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Vidas, livros, filmes (Paul Verhoeven)

No documento SobreimpreSSõeS leituras de filmes (páginas 187-200)

A criação tem em forja não sei que novos seres; faltam-lhe, porém, materiais para os dar por pron- tos; exige agora os teus olhos, a tua boca, o teu cé- rebro, os teus braços, o teu peito, todas as tuas carnes e todos os teus ossos, toda tu, para queimar tudo, para fundir tudo, e assim obter matéria-pri- ma com que possa continuar na sua obra…

Wenceslau de Moraes, «Ko-Haru»

Ver a mentira (Turkish Delight)

Turks Fruit (Delícias Turcas, 1973) começa com um sonho no qual o pro- tagonista assassina um casal. Ao acordar, eric coloca na parede junto à cama a fotografia de uma mulher e masturba-se perante a imagem. Segue-se uma lon- ga e repetitiva sequência em que ele traz para sua casa diversas mulheres encon- tradas na rua, com quem se envolve sexualmente, sem atingir a satisfação. No último segmento desta sequência, ele abre a porta de casa acompanhado por mais uma mulher anónima e vislumbra, na escuridão do apartamento, a silhue- ta de uma outra mulher nua. Aproxima-se dela, mas, no momento em que a outra acende a luz, a mulher nua é revelada como sendo, afinal, uma estátua. pouco depois, uma legenda em que se lê «dois anos antes» sinaliza a entrada num flashback durante o qual se fica a saber que a mulher do sonho, a da foto- grafia na parede e a da estátua são a mesma. Trata-se de olga, a esposa de eric que o abandonou, e cuja falta ele procura compensar com a sua imagem e en- volvendo-se com outras mulheres que se assemelhem a ela.

o filme propõe, neste início, um cenário em que é fulcral tomar em linha de conta o modo como as figuras da representação (a fotogra- fia, a escultura, em certa medida o sonho) infor- mam a experiência da personagem. isto torna-se particularmente relevante, aqui, porque estas figuras representativas – e em particular a estátua – são da autoria do próprio protagonis- ta, um escultor, que parece ter dificuldade em desvinculá-las dos seus desejos e da sua própria experiência de vida, isto é, das circunstâncias em que os objectos fo- ram produzidos, e da importância que eles passaram a adquirir, não enquanto objectos artísticos autónomos, mas enquanto índices materiais de algo que parece ter ficado irremediavelmente perdido no passado: uma mulher. Assim, torna-se particularmente relevante que Verhoeven escolha, no plano a que acabo de me reportar, figurar a escultura no meio da sala como a mulher que ela deveria re- presentar. Filiando o regime de imagem à percepção alucinatória do protago- nista, o filme perverte o regime de imagem que a escultura, por definição, ins- taura: se habitualmente a estátua de uma mulher está no lugar desta, substituindo-a simbolicamente, aqui a mulher aparece (literalmente, porque a vemos) no lugar da estátua, substituindo-a. o aspecto interessante nesta trans- formação é que a literalidade do corpo da actriz está, na verdade, ao serviço do domínio do símbolo: vemos a mulher ao invés da estátua porque vemos o que eric vê, e eric vê aquilo que deseja ver, mas que não está materialmente lá.

De forma ainda relativamente simples, Verhoeven trabalha, nestas primei- ras sequências, uma estranha interdependência entre objectos reais e objectos representativos, num trabalho que é filtrado – e é importante ressalvar isto, dados os casos analisados adiante – pela subjectividade de uma personagem

que é a criadora dos objectos representativos, objectos que ela situa num nível muito próximo do da vida, em primeiro lugar porque derivam desta (ou seja, ele esculpiu aquela mulher porque a amava), e em segundo lugar porque, na ausência de vida (a mulher que o abandonou), eles podem representar uma al- ternativa deficitária, mas ainda assim possível, de vida. Assim, de forma ainda esboçada, Turks Fruit introduz o binómio constituído por criação e experiên- cia, que Verhoeven desenvolveria com uma complexidade acrescida em De Vierde Man (O Quarto Homem, 1983) e Basic Instinct (Instinto Fatal, 1992), apresentando, neste filme da fase inicial da sua filmografia, uma personagem para a qual a vivência de uma relação amorosa é indissociável da criação artísti- ca, surtindo este tópico efeitos decisivos na matéria e na própria forma do fil- me, do que é exemplo paradigmático a cena de alucinação que descrevi.

