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Não há impressos musicais presentes no fundo CDO.27, Lamim, mas descobriu- se marcas de cópia e outras evidências do contato dos integrantes deste grupo social (que também são os produtores dos escritos deste arquivo) com a circulação de material de natureza impressa, a começar pelo próprio Leôncio Francisco das Chagas. Sabe-se da efetiva presença do impresso musical naquela região por comparação com outras seções documentais contemporâneas que também fazem parte do acervo do Museu da Música de Mariana, e que são constituídas quase somente por exemplares impressos, como o Arquivo Lavínea Cerqueira e o Arquivo Darcy Lopes (ambos arcontes, com comprovada passagem por Queluz).

Uma possível explicação para a ausência dos impressos no espólio poderia ser o fato que a presença das estações de trem, bem como os serviços dos Correios, seriam determinantes para a circulação das missivas e a distribuição de periódicos deste porte. Lamim nunca fez parte do trajeto de nenhuma linha férrea, mas esse não parece ter sido um fator limitador para o contato dos habitantes com o impresso. No prólogo do romance manuscrito de Leôncio Chagas, intitulado Os dois amantes, há uma descrição não só da presença do impresso, mas das condições e situações do seu uso.

FIGURA 30 - Prólogo do romance Os dois amantes, escrito por Leôncio Francisco das Chagas

Fonte:

Transcrição:

Este anno de 1895 entrou com um aguaceiro terrível, continuando sempre, de modos que as ruas d’esta povoação tornaram-se intransitáveis, privando assim a comonicação distractiva entre os amigos.

A única distracção que temos n’este logar é a leitura de bons livros e jornaes; mas estes, depois de lidos, tornam-se insipidos e desagradaveis.

A transcrição musical de impressos demonstra um importante mecanismo de ensino-aprendizagem e de mobilidade das peças das casas à rua e vice-versa. Em Minas Gerais, essa prática tornou-se uma maneira de se difundir o repertório corrente. Adaptavam-se versões, originalmente criadas para o piano, a pequenos conjuntos instrumentais, como os sopros, que usavam, como palco, a própria cidade. Esta música também estaria associada à profusão dos coretos, nos núcleos citadinos brasileiros, tão associada à Belle Époque. Vendia- se música impressa para formações maiores, porém muito padronizadas. Tais transcrições poderiam se tornar parcialmente inutilizadas, pois cada grupo social dos núcleos citadinos mineiros – cada banda de música – teria sua conformação de acordo com os interesses sociais de cada localidade que envolviam o “calendário religioso”, aspectos comunitários, a

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habilidade dos músicos e os aspectos políticos, ficando cada maestro responsável por desenvolver as mediações que considerava mais adequadas.

Binder (1998) aponta para uma grande utilização de material didático impresso que pode ter permeado o contexto estudado. Foi possível estabelecer conexões entre o material decorrente da prática musical de Leôncio Chagas e manuais e métodos impressos do século XIX pelas características temáticas entre determinadas cópias e o material musical impresso corrente naquele período.

Em 1808, a Imprensa Régia foi criada no Brasil e as tipografias, proibidas até então, começaram a ser instaladas, iniciando a publicação de libretos de óperas e materiais musicais. Circulavam, no país, tratados sobre harmonia e teoria musical de publicação estrangeira cujas edições, nos países de origem, eram destinadas aos estudos teórico-filosóficos empreendidos nas catedrais, seminários ou universidades de natureza investigativa e exploratória da música. Essas publicações eram usadas, aqui, nos seminários, com os mesmos propósitos. Contudo, outros materiais coletados em recentes pesquisas musicológicas demonstram ter destinação diferente. Eram os Manuais, ABCs e Artinhas, manuscritos voltados para atender às questões de ordem prática da música, relacionadas à execução instrumental e ao canto (MAGALHÃES, 1996, p. 436).

O repertório musical seria um foco de interesse comum aos indivíduos dessas comunidades e com padrões culturais de funcionamento e atualização muito próximos ao que se praticava, tornando-se moda. Leôncio Chagas, cuja prática da cópia e transcrição musical foi habilidade adquirida no experimento com obras de muitos compositores para várias finalidades, usou da coletânea para compilar um pequeno caderno costurado à mão, principalmente com peças de danças de salão para violão, onde deixa entrever sua relação com outros compositores, estampando fatos históricos mineiros, brasileiros e o da própria música impressa, a música de interesse naquele momento.

À medida que esses sujeitos valeram-se das estratégias de aprendizagem e da decodificação dos sinais gráficos musicais para realizar o solfejo e o contraponto na composição e interpretação dos repertórios, delimitam um campo, demonstrando um tipo de comunicação que pode ser analisado. A introdução dos partícipes nesse campo, pelo que notamos, se deu pelas mais distintas causas, mas há algo de religiosidade na própria prática musical desse tempo, causas de explicações sociais, como a necessidade de um indivíduo se encaixar, participar de algo e reproduzir o belo com seu esforço. A música feita em grupo educaria pela convivência, sendo possível tratar de quaisquer temas. Mestres como Leôncio Chagas parecem ter se utilizado da prática de alfabetização e, principalmente, da leitura do impresso para chegar a esquemas e modelos composicionais, métodos para realizar novas evocações, cujo teor principal seria o anseio pela nação brasileira.

5 ENTRE A CASA A ESCOLA E A BANDA