos]

Enfim, pelo advento do Rosto, o Infinito insere um sentido que impele a subjetividade a transcender-se, a expressar-se. Diante da presença de Outrem – vocativo e

imperativo ético encarnado como enigma vivo – a subjetividade desperta no acusativo da responsabilidade como Eu único e insubstituível. O despertar do Eu seria um acontecimento

imemorial traumático – ético e crítico – que estaria na base da linguagem (interpelação antes que comunicação). No face-a-face a interioridade se renova e, ao mesmo tempo, se mantém una nas relações interpessoais e discursivas. O subjetivo pressupõe uma intersubjetividade

radical de únicos gerados como sensibilidade e (re-) individuados pela responsabilidade. g) A Substituição: O Si-mesmo como Um-pelo-Outro

A Unicidade e a Renovação Ética do Eu face-a-face com o Outro pressupõe a

singularidade sensível pré-ética do indivíduo, bem como a encarnação do sentido da responsabilidade enquanto acusação, assignação e eleição individuais inalienáveis. A responsabilidade é individual e individuante por ser imediata, irreversível e intransferível, isto

é, por estar entranhada na carne do sujeito como sua exposição passiva que se inverte em

significação na proximidade de outrem, como sua vulnerabilidade tornada responsabilidade

no face-a-face.

Esta significação individual da responsabilidade encarnada é Um-pelo-outro. Nomeia-se Substituição a esta orientação e individuação ética ao fundo da responsabilidade e que, no “sofrer por” da sensibilidade enquanto “paciência”, pressupõe e mesmo exige a possibilidade do “morrer por”. Sentido no limiar do não-sentido, a substituição é o fato de o

Eu ser insubstituível ao ser exigido até o ponto de “se substituir” ao outro na morte:

recorrência a si na transcendência da responsabilidade, a Substituição reenvia ao

traumatismo que atinge a passividade acusativa como uma hetero-afecção traumática e se transforma na heteronomia da significação. Um-pelo-Outro: Eu como Único Responsável (LÉVINAS, 1993, p. 101-2/118-20/56-63/76-9; 1987, p. 163-88; VdL; p. 56-58) .

3.2. Da Separação à Infinição: a subjetividade capaz da “Idéia do Infinito”

a) Concepção da subjetividade ética

Um de nossos temas de base é a constituição da subjetividade como

interioridade aberta à exterioridade, isto é, como fundada na “Idéia do Infinito”, tal como

aparece na obra “Totalidade e Infinito”69 (TI) de Emmanuel Lévinas. Portanto, é lícito situar nosso trabalho no campo de investigações e debates da ética fenomenológica e da fenomenologia genética do sujeito. Isto se deve ao leitmotiv do itinerário levinasiano que é, em suma, a indagação sobre as condições de possibilidade da ética e da subjetividade responsável. Notadamente, o pensamento levinasiano pode ser compreendido como uma

metafísica da alteridade70 a partir de uma fenomenologia ética. Isso serve de indicador à sua situação na filosofia contemporânea.

É preciso dizer antecipadamente algo sobre a subjetividade “capaz” da “Idéia do Infinito”. Trata-se aqui não de uma capacidade propriamente dita, envolvendo atualização de uma potência ou exercício de uma habilidade; mas sim de uma “suscetibilidade”, de uma “abertura estrutural” do subjetivo como “acolhimento” e mobilização do sujeito como/face uma “transcendência”. Consciência Vital (Separação) que desperta como Consciência Moral (Infinição), que rompe com sua solidão egoísta ao ser afetada por uma alteridade irredutível, ao ser suscitada enquanto responsabilidade infinita. Subjetividade sensível moralmente investida: hospitalidade e Desejo. Acolhimento do excesso e sentido da inadequação como

apelo-resposta. É nisto que consiste, em esboço breve e inicial, aquilo que Lévinas entende

por “subjetivo eticamente significante” irredutível ao par potência-ato ou à correlação noese- noema. Trata-se da subjetivação ético-sensível do eu.

Em 1961, na sua primeira grande síntese filosófica (TI), Lévinas estabelece sua

concepção da subjetividade_ ética e sensível_ partindo da suspeita de que a moralidade só faz