mentir a verdade (De Vierde Man)

estreado dez anos depois, e de aparência muito distinta, De Vierde Man recupera, na verdade, diversos elementos constitutivos de Turks Fruit, sendo o mais evidente que o protagonista volta a desempenhar uma actividade artística. Contudo, neste caso o homem, Gerard reve, não é artista visual mas sim um escritor de ficção.

Numa das primeiras sequências, reve dá uma palestra para a qual foi con- vidado, na cidade de Flessingue. o autor começa por contar um episódio que lhe teria acontecido: quando chegou àquela cidade, deparou, na estação de comboios, com um enorme caixão que continha o cadáver do homem mais alto do mundo, a ser retirado de uma carruagem e transportado para um ca- mião, ao mesmo tempo que trinta anões, pertencentes – tal como o morto – a um circo, acompanhavam a situação. «o que é que há de especial nesta histó- ria?», pergunta ele. e uma mulher responde a partir da audiência: «que não há nenhum circo nesta cidade.» reve confessa então ter inventado a história, e

fê-lo, sabemos nós, a partir de elementos reais da sua vida, uma vez que minu- tos antes o víramos a chegar de comboio a Flessingue, vindo de Amesterdão, e a deparar efectivamente com um caixão que despertara o seu interesse. No en- tanto, na origem desse interesse não residira o cadáver de um homem muito alto, mas o facto de o caixão conter uma faixa de tecido com aquilo que a Ge- rard parecera ser o seu próprio nome.

esta troca entre o escritor e a mulher da assistência parece anedótica mas oculta, na verdade, um princípio fulcral da oficina poética de reve. em respos- ta à espectadora, ele declara ter, de facto, mentido, ou pelo menos exagerado a verdade. esta tendência para o exagero, isto é, para o transbordo, para a adição, e para a transformação de factos efectivamente experienciados, ou seja, a resis- tência absoluta a uma ideia de arte que se limite a duplicar mimeticamente a vida, é apresentada pelo autor como a característica que define a sua literatura. e, contudo, é importante sublinhar que, neste esquema, é a experiência – isto é, a sua vida – aquilo que representa um ponto de partida determinante para a criação, mesmo que no ponto de chegada – a literatura – ela já se tenha trans- formado radicalmente. É por esta razão que, mais tarde, reve dirá mesmo que escreve sempre na primeira pessoa: o eu da vida entrecruza-se com o eu da lite- ratura, coincidindo e descoincidindo em simultâneo. esta dinâmica entre criação e experiência na primeira pessoa adquire uma força renovada se atentar- mos no facto de o filme de Verhoeven consistir na adaptação do romance ho- mónimo do célebre autor holandês Gerard reve, no qual o protagonista é também Gerard reve, sendo que o romance se assume como ficção e não como autobiografia ou memórias. isto é, ao mesmo tempo que promove a coincidên- cia entre ele mesmo e a sua personagem, atribuindo a esta o seu próprio nome, o autor holandês estabelece uma profunda descoincidência entre ambos, não deixando dúvidas em relação ao carácter ficcional do relato.

estas são as ideias de base sobre as quais Verhoeven trabalha no seu filme: um autor que escreve livros na primeira pessoa, a partir da sua própria expe- riência, a qual, por sua vez, é profundamente transformada nesse processo de

