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2 RELIGIÃO E VIDA ECONÔMICA

2.2 Vida econômica e religiosa

Além de Weber, um importante trabalho que de certa forma aborda a relação entre economia e religião é o do historiador econômico Polanyi (1988), ao afirmar que nas sociedades pré-capitalistas a economia deve ser considerada como imersa na estrutura social, e cujas atividades econômicas funcionariam através de outras relações sociais, o que inclui aquelas relações articuladas pelas práticas e ideologias religiosas. Nas palavras de Polanyi (1988, p. 69),

[...] a produção ordenada e a distribuição dos bens era assegurada através de uma grande variedade de motivações individuais, disciplinadas por princípios gerais. E entre essas motivações, o lucro não ocupava lugar proeminente. Os costumes e a lei, a magia e a religião cooperavam para induzir o indivíduo a cumprir as regras de comportamento, as quais, eventualmente, garantiam o seu funcionamento no sistema econômico.

Essa noção pode ser resumida na seguinte situação: o relacionamento econômico de trabalho entre parceiros – pelo menos nos contextos de sociedades não industriais – é apenas um dos aspectos de uma relação social mais geral. Indivíduos não são apenas colegas de trabalho, mas são também parentes, amigos e participantes do mesmo ritual (S. Coleman, 2005). É nesse sentido que se afirma que a economia está imersa na sociedade, e sua

contribuição para a compreensão da relação entre vida econômica e vida religiosa em uma abordagem da sociologia econômica pode estar na idéia de que motivações não-econômicas, incluída a religiosa, influenciam o sistema econômico, e pela constatação de que as necessidades econômicas de sociedades arcaicas foram satisfeitas por estruturas formadas por laços de parentesco, pela religião, ou outras práticas culturais, que tinham pouca relação com a alocação de recursos escassos.

Na sociedade moderna essas características desapareceram com a autonomia da esfera econômica em relação à sociedade (Polanyi, 1988). E é nesse ponto que Granovetter e Swedberg (1992) fazem uma crítica ao trabalho de Polanyi ao considerá-lo parcialmente limitado. Afirmam que adotando-se uma perspectiva de redes sociais – definidas como o “conjunto regular de contatos ou conexões sociais similares entre indivíduos ou grupos” (Granovetter e Swedberg, 1992, p. 9) – o nível de imersão social varia consideravelmente em ambas as sociedade industriais e pré-industriais, a ponto de em sociedades capitalistas a ação econômica não ser tão emerso (disembedded, no sentido de não estar imerso) como propõe Polanyi. Em outras palavras, os autores consideram que as características citadas acima – atribuídas apenas às sociedades arcaicas por Polanyi – também estão presentes no sistema de mercado, embora não sejam predominantes. Esse olhar de variação de grau de imersão social da ação econômica abre espaço para que se pense na possibilidade da ação econômica estar potencialmente imersa pela esfera religiosa (entre outras esferas da cultura, evidentemente) na sociedade contemporânea.

O trabalho de Weber é um dos mais profícuos para a compreensão da relação entre a vida econômica e religiosa. O pano de fundo para o entendimento dessa parte da obra de Weber é a sua concepção de ação como uma forma especial de ação motivada pelo interesse (Swedberg, 2005). Por isso, vou me deter um pouco nas distinções da ação social antes de prosseguir. Para o pensador alemão, racionalidade é a adequação de meios aos fins, aquilo que é apreensível em seu sentido intelectual ou, ainda, evidente e inequivocamente compreensível. A evidência em grau máximo (ou auto-evidência) são aquelas conexões de sentido que se obtém, por exemplo, de uma relação de proposição matemática ou lógica (Weber, 2004c). O tipo de ação que interessa às ciências sociais é aquele que possui sentido subjetivo (ou significado, ou seja, é um mover-se com propósito) para os atores que estão comprometidos nestes comportamentos. Ação social é a conduta em que os interesses ou presença de outros atores são levados em consideração como parte do sentido atribuído a esse comportamento. Ação racional com relação a fins é determinada por expectativas de comportamento (seja de objetos do mundo ou de outros homens) e utiliza essas expectativas como meio ou condições

