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vestir o invisível

No documento Campos de invisibilidade (páginas 76-79)

2.1 “eu sou um outro”

2.2 vestir o invisível

Para pensar sobre estas questões, pode-se observar a proposição Redes vestíveis31 (2010), realizada por mim. Nesse trabalho, fica

claro o desejo de explorar um “tecido” imaterial que nos envolve, caracterizado especialmente pelas redes digitais de comunicação.

Redes vestíveis é uma performance coletiva baseada numa rede virtual elástica, geo-localizada e graficamente representada nas telas de aparelhos celulares. Duas ou mais pessoas conectam- se a ela e tornam-se novos nós da trama –, que se tensiona por meio de movimentos e deslocamentos físicos em espaços próxi- mos ou distantes. O corpo que se desloca incita virtualmente o movimento físico dos outros corpos que, caso não se movimen- tem também, fazem esgarçar e estourar os nós da trama, desco- nectando o sujeito participador do trabalho.

O trabalho apropria-se da infraestrutura oficial das redes de comunicação e de seus processos de comercialização dos cha- mados aplicativos (App). Junto dos jogos e serviços comerciais que são oferecidos nessas redes, Redes vestíveis procura ativar uma experiência artística que reúne corpo, espaço e informação, defla- grando novos modos de sociabilidade e de sentir o espaço.

Essa proposição surge em diálogo com a obra Rede de elástico (1974) de Lygia Clark. Nesse trabalho, a artista convidava as

31. Obra comissionada pelo Festival Arte.Mov, 2010. Recebeu Menção Honrosa no Prix Ars Electronica em Linz, na Áustria em 2011. A programação do trabalho foi realizada por Roger Sodré e a documentação em vídeo por Cauê Ito. Assista o vídeo sobre o trabalho no link <http://buenozdiaz.net/redesvestiveis. html>. Acesso em: 18 Out. 2014.

Fig. 30 – Rede de elástico (1974), Lygia Clark. Fonte: Associação

pessoas a tecerem juntas uma rede de elásticos, para em seguida colocarem-se debaixo dela e então tensioná-la com o corpo para todos os lados. Para Lygia, a ação e a duração do tecer eram tão importante como a ação de envolver-se nesta trama, embaraçan- do organicamente os corpos e as identidades, desenhando linhas e vetores no espaço.

Olhando para a proposição de Lygia, ocorria-me a pergunta so- bre a noção de rede hoje, de modos de relação, de proximidades, de distâncias e de qual seria essa trama que envolveria o corpo nos tempos atuais. Imaginei então a possibilidade de vestirmos uma rede, como se fez em Rede de elástico, mas agora diante de uma trama imaterial, com laços frágeis – que viriam problema- tizar também os graus de cumplicidade dos vínculos, diante de tantas possibilidades de conexões.

Em Redes vestíves, os corpos, de natureza orgânica, somam-se ao espaço lógico e funcional das redes. Tornam-se vetores móveis de relação no espaço. São atravessados por uma geometria diagra- mática da mobilidade e da distância (interpretada pela interface Fig. 31 – Redes vestíveis (2010),

gráfica), diferenciando-se do espaço bem definido do qual Lygia Clark executava suas proposições. A cartografia de Redes vestíveis é constituída por linhas e conexões locais e globais. O corpo coloca- se como lugar de contato direto com os fluxos invisíveis ativados pelas tecnologias. E, esses fluxos ativam paradoxos de centraliza- ção e descentralização, individuação e coletividade, liberdade e controle, estabilidade e instabilidade.

A malha de Redes vestíveis, constituída aqui pela informação, comporta-se como o tecido de Divisor, atravessando os corpos dos participantes e colocando-os diante de uma experiência sensível de relação. Assim, o processamento dos dados e das posições ge- ográficas extrapola a dimensão reflexiva e anestesiante do corpo diante da paisagem informacional contemporânea, ativando também os sentidos.

O “lugar sem margens” (observado por Paulo Herkenhoff ao tratar da obra de Pape) explode definitivamente para o espaço em Redes vestíveis, formando linhas que conectam diferentes lugares, próximos ou distantes.

As presenças que ocorrem nesse trabalho configuram-se como nós, que se conectam e desmancham-se de acordo com a disponibi- lidade e desejo em querer ou não integrar a rede, manter-se ou não dentro dela. É um jogo sem regras, cujo desenvolvimento da trama ocorre por meio das decisões tomadas na relação entre as pessoas e grupos conectados a cada tempo. Sobrepõem-se as especifici- dades de um grupo temporário (group-specific, como definido por Basbaum) às qualidades de cada lugar onde o trabalho se atualiza (site-specific). Na medida em que a conexão acontece, a informação toma o corpo do participante e o move, num agenciamento entre ceder e/ou resistir aos outros [eueles].

Apesar do trabalho sugerir certa liberdade de negociação das presenças diante dessa rede virtual, um olhar mais pessimista poderia nos dizer que essa liberdade é ilusória. Afinal, quem controla as presenças e relações é o tecido invisível dessa arquite- tura desmaterializada (que pode ser entendido hoje como sendo os datacenters, as empresas de telecominicações, etc).

Pessoas comuns [nós], muitas vezes iludem-se diante das redes digitais sobre a ideia de “ser coletivo” [nósnós], quando na verdade alimentam estruturas baseadas apenas no que seria o superpronome [eueu].

É diante da ambivalência de alimentar grandes estruturas que capitalizam os dados pessoais e a necessidade de continuar comuni- cando-se, que essas redes também permitem desvios. Fazem emergir, organizam e potencializam desejos públicos –, haja vista as manifes- tações de junho de 2013 no Brasil, organizadas especialmente pelos meios digitais. A forte presença física nas ruas, as negociações e a com- plexidade dos eventos eram estimulados pela chamada grande mídia e também pelas mídias ditas sociais. É esse espaço imaterial entre nós (destacado aqui pelo viés da tecnologia) que coloca-se como mais uma das partículas ativadoras dos embates na cidade.

No documento Campos de invisibilidade (páginas 76-79)