passagem à escrita. No entanto, aquilo que o filme documentará é, na verdade, uma complexificação desta primeira noção, que acontece desde a mesma se- quência da palestra a que me venho reportando. A certa altura, reve afirma: «se eu contar muitas vezes a mesma mentira, começo a acreditar nela. essa é a es- sência da minha escrita. eu minto a verdade.» Com estas palavras, passamos a situar-nos num território próximo daquele a que assistíramos no início de Turks Fruit, em que eric passava a acreditar na realidade da sua criação. por momentos, a escultura passa a ser a mulher, ou seja, a mentira (ou o falso) pas- sa a ser a verdade. em Turks Fruit, este cenário é momentâneo e rapidamente ultrapassado: basta acender a luz (e é evidente que a iluminação sinaliza, sim- bolicamente, a passagem ao esclarecimento), e eric passa a ver bem, ou seja, a distinguir o real do imaginado, a verdade da mentira. Contudo, em De Vierde Man temos um autor que é o primeiro a reconhecer que o princípio da sua es- crita é mentir repetidamente até passar a acreditar na sua mentira, tornando-a, no limite, na (sua) verdade. ou seja, estamos perante um homem que volunta- riamente se entrega à prática de ver mal, de confundir factos e imaginação.

No seguimento do filme, veremos que esta prática de escrita contamina, como não podia deixar de ser – dada a interdependência entre as duas –, a própria vida de reve. Assim, se o ponto de partida da sua escrita é a própria vida, esta torna-se também o seu ponto de chegada. o princípio poético alastra para o do- mínio da experiência e, como consequência, reve passa a viver o próprio tertium quid ontológico que promete quando descreve a sua ficção: um plano em que real e imaginário se entrecruzam de tal forma, que se torna impossível destrinçá-los. mas parece ser isto, na verdade – e pelo menos num primeiro momento, antes de os seus efeitos nefastos se revelarem, na última porção do filme – aquilo a que reve almeja, como o próprio refere durante a sua palestra: «eu minto a verdade.» Se- gundo este criador – e no que é uma defesa radical da prevalência da arte –, a ver- dade não está nos factos, mas na sua deturpação, na deformação, na transformação em algo de outra ordem. De alguma forma, e para recuperar os termos usados acima, para reve, ver mal é o único caminho que pode conduzir a ver bem.

Na palestra, reve conhece Christine, com quem inicia uma espécie de rela- cionamento na mesma noite. Tomando conhecimento da viuvez desta, decide escrever um romance sobre o seu passado. para tal, é obrigado a permanecer com ela durante alguns dias, para aprender sobre os factos da sua vida, de modo a ficar qualificado para escrever o romance. esta é a versão que reve conta a Christine. No entanto, o espectador sabe que ele permanece junto da viúva porque deseja conhecer Herman, o namorado desta que ele descobre numa fotografia e que o atrai irresistivelmente. A certa altura, vemos reve sentado à secretária a iniciar o novo romance. Um plano sobre o papel dá acesso ao capítulo inicial da nova obra, permitindo ler as primeiras palavras: «Quando eu ontem cheguei a V.» Ao passo que, pouco tempo antes, o escritor contara a Christine que planeava escre- ver um livro sobre ela, tendo por isso de aprender sobre o seu passado, este plano revela-nos que o novo romance versa, na verdade, sobre a estadia de reve em Flessingue (transformada em V. [subtracção à forma original de Flessingue no holandês: Vlissingen]), tratando-se assim de um livro sobre a situação que o autor está a viver no momento actual, que é a mesma a que nós, espectadores, assisti- mos desde o início de De Vierde Man.

No entanto, e como sabemos desde a palestra inicial, o escritor não se li- mita, por princípio, a reproduzir por escrito os acontecimentos vividos – isto é, as situações que vemos acontecer no contínuo do filme. De forma a concretizar

este processo de transformação do real em coisa literária, o filme alterna, neste episódio de escrita, entre planos reais de Gerard a escrever e planos oníricos de uma espécie de cinematização da cena do livro que está a ser escrita, os quais retomam o momento, localizado no início do filme, de quando o escritor che- gava de comboio a Flessingue. essa cena inicial surge agora actualizada, em três configurações possíveis, podendo ler-se no caixão vários nomes, em particular: o nome que se lia efectivamente no início (Guido Hermans); o nome do na- morado de Christine, por quem o escritor desenvolve uma obsessão passional (Herman); e o nome de Gerard.