para realizar os fins pré-determinados. Pode-se dizer que essa ação é sistemática, consciente, calculada, atenta ao imperativo de adequar condições e meios a objetivos deliberadamente elegidos e cujo sentido da ação está nos resultados. É a ação que possui o maior grau de racionalidade. A ação racional com relação aos valores é portadora de consciência sistemática de sua intencionalidade, visto que é ditada pelo mérito intrínseco do valor ou dos valores que a inspiram, bem como é indiferente aos seus resultados ou conseqüências previsíveis. Em outras palavras, quem atua está a serviço de suas convicções e o sentido está na ação em si. É conduta heróica ou polêmica, que testemunha fé ou crença num valor ético, religioso, estético, ou de outra natureza, e sua racionalidade decorre apenas de que é orientada por um critério ou “causa” transcendente.

A ação econômica é um tipo de ação racional com relação aos fins e que possui como significado primordial a obtenção de utilidades. Diferentemente, a ação ética é um tipo de ação social que possui como sentido ou propósito a busca por algo que é fundamentalmente bom ou certo e evitar algo fundamentalmente mau ou errado. A ação religiosa é a conduta cujo sentido está em alcançar a salvação ou em buscar a transcendência (Wuthnow, 1994). Dessa forma, cada orientação (ética religiosa e econômica) possui considerações diferentes entre meios e fins. Weber cita as éticas e a religião como exemplos de orientações racional- valorativo (ação governada pela busca de valores absolutos), enquanto ele descreve ação econômica como uma orientação racional-instrumental (em que meios e fins são sistematicamente ajustados uns aos outros). Entretanto, é importante considerar atividades econômicas e religiosas não simplesmente como opostas ou formas diferentes de comportamento, mas como atividades que podem ser entrelaçadas (Wuthnow, 1994).

De acordo com Wuthnow (1994), essas categorias de ação social são artefatos culturais, criados por meio de sentidos atribuídos a várias ações por aquele que está comprometido com elas. Então, essas categorias – econômicas e não econômicas – são nem completamente fixas (sendo sujeitas a construção cultural) e nem mutuamente exclusivas. Weber, por exemplo, cunhou o termo ação orientada economicamente para indicar as ações concernentes à obtenção de utilidades,18 mas não se restringe a isso. A mesma ação também pode ter um significado religioso como, por exemplo, o comerciante puritano, cujo dia no escritório não oferece apenas o lucro, mas também alguma garantia de sua vocação divina. É importante considerar atividades econômicas e religiosas não simplesmente como opostas ou formas diferentes de comportamento, mas como atividades que podem ser significativamente

sobrepostas. Um exemplo contemporâneo é o financiamento de igrejas, uma categoria cultural ambígua, que levanta dificuldades simbólicas e práticas para as organizações religiosas.

Há atualmente trabalhos relevantes sendo feitos nesta abordagem. Entretanto, diz o autor, há um redirecionamento dos estudos não no sentido do abandono das antigas questões, mas de pesquisá-las com a abordagem da sociologia econômica, como a ênfase na cultura, práticas sociais, agência e imersão social da ação econômica (Wuthnow, 2005). E isso por conta do redirecionamento já citado no campo da sociologia econômica da ênfase na racionalidade para a ênfase na “relacionalidade”. Adicionalmente, Sherkat (2006) sublinha que as pesquisas contemporâneas que investigam a relação entre fatores religiosos e a economia enfoca sobre grupos religiosos específicos e como eles influenciam o desenvolvimento do capital humano e o processo de obtenção de prestígio.

Dessa forma, a religião é considerada mais do que uma instituição à parte do mundo ou um conjunto de idéias concernentes ao sobrenatural ou à transcendência. Adicionalmente, ela é vista como “religião vivida” ou “religião como prática”, ou seja, a religião é um intrincado conjunto de práticas que está entrelaçado com a vida cotidiana (e, portanto, com o trabalho, consumo ou os negócios), sendo que nelas há a dimensão econômica. É a partir dessa consideração que se percebe que o comportamento econômico também está imerso na prática religiosa (Wuthnow, 2005), como um fenômeno economicamente relevante (Weber, 2004b). Ainda de acordo com Wuthnow (2005), nessa nova abordagem as trocas se realizam entre pessoas que interagem tanto de modo econômico quanto não econômico e que envolve a confiança.