referi antes que, na instância real deste encontro à saída do comboio, Ge- rard via o seu nome no caixão, antes de se aperceber de que, afinal, o nome do falecido era outro. Ao recuperar para o seu livro esta cena vivida por si – na qual, estranhamente, ele se vê no lugar do morto –, Gerard troca o verdadeiro nome do morto pelos dos dois homens que mantêm actualmente uma relação com Chris- tine: Herman e ele mesmo. isto é, no plano da criação literária, põe Herman e volta a pôr-se a si no lugar do morto. Tratando-se estas de imagens do livro de Gerard reve, isto significa que, na sua transformação da realidade em narrativa ficcional, Herman ou Gerard poderão passar a ser os cadáveres no caixão.

A partir deste momento, o filme trabalha, num rápido crescendo, o contá- gio da realidade por esta ideia de romance. Gerard planta involuntariamente em si mesmo a noção de que aquela mulher assassinou os seus anteriores maridos, planeando assassiná-lo agora a ele ou, em alternativa, a Herman. Seguindo os seus próprios princípios poéticos, ele apropria-se de uma mentira (porque, tan- to quanto se sabe, a ideia de que Christine é uma viúva homicida é apenas uma especulação sem fundamento, e que resulta da leitura, porventura errónea, de uma série de signos que podem ser, na verdade, inconsequentes) e transforma- -a em verdade. Nesta ficção que ele começa por escrever, e que rapidamente transpõe para a sua própria vida, ele será o potencial alvo de um homicídio.

por contaminação da incapacidade de Gerard de distinguir o real do fic- cionado, o regime representacional do filme cede, passando também o especta-

dor a não poder distinguir inteiramente facto e ficção, restando-lhe apenas a verdade da experiência de reve. Na verdade, Verhoeven já vinha trabalhando neste sentido da progressiva instalação de um regime onírico desde o início. o filme começa, tal como Turks Fruit, com um homicídio que rapidamente sabe- mos não ter acontecido de facto. Logo depois, na viagem de comboio, uma nova alucinação é assinalada enquanto tal, vendo-se Gerard a entrar dentro de uma imagem e o filme a adoptar um registo sobrenatural. mais tarde, contudo, por exemplo num episódio que decorre numa igreja, a transição entre o «real» e o «sonhado» já não é explicitamente marcada, no que se traduz visivelmente na enunciação de um regime de fluidez que é, afinal, o mesmo da escrita de Gerard, na qual os níveis se misturam com naturalidade. No limite desta ideia – e isto é algo que o filme prevê e cuja convocação solicita para a sua análise – há um determinado momento em que nem o protagonista, nem o espectador, podem estar absolutamente certos da veridicidade dos eventos. No fim de contas, isto já estava previsto pelo próprio Gerard, que, durante a palestra, dis- sera: «eu minto a verdade, e faço-o até já não saber se uma determinada situa- ção aconteceu efectivamente ou não», acrescentando logo depois: «e é aí que as coisas se tornam interessantes. o que fazemos da realidade é infinitamente mais interessante do que a realidade em si.» A história que Gerard reve inven- ta para o romance (a de uma mulher – viúva negra – que assassina os seus amantes), e que adquire uma certa parcela de realidade a partir do momento em que reve passa a acreditar nela, é efectivamente «interessante», estando no centro do «interesse» da narrativa que De Vierde Man propõe aos seus especta- dores. Contudo, a experiência dessa história é algo que, dado o seu lugar nela (enquanto potencial vítima), e contrariamente às suas afirmações polémicas durante a palestra, aterroriza Gerard, levando-o a procurar, na fase final do fil- me, fugir de Flessingue e regressar a Amesterdão.

o que parece fulcral aqui não é que Verhoeven esteja a jogar com indeci- dibilidade e abertura interpretativa (até ao fim, nunca saberemos com certeza se Christine assassinou os seus anteriores maridos, e se planeava assassinar Her-

man ou Gerard). o que é importante evidenciar, neste esquema, é que ele não diz respeito apenas à construção narrativa do filme, como também à experiên- cia do seu protagonista e ao livro que este está a escrever, e que por sua vez toma essa experiência como matéria prima. É assim que vida, livro e filme são feitos, de alguma forma, coincidir. mas que De Vierde Man assuma um regime de indecidibilidade e de loucura (o filme termina com Gerard reve num hos- pital psiquiátrico) é importante porque ele representa a concretização do epi- grama com o qual o autor resumiu o seu ofício poético: «mentir a verdade.» o filme documenta com eficácia os efeitos práticos de «mentir a verdade»: a inca- pacidade de distinguir os factos e a entrega absoluta à imaginação, que acaba por pôr em perigo a própria sanidade do indivíduo. mas, segundo reve, essa é a verdade: a loucura, a perda de si no reino da imaginação, o sonho. isto é, a literatura e, diria eu, também o cinema. Deste ponto de vista, instaurando o filme, na sua fase final, um regime de indecidibilidade, ele desprende-se da constrição dos factos e passa a localizar-se no domínio da imaginação, do oní- rico, isto é, da verdade, concretizando assim a promessa oculta no nome de Gerard: reve [sonho].

prescrever o destino (Basic Instinct)

Cerca de dez anos depois, Verhoeven volta a reunir uma série de elemen- tos existentes em De Vierde Man, dispondo-os numa nova ordem. Basic Ins- tinct recupera do anterior uma personagem escritora, desta feita uma mulher.

o filme abre com um homicídio: uma mulher, cujo rosto nunca vemos, assassina um homem com um picador de gelo durante o acto sexual. A polícia começa por investigar a namorada da vítima, que era uma antiga estrela do rock. ela é a romancista Catherine Tramell, tomada como principal suspeita a partir do momento em que os investigadores se apercebem de que o seu último romance contém um crime exactamente igual ao que ocorrera na noite ante-

rior. Nesse romance pulp publicado sob pseudónimo, e intitulado Love Hurts, uma estrela de rock é assassinada pela sua namorada.

No seguimento desta descoberta, a trama de suspense começa a desenhar- -se na contemplação de duas hipóteses: num primeiro cenário, Catherine Tra- mell é a assassina, tendo escrito o livro como o álibi que lhe permite dizer, após o crime – e ela di-lo efectivamente durante o primeiro interrogatório –, «eu teria de ser estúpida para escrever um livro sobre um homicídio e, depois, assas- sinar alguém da mesma forma que aparece no meu livro»; e num segundo ce- nário, Catherine Tramell não é culpada, mas sim vítima de alguém que, tendo lido o seu livro, executa o crime à semelhança do homicídio ficcional, com o intuito de incriminar a escritora.

o que importa extrair daqui, contudo, é que Basic Instinct inicia com um crime que é em tudo semelhante a um crime proveniente do livro Love Hurts de Catherine Tramell. ou seja, com efeito, o filme de Verhoeven começa já contaminado pelo livro de Catherine. isto é enfatizado pelo facto de tanto a imagem de fundo sobre a qual surgem os créditos iniciais, como a imagem de abertura do filme, serem de natureza especular: abrir sob o signo do espelho – que, no caso concreto do plano inaugural do filme, duplica a imagem dos amantes na cama, pouco antes de ocorrer o homicídio – concretiza a ideia de que, nesta cena de abertura, o filme está a duplicar um original, isto é, a cena matricial no livro Love Hurts, que aqui se repete. Assim, se em De Vierde Man se jogava com áreas de contaminação e porosidade entre diferentes níveis de realidade, Basic Instinct – que adopta um regime mais naturalista, digamos as- sim, embora também contenha alucinações e sonhos – constrói-se como um jogo de espelhos, superfícies obduras que não só reflectem como também dis- torcem. em suma, o filme de 1992 situa-se no reino da imagem, não de uma imagem entendida em termos simples (isto é, miméticos), mas uma imagem refractada, simulacro, uma vez que neste primeiro plano, a título de significati- vo exemplo, o espelho oferece a imagem de uma situação (o homicídio na

No documento SobreimpreSSõeS leituras de filmes (páginas 187-200